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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Como Mendonça Mendes desmentiu Galamba sem "adjetivar"

Secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro confirmou o telefonema de Galamba de forma textual ao mesmo tempo que desmentiu o seu conteúdo de forma velada ao longo da audição.

A expectativa maior era sobre a existência do telefonema que o ministro João Galamba disse ter feito para o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro na noite de todos os acontecimentos no Ministério das Infraestruturas. Mais de um mês depois da primeira referência a este contacto, António Mendonça Mendes confirmou a chamada de forma simples, mas criou um outro problema ao ministro: contrariou a versão que Galamba deu na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP.

Na sua audição parlamentar na comissão de Assuntos Constitucionais desta terça-feira, António Mendonça Mendes disse que João Galamba já tinha uma lista de todas as entidades a quem teria de reportar no momento em que lhe ligou e que — ao contrário do que o ministro disse na audição na CPI — “não era possível” ele ter dado qualquer indicação nesse sentido sem ter os dados todos na sua posse.

Mendonça Mendes contou que Galamba lhe transmitiu logo ali "a sua preocupação quanto a informação classificada como confidencial e que se encontrava naquele computador" e prosseguiu com uma informação nova e controversa: foi o próprio Galamba que lhe terá falado, nessa chamada, do SIS em primeiro lugar.

Desafiado a dizer se confiava em João Galamba depois deste ter mentido sobre o seu envolvimento, Mendonça Mendes foi, nessa ocasião, lacónico: “Não gosto muito de adjetivar e muito menos o uso da palavra verdade e mentira como aquelas que se fazem.”

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Desmentido de Galamba em vários atos

No início da audição, Mendonça Mendes foi logo questionado pela Iniciativa Liberal sobre o telefonema mistério e pôs um ponto final ao embaraço de ser o único contacto que continuava sem uma confirmação, quando todos os outros feitos naquele dia por Galamba tinham sido validados por outros governantes. “Eu confirmo que o ministro me ligou na noite de 26 de abril para me relatar os acontecimentos no Ministério das Infraestruturas”. Confirmou o telefonema, não confirmou o conteúdo. E até o contrariou. Ficou assim longe de se encontrar o fio do novelo de dúvidas — que até aumentaram.

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O governante contou que Galamba lhe transmitiu logo ali “a sua preocupação quanto a informação classificada como confidencial e que se encontrava naquele computador” e prosseguiu com uma informação nova e controversa: foi o próprio Galamba que lhe terá falado, nessa chamada, do SIS em primeiro lugar.

Segundo Mendonça Mendes, logo nesse telefonema “o ministro teve a preocupação de procurar a listagem e elencar todas as entidades competentes para as quais devia ser feito o reporte desta quebra de segurança que avaliou no ministério. E porque quis fazê-lo? Por uma razão simples. Todos nós, membros do Governo, quando iniciamos funções, temos um conjunto de orientações nas mais diversas matérias e em matéria de quebra ou comprometimento de matéria classificada temos o dever de reporte imediato às autoridades competentes”.

No caso concreto das Infraestruturas, o secretário de Estado disse que quem tinha condições de “tomar essa decisão” é “quem tem completo conhecimento de qual a informação em causa e qual o setor concreto e a tutela”. Com isto Mendonça Mendes já estava a limitar a decisão de reporte ao Ministério das Infraestruturas, desviando-se de ter sido ele a dar qualquer indicação sobre recorrer às secretas. Até porque o reporte, e não qualquer ordem, já tinha sido feito pela chefe de gabinete do ministro, Eugénia Correia.

Depois de questionado várias vezes sobre se a sugestão para o tal reporte aos serviços de informação tinha partido de si, Mendonça Mendes nunca respondeu de forma direta e sem curvas. Ainda assim, no final da audição admitiu de forma clara que não era “possível que quem não conhece qual é a informação, qual é o grau de classificação da informação, qual o conteúdo dos documentos, o grau de risco associado àquele área governativa”, mesmo sendo membro do Governo, “fazer uma avaliação instantânea sobre a adequação de se fazer ou não uma comunicação” — era este o seu caso.

"Em caso de dúvida nessa avaliação eu reportaria também aos serviços de informação porque o reporte não significa nem direta ou indiretamente qualquer ordem de atuação ou instrução de atuação. Significa apenas dar a conhecer de imediato aquilo que é uma quebra ou um comprometimento de segurança para que possa ser avaliado e no quadro dessa avaliação é dada a sequência que se entende dar."

No telefonema cuja existência confirmou, há, assim, uma contradição sobre o conteúdo, com a sua versão a colidir com a prestada pelo ministro João Galamba na comissão parlamentar de inquérito. Na CPI, quando foi questionado sobre quem lhe disse para contactar o SIS, a resposta de Galamba foi: “O gabinete do primeiro-ministro. O secretário de Estado [Adjunto do primeiro-ministro], sim”. Quando confrontado com o nome “António Mendonça Mendes”, Galamba assentiu com a cabeça. É aqui que pode estar mais um problema para o Governo: se Mendonça Mendes disse a verdade, isso significa que o ministro das Infraestruturas mentiu na comissão de inquérito, que é quase como mentir em tribunal, já que as CPI têm poderes parajudiciais.

Isto porque, insistiu Mendonça Mendes, quando lhe ligou, o ministro já estava preocupado com os documentos classificados e tinha já a “listagem” de “todas as entidades para as quais devia ser feito o reporte da quebra de segurança”. Não confirmou — e até descredibilizou — a ideia de que contactar o SIS tenha sido sua, embora tenha assumido, no condicional, que se estivesse ‘nos sapatos’ de Galamba também teria reportado ao SIRP.

“Em caso de dúvida nessa avaliação eu reportaria também aos serviços de informação porque o reporte não significa nem direta ou indiretamente qualquer ordem de atuação ou instrução de atuação. Significa apenas dar a conhecer de imediato aquilo que é uma quebra ou um comprometimento de segurança para que possa ser avaliado e no quadro dessa avaliação é dada a sequência que se entende dar.”

Mendonça Mendes desmente Galamba ao dizer que não tinha dados para sugerir reporte ao SIS

Mendonça Mendes ainda tentou sugerir que João Galamba não o terá envolvido diretamente na comissão de inquérito e que havia um erro de interpretação da oposição a esse propósito. Os deputados, sugeria o secretário de Estado, poderiam “ter vantagem em reler a audição ao ministro na comissão de inquérito, em particular na hora 02h26m40s em resposta ao deputado do PSD, Paulo Rios, sobre qual foi resposta que o ministro das Infraestruturas deu relativamente ao teor daquilo que era importante para ele perceber naquela fase.”

No minuto indicado por Mendonça Mendes, era de facto Paulo Rios que estava a interpelar João Galamba, mas não sobre a indicação do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. O momento em que Galamba envolveu Mendonça Mendes de forma clara foi mais tarde nessa audição (nos termos referidos em cima) e em resposta ao deputado liberal Bernardo Blanco. Já o tinha feito também na conferência de imprensa de 29 de abril.

Entre todas as contradições que este tema tem suscitado entre membros do Governo, há dois pontos onde as agulhas aparecem contudo agora acertadas: não houve uma ordem para as secretas atuarem, a ação partiu das próprias depois do tal reporte, e a ação do SIS foi legal. O primeiro ponto foi acertado ao longo do tempo, com Galamba a modelar a sua versão inicial com o decorrer dos dias e das declarações públicas que foram surgindo. Quanto ao segundo, é apenas uma tentativa de posição de força do Governo, já que a matéria ainda está a ser investigada pelo Ministério Público — o único suporte até agora é o parecer do Conselho de Fiscalização das secretas — que está longe de ser unânime entre os partidos da oposição.

"Naquela noite, não falei com o primeiro-ministro. Falo muito regularmente com o senhor primeiro-ministro. Na vez seguinte que falei, trocámos impressões sobre o tema (...) "Nessa noite, voltei a falar muito mais tarde com a ministra da Presidência, com a qual também falo muitas vezes. Comentámos esse tema porque ela já tinha essa informação"

Secretário de Estado diz que Costa foi o último a saber

Costa, que se encontrava de férias, foi protegido nesta audição. O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro não respondeu, da primeira vez que lhe foi perguntado, sobre se tinha falado com o primeiro-ministro na noite de 26 de abril. Optou por dar uma resposta que deixava margem para dúvidas: “O senhor primeiro-ministro foi informado por este tema pelo ministro das Infraestruturas”. A pergunta — que até tinha sido feita primeiro pelo PS — não era essa.

Mas a oposição insistiu e Mendonça Mendes acabaria por ser mais claro: “Naquela noite, não falei com o primeiro-ministro. Falo muito regularmente com o senhor primeiro-ministro. Na vez seguinte que falei, trocámos impressões sobre o tema.”

Mendonça Mendes foi ao ponto de dizer que até falou com a primeira-ministra em exercício (Mariana Vieira da Silva), mas que nem a ela lhe deu a novidade sobre a ativação do SIS. “Nessa noite, voltei a falar muito mais tarde com a ministra da Presidência, com a qual também falo muitas vezes. Comentámos esse tema porque ela já tinha essa informação”, revelou o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.

A longa espera de quem nada tutela

António Mendonça Mendes começou a audição a justificar o porquê de ter andado nas últimas semanas a fugir a confirmar o telefonema de João Galamba, levantando dúvidas (que agora dissipou) sobre se a chamada teria mesmo acontecido. O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro prometeu “serenidade e tranquilidade”, bem como ser “claro” nas respostas, mas muitas vezes foi redondo e tentou contornar as questões.

Mendonça Mendes começou por dizer que fugiu às questões nos congressos de PAN e Bloco de Esquerda porque já havia requerimento da Iniciativa Liberal e o Parlamento era “o sítio adequado” para essa discussão serena e tranquila. Isto apesar do partido que suporta o Governo ter chumbado esta mesma audição e ter forçado a IL a gastar uma chamada potestativa (instrumento limitado que o grupo parlamentar não pode voltar a utilizar nesta sessão legislativa).

O secretário de Estado Adjunto tentou ainda explicar o que fazia com que tivesse optado por uma atitude diferente de outros governantes que já tinham confirmado a versão de Galamba: “Compreendo que tanto a ministra da Justiça como o ministro da Administração Interna se tenham pronunciado rapidamente, na medida em que estava em causa temas relacionados com de dois serviços que estão na sua tutela direta”, disse Mendonça Mendes. Ou seja: como não tutela o SIS, não seria ele que teria que falar (mas sim António Costa).

Embora José Luís Carneiro tenha falado logo no dia a seguir a ser envolvido por João Galamba, a ministra da Justiça só falou sobre o tema após ter sido chamada, também de forma potestativa, pelo Chega à Assembleia da República e não “rapidamente” como alegou o governante.

Mendonça Mendes conseguiu ainda uma vitória nesta audição. Apesar de ter apresentado uma versão diferente da de João Galamba, o PSD e o Chega acreditam mais na sua palavra do que na do ministro em sede de comissão parlamentar de inquérito. Para estes dois partidos da oposição, foi João Galamba quem mentiu. E já exigiram a demissão do ministro das Infraestruturas no mais breve prazo: até ao fim desta terça-feira.

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