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Oito semanas. Durante oito semanas, vai jogar-se futebol em Portugal. Vão disputar-se as últimas dez jornadas da Primeira Liga e ainda a final da Taça. Antes, em três fases, os jogadores já recomeçaram a treinar de forma individual, vão passar a treinar em grupo sem banhos nos centros de estágios e vão jogar sem público, com estágios de um dia e a utilizar máscara durante grande parte do tempo em que não estão em campo. Pelo meio, cada um tem a própria garrafa de água, cada um tem a própria bola e os testes serão a nova normalidade.
Mas isto é apenas a ponta do icebergue. Entre mercados de transferências que não poderão arrancar a 1 de julho e seguros que não existem, a UEFA desdobra-se em planos para terminar a Liga dos Campeões e a Liga Europa em agosto e persuadir o maior número de ligas europeias que conseguir a terminar a época no relvado. Bélgica (por iniciativa própria), França e Holanda (por decisão do governo) já ficaram pelo caminho, a situação está difícil em Espanha e Itália, a Alemanha tentou antecipar-se mas Angela Merkel adiou a decisão.
Depois de um hiato que vai causar um caos financeiro – entre federações, ligas e clubes, profissionais e amadores –, o futebol terá de saber aprender a viver numa nova “normalidade”. Uma nova normalidade que levanta questões, perguntas e inquietações. O Observador respondeu a todas – pelo menos as que já têm resposta.
O que é que vai voltar no futebol e como acabou o que não volta?
No futebol, para já, existem duas realidades distintas. Ao contrário do que aconteceu nas modalidades, em que todas as dimensões e escalões das modalidades de pavilhão terminaram sem atribuição do título de campeão, no futebol essa decisão inicialmente só abrangeu as provas amadoras, masculinas e femininas, de seniores e de formação, antes de ser acrescentada também a Segunda Liga (segundo escalão do futebol mas também ele profissional). Quer isto dizer, portanto, que só está previsto o cumprimento das dez jornadas restantes da Primeira Liga e a realização da final da Taça de Portugal entre FC Porto e Benfica.
Esta quinta-feira, ao anunciar as linhas gerais do início do desconfinamento, António Costa guardou para o fim a informação sobre as competições desportivas e colocou no fim de semana de 30 e 31 de maio a data inicial provisória para o recomeço da Primeira Liga – próximo do draft inicial da Liga, que apontava para 1 a 6 de junho. O primeiro-ministro indicou ainda que o retomar das competições de futebol está “sujeito a aprovação do protocolo sanitário apresentado pela Liga por parte da DGS”, algo que já tinha sido adiantado por Fernando Gomes à saída da reunião em São Bento (aliás, uma fonte referiu mesmo ao Observador que o plano de que o primeiro-ministro falava foi desenhado pela Federação e não pela Liga). E está condicionado a “avaliação de que estádios cumprem todas as condições indispensáveis para que essa atividade possa ser tomada”. Costa acrescentou, no entanto, que “o reinício desta atividade desportiva será sempre feita à porta fechada e, portanto, sem público presencial em qualquer que seja o estádio, quer nos jogos, quer na final da Taça.
Na comunicação, António Costa acabou por confirmar que a presente temporada da Segunda Liga não será concluída. O primeiro-ministro recordou que ouviu a Liga e a Federação e que foi concluído que só os clubes do principal escalão tinham “condições” para regressar esta época. Ou, como referiram ao Observador esta semana em conversa, “precisavam de ter condições” para regressar, num exemplo paradigmático de equilíbrio entre necessidades de saúde e económicas. Ficam por conhecer, portanto, quais são os clubes da Segunda Liga que vão subir à Primeira e aqueles que descem ao Campeonato de Portugal. Na altura da interrupção, Nacional e Farense eram as equipas em situação de promoção e o Observador sabe que serão essas a ascender de escalão, algo ainda não homologado (apesar dos protestos de outros conjuntos que lutavam pelos dois primeiros lugares); Cova da Piedade e Casa Pia estavam em lugares de despromoção mas não se sabe se existirão descidas – se houver, caem ambos e a Federação vai definir quem sobe, após a suspensão do terceiro escalão.
Quanto ao que também não vai voltar, ainda no final de março, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) anunciou que “todas as provas dos escalões de formação de futebol e futsal no país”, masculinas e femininas, estavam canceladas, “sem campeão, sem subidas e sem descidas”. “Reconhecendo o inestimável papel dos clubes, enquanto formadores de jogadores de futebol, mas ainda de jovens e crianças, está a Federação Portuguesa de Futebol certa do seu apoio a esta medida excecional. Também eles, em segurança e estabilidade, estarão aptos a preparar da melhor forma possível a época 2020/21”, escreveu, na altura, a FPF.
Federação cancela todas as provas de formação de futebol e futsal – sem campeão, subidas ou descidas
Menos de duas semanas depois, a FPF anunciou a mesma decisão para o Campeonato de Portugal, o terceiro escalão do futebol masculino, para a Liga BPI, a Primeira Liga de futebol feminino, para a Segunda Divisão feminina e para todas as restantes competições nacionais de futsal. A lógica, nestas competições, é a mesma aplicada aos escalões de formação: não existe atribuição do título de campeão, não existem subidas, não existem descidas. Ainda assim, surgem dois problemas que ainda terão de ser resolvidos a breve futuro.
Mesmo sem subidas nem descidas adicionais, terão de ser indicados os dois clubes que ascendem do Campeonato de Portugal à Segunda Liga (confirmando-se esse cenário de que há mesmo descidas) e a equipa de futebol feminino que vai representar Portugal na Liga dos Campeões feminina da próxima temporada (Sporting e Benfica estavam na liderança com os mesmos pontos). Decisões que, segundo a FPF, serão comunicadas “com a maior brevidade possível” depois de analisadas. O mesmo se vai aplicar numa outra modalidade, o futsal, mas com mais “unanimidade”: Sporting e Benfica seguem para a Champions de futsal.
Que medidas de protocolo foram mudadas para o regresso do futebol?
Num dos mais recente rascunho da Liga para a “Retoma Progressiva à Competição”, datado de meio de abril, é referido logo no prefácio que o objetivo do documento é “que não se descure a segurança dos jogadores e das suas famílias, a segurança das equipas técnicas de todos os clubes e, claro, a segurança de todos os colaboradores e agentes do futebol que contactem com os jogadores e equipas técnicas aquando do regresso progressivo à competição”. Ora, estas premissas, fáceis de elencar, obrigam a um longo rol de medidas de protocolo que terão de ser seguidas e cumpridas para que o futebol não volte a parar depois de recomeçar.
O plano prevê que os jogadores tenham uma espécie de segunda pré-época, através de um mês de treinos que serão também eles muito condicionados. Numa primeira fase, serão treinos individuais (a fase atual, em que os jogadores não se cruzam com os colegas de equipa); na segunda, evolui-se para treinos coletivos (os jogadores não podem utilizar os balneários do clube e têm de tomar banho em casa); e na terceira, passa-se para a realização de jogos ao fim de semana (dois a meio da semana), à porta fechada e também eles com o mínimo contacto possível, assim como António Costa adiantou esta quinta-feira depois do Conselho de Ministros.
O plano da Liga para o regresso à competição: dos treinos solitários aos jogos à porta fechada
Primeira fase: treinos individualizados com dois jogadores por campo e uma bola para cada um
No documento elaborado pela Liga, é sublinhado que “é fundamental haver treinos específicos da modalidade, algo que é praticamente impossível de forma isolada, nas suas residências”. Nestes treinos individualizados, que o Sporting e o Sp. Braga já começaram e Benfica e FC Porto iniciam na segunda-feira, os jogadores voltam a trabalhar com bola, podem fazer treinos exigentes a nível físico mas o treinador nunca se pode aproximar mais do que dois metros dos atletas. No campo, apenas dois jogadores podem treinar simultaneamente (um em cada metade do tempo) e tem sempre de estar presente um elemento do departamento médico.
Com treinos de 45 minutos, por exemplo, serão precisas nove horas para que 24 jogadores treinem – isto se for utilizado um único campo, limitação que não se aplica às equipas ditas maiores, que têm vários relvados nos respetivos centros de estágios. A Liga acrescenta ainda que os jogadores não têm de ser testados antes destes treinos mas têm de ser vistos pelo médico do clube e só podem treinar se não tiverem desenvolvido qualquer sintoma. Os atletas têm de entrar já com as chuteiras calçadas e levar todo o material – garrafa de água, equipamento, etc. – para casa. Quanto às bolas, cada jogador terá ainda de ter a sua própria bola, que tem de estar identificada e ser previamente desinfetada.
Segunda fase: treinos de conjunto ainda com banhos em casa
Para uma passagem da primeira à segunda fase, todos os jogadores do plantel e elementos da equipa técnica e respetivo staff têm de ser testados (mais uma vez, em alguns casos por clubes). Posto isto, os jogadores vão receber indicações para se manterem em casa fora do período de treinos, não podendo frequentar locais com um grande aglomerado de pessoas e, mesmo treinando juntos, não se podem cumprimentar entre si. Mantêm-se os banhos em casa e continuam proibidas as refeições em conjunto.
Terceira fase: jogos sem entrevistas, estágios de máscara e sempre uma garrafa para cada um
À porta fechada, com o número mínimo de pessoas possível e em estádios com as condições necessárias. Os jogadores não poderão fazer a típica “roda” motivacional antes ou depois dos jogos, não podem cumprimentar os adversários ou a equipa de arbitragem e as entrevistas, incluindo flash interviews, devem ser evitadas. Além disso, as crianças vão deixar de entrar com os jogadores no relvado.
Nos jogos fora, os estágios das equipas devem ter a “menor duração possível” e ser, sempre que possível, substituídos por viagens no próprio dia do encontro – os horários das partidas devem ter, por isso, isto mesmo em conta. Nas viagens de autocarro, devem viajar no veículo “apenas os elementos indispensáveis para essa viagem”, devendo os restantes deslocar-se em “viatura própria”. Os jogadores que viajarem no autocarro devem sentar-se sozinhos em bancos de dois lugares e o mais distantes possível do motorista (que deverá utilizar máscara em toda a viagem, assim como os jogadores e restante staff). Em caso de paragem, esta deve ser feita num parque de merendas com casa de banho e não numa área de serviço.
Nos hotéis, os jogadores devem dormir em “camas individuais separados no mínimo um metro”, não devem utilizar o elevador, e devem evitar contactos com outros hóspedes. Será recomendado aos atletas que bebam “sempre da mesma garrafa de água, tanto no treino como nos jogos, devendo esta ser identificada corretamente”.
Numa fase pós-pandemia, a vigilância deve continuar até existir uma imunidade coletiva ao vírus, seja por via direta ou através de um programa de vacinação (que, como as próprias autoridades governamentais assumem, pode demorar pelo menos um ano). O cronograma elaborado pela Liga indica que cada equipa terá então 21 a 27 dias de treinos conjuntos antes de regressar à competição, isto tendo em conta que, por imposição da FIFA, os jogos têm de ocorrer até dia 3 de agosto. Com o calendário apertado, a solução foi colocar duas jornadas a serem realizadas a meio da semana (que seriam três se necessário) para acabar a Primeira Liga.
Como será o calendário para acabar o Campeonato?
Aquilo que ficou denominado como “Plano de Ação para a Retoma Progressiva à Competição”, documento que teve uma primeira versão e foi depois sofrendo alterações com o passar dos dias e com a evolução da pandemia, foi feito e ponderado ouvindo várias sensibilidades, incluindo alguns dos responsáveis dos departamentos médicos dos clubes profissionais que foram acrescentando os seus inputs não só por experiências próprias mas também pelo conhecimento que foram tendo do que se preparava nos principais clubes europeus (e que continua a evoluir – na Alemanha, por exemplo, uma infeção vai ser tratada como lesão e quarentena de 14 dias). E foi aí que começou a ser desenhado um eventual calendário, que só mais tarde conheceu datas mas que foi delineado por semanas.
Assim, como conclusão de todas essas conversas, ficou então definido que seriam necessárias quatro semanas para preparar o regresso à competição após uma longa paragem desde o meio de março, onde os clubes foram tentando manter as rotinas de treino adaptadas a jogadores em confinamento (algumas equipas colocaram máquinas próprias e peso em casa dos atletas, preparando o cenário que se veio a confirmar do estado de emergência). Nas duas primeiras, falava-se quase de “readaptação”. Ou seja, um momento de regresso aos centros de treinos com novas regras e outros cuidados. Nas duas seguintes, um aumento da intensidade física para dar rotinas de jogo aos jogadores já em grupo. Só isso poderia evitar problemas físicos, sobretudo musculares e a nível dos joelhos. Mais: Benfica e Sporting, entre outros, deram mesmo “férias” para baixarem os níveis até meio de abril.
Na passada terça-feira, na reunião que juntou os presidentes de Federação, Liga de Clubes, Benfica, FC Porto e Sporting ao primeiro-ministro António Costa e aos ministros da Economia, da Saúde e da Educação, houve “luz verde” para esse arranque a partir de 1 de junho, data que, por tratar-se de uma segunda-feira, pode ser também antecipada para o fim de semana de 30 e 31 de maio. E era isso que a Liga de Clubes já tinha preparado, ainda numa espécie de draft: a jornada de regresso, a 25.ª, a ser jogada entre 30 de maio até 6 de junho e a partir daí um regresso à normalidade com jogos em todos os fins de semana e ainda mais duas rondas jogadas a meio da semana (a 27.ª, no feriado de 10 de junho – data referência, que pode ser antecipada/adiada pelos compromissos televisivos, e a 31.ª, a meio da última semana de junho). Ou seja, seis jornadas serão jogadas em junho.
Cumprindo todo esse calendário, que deverá ser enviado em breve de forma oficial para a UEFA (que colocou o dia 25 como limite para receber a recalendarização de todas as ligas que voltarão a competir), a Primeira Liga deve acabar no fim de semana de 18 e 19 de julho, ficando o dia 25 ou 26 de julho para a Taça de Portugal, desta feita já sob a égide da Federação Portuguesa de Futebol. Esse encontro que fechará a prova, confirmando-se mesmo a sua realização, será disputado por Benfica e FC Porto mas pode ou não ser feito como habitualmente no Jamor. Uma nota importante: sendo quase certo que Portugal, cumprindo estas datas, será uma das primeiras Ligas a acabar após a interrupção, isso não quer dizer que comece também mais cedo a época de 2020/21.
Quais são os problemas que podem aparecer e estão ainda por resolver?
A decisão que ficou acordada na terça-feira e foi anunciada esta quinta-feira provocou um suspiro de alívio entre os clubes profissionais, que iriam enfrentar problemas ainda mais dramáticos caso a Primeira Liga não pudesse ser concluída, como aconteceu noutros países como França e Holanda (ou Argentina, olhando para outras realidades). No entanto, existem alguns problemas ainda por resolver. Logo à cabeça, quatro grandes temas.
Acordo com jogadores para a extensão do contrato por mais 20 dias/um mês. O problema não se aplica tanto aos clubes “grandes”, que têm poucos atletas emprestados ou em final de contrato (no caso do Sporting, por exemplo, Jesé Rodríguez e Bolasie foram mesmo dispensados do regresso aos trabalhos individuais), mas sim aos restantes clubes que têm cerca de 140 jogadores que terminam o seu vínculo a 30 de junho, ou por final de ligação contratual, ou por término da cedência temporária. Nem a UEFA nem a Liga fizeram qualquer “norma” de atuação, tendo assim os clubes de chegar a acordo com esses mesmos atletas;
Alterações nas cláusulas de seguros. À exceção do torneio de Wimbledon, que por causa da epidemia da SARS colocou a cláusula de pandemias no contrato (o que lhe valeu agora um “prémio” de 114 milhões de euros pelo cancelamento da edição de 2020), ninguém estava preparado para algo como o novo coronavírus. Ninguém a nível macro, como as grandes organizações desportivas dos Jogos Olímpicos e do Europeu, ninguém a nível micro, como as simples ligações laborais entre clubes e atletas. E é isso que o Sindicato de Jogadores coloca como uma das prioridades: sendo certo que o vírus da Covid-19 pode ser tratado no futebol como uma “lesão”, como fará a Alemanha, o órgão pretende que esteja presente essa cláusula nos seguros que serão feitos ou renovados;
Os clubes vão ressarcir os adeptos com lugares anuais? O regresso da Primeira Liga será feito à porta fechada, isso é um dado certo (contas feitas, a possibilidade de se poderem abrir os recintos com uma lotação muito reduzida, além de não ser recomendável em termos de plano de saúde, acabaria por ter tantos ou mais custos do que receitas). No entanto, muitos adeptos são detentores de lugares anuais, tendo assim “direito” a mais cinco jogos incluídos nesse produto. Serão ressarcidos? A serem, os clubes fazem o cálculo, dividem o montante em causa, retiram a parte em falta e depois poderão optar por vários cenários, desde a atribuição do valor em desconto para uma renovação do lugar na época seguinte ao crédito para compras na loja do clube ou de parceiros;
Haverá possibilidade de haver jogos em sinal aberto? A condição de os jogos da Primeira Liga serem realizados à porta fechada era fundamental para que todo o calendário pudesse avançar. Agora, já com tudo confirmado, existe uma outra questão: se o objetivo de não haver público nas bancadas passa por evitar qualquer tipo de aglomeração (como está aliás proibido ainda em maio para tudo, em termos genéricos), se o ato de ver um jogo de futebol pressupõe sempre esse encontro de pessoas às vezes até em cafés, esplanadas ou sede de clubes por passarem em canais pagos, existirá possibilidade de haver jogos em canal aberto? Para já, não. Mas a ideia já foi pelo menos ventilada na Liga, com os operadores a terem sempre uma palavra decisiva.
O que está definido e o que está ainda por saber (exemplo: onde se joga)?
A certa altura chegou a ser considerada uma possibilidade em relação ao regresso dos jogos (quando ainda não havia sequer certezas que isso pudesse acontecer na realidade): realizar os encontros em falta com uma limitação que respeitasse as diretivas em relação a aglomerados e distanciamento social. Ou seja, com lotações reduzidas. A ideia demorou pouco tempo até cair e por uma razão simples: em muitos casos, ficava mais caro garantir todas as necessidades que envolve uma partida da Primeira Liga, como policiamento, assistentes de recinto desportivo, bombeiros, funcionários da bilhética etc., do que a receita que daí poderia surgir. O governo queria jogos fechados, os clubes estavam preparados para os jogos fechados. Mas existem ainda dois pontos por definir:
- Onde serão realizados os jogos? O objetivo é minimizar ao máximo deslocações de atletas e “estruturas” de um lado para o outro e foi por isso que surgiu a possibilidade de se jogar por regiões (Aveiro, Coimbra, Leiria e Santarém disponibilizaram-se para receber os encontros em falta). Ainda assim, os estádios mais modernos, nomeadamente aqueles que estiveram no Campeonato da Europa de 2004, são os que reúnem à partida melhores condições entre as desejadas e nesse sentido o Algarve poderia ser também uma hipótese que tem como único contra as deslocações que várias equipas do Norte teriam de fazer. Este é um dos pontos que serão discutidos na próxima semana, agora que todos os dados são oficiais e públicos;
- Como será com as equipas das ilhas? Marítimo, da Madeira, e Santa Clara, dos Açores, não tinham propriamente a mesma posição neste ponto de concentrar os jogos em determinadas regiões mas deverão ser feitos em breve acordos para que possam disputas as dez jornadas em falta no Continente, salvaguardando provavelmente pela organização esse fator de terem mais custos do que os que estavam orçamentados;
O impacto dos direitos televisivos e uma decisão importante: maio será pago?
Ainda em março, quando se percebeu pela declaração do estado de emergência que a necessidade de confinamento seria mais longa do que se poderia pensar e que as competições desportivas iriam parar várias semanas, uma das preocupações de Fernando Gomes, presidente da Federação, passou por contactar com as operadoras e tentar encontrar uma solução que permitisse que o mês de março fosse pago na totalidade apesar de só ter havido jogos até meio – algo que aconteceu e que o líder federativo agradeceu numa carta aberta tornada pública.
Em abril, foi diferente. A NOS preferiu reservar a sua posição mas, depois da confirmação da Altice de que o mês de abril não seria pago, abriu-se um precedente (na equação estão também Vodafone e SportTV). E em maio também não haverá Campeonato. Como resolver o problema? E qual é a dimensão do problema? Segundo informações recolhidas pelo Observador, deverá haver conversações entre órgãos do futebol e operadoras para perceber como contornar o problema, agora que se sabe quando voltará a Primeira Liga. E até existe a possibilidade de maio ser pago e julho, onde existirão quatro jornadas, já não ser, permitindo assim evitar um fosso de dois meses sem receitas dos direitos televisivos e entrar numa solução com menos desafios para as finanças de muitos clubes.
Mas porque se fala tanto nesta questão? O modelo implementado há muitos anos no futebol português (mais ou menos correto, isso difere entre opinion makers) está assente em duas grandes fontes de receitas: os direitos televisivos, que continuam a não ser centralizados, e as verbas extraordinárias, vulgo vendas de jogadores. Ou seja, excetuando os três “grandes”, que conseguem outro tipo de fluxos através de lugares anuais, bilhética, publicidade ou merchandising, os clubes portugueses estão muito dependentes do dinheiro que chega das operadoras. Em termos globais e genéricos, o peso orçamental dessa entrada é de 70%. Sem futebol, não havia essa receita. Sem essa receita, não havia possibilidade de cumprir compromissos. Sem cumprir compromissos, dava-se o crash.
Assumindo que os valores em causa são “matemáticos”, porque é preciso ter em conta que alguns clubes fizeram já uma antecipação de receitas por serem contratos longos, e que alguns dos vínculos referidos ao Observador têm cláusulas de crescimento por época dos montantes, só os cinco encontros em casa dos “grandes” que se deixariam de realizar “renderiam” quase 28 milhões de euros (divisão do valor por época menos os tais cinco jogos). Juntando Sp. Braga e V. Guimarães, que completam o top-5 dos contratos mais elevados, seriam 33,5 milhões. Ao todo, estão em causa 70 milhões de euros que as formações da Primeira Liga têm ainda a receber de 2019/20.
Como nota de rodapé, mas que é um assunto também importante, a Segunda Liga terminou com protestos de algumas das equipas, que queriam voltar ao futebol e disputar as dez jornadas em falta como acontecerá em Espanha, mas a grande “batalha” agora dentro da Liga de Clubes será encontrar uma forma que permita fazer face aos dois milhões de euros que estavam ainda previstos das transmissões televisivas até ao final da temporada, uma verba que, à sua escala, é determinante para que muitos clubes possam suprir compromissos a curto prazo.
Que medidas estão a ser adotadas pelos outros países para o regresso? (E o caso especial de Itália)
A par de Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália são os principais países europeus a planear o regresso das principais competições de futebol ainda esta temporada. Entre os cinco casos, só em Inglaterra o campeão estava praticamente decidido – o Liverpool lidera com mais 25 pontos do que o Manchester City –, o que engrossa a vontade de regressar aos relvados e decidir quem conquista o campeonato dos restantes países. Os planos são vários, diferem em datas e em alguns pontos mas tocam-se noutros.
Espanha
Esta quinta-feira, o As avançou com os planos da Liga espanhola para o regresso ao trabalho. Os jogadores e elementos das equipas técnicas vão ser submetidos a testes entre os dias 5 e 7 de maio, já na próxima semana, e os treinos devem recomeçar já o dia 4 de maio, próxima segunda-feira. O objetivo final é que seja possível voltar a jogar a 28 de junho, daqui a cerca de dois meses. Com aprovação do Ministério da Saúde, o plano recebeu luz verde esta quinta-feira por parte do Conselho Superior do Desporto, que confirmou que existe capacidade de testagem para examinar todos os intervenientes e ratificou o regresso aos treinos no dia 4 de maio.
As recomendações da Liga incluem ainda a indicação de que todos os clubes devem encontrar um hotel próximo do respetivo centro de estágios para, em caso de necessidade, a equipa ficar concentrada durante algumas semanas antes do reinício da competição – para evitar focos de contágio e realizar uma espécie de quarentena em grupo. Todos os centros de estágio terão de estar isolados e ser desinfetados, e só o pessoal considerado essencial para a realização dos treinos terá acesso às cidades desportivas nesta fase. O Valencia, por exemplo, já anunciou que Paterna, o complexo desportivo do clube, vai ser desinfetada nos dias 4 e 5 de maio.
O regresso aos treinos dos clubes espanhóis está incluído na “Fase Zero” do plano de quatro etapas que o governo espanhol anunciou para o desconfinamento progressivo. Os treinos devem começar de forma individual, tal como está a acontecer com os clubes portugueses, e evoluir mais tarde para treinos de conjunto. Apesar de já estarem estabelecidos três dias, na próxima semana, em que jogadores e equipas técnicas serão testados, os protocolos da Liga espanhola estão a prever que os elementos dos clubes sejam testados de forma semanal ou até diária, para evitar ao máximo o aparecimento de contágios.
Esta quarta-feira, depois da declaração do primeiro-ministro francês que terminou a época de futebol em França, Javier Tebas, o presidente da Liga espanhola (que tem um irmão a trabalhar no desenvolvimento de uma vacina), disse não entender “porque é que é mais perigoso jogar futebol à porta fechada, com todas as medidas de precaução, do que trabalhar numa fábrica ou estar num barco de pesca em alto mar”.
Ainda assim, o regresso do futebol está a levantar algumas dúvidas no país europeu com mais casos de Covid-19 – incluindo nos próprios jogadores. Gabriel Paulista, central brasileiro do Valencia, garantiu que só vai jogar se tiver “garantias absolutas” de segurança. “Pedem-nos sempre para sermos um exemplo e é assim que deve ser. Muitas crianças e jovens prestam atenção em nós. Vamos mostrar como exemplo à sociedade que valorizamos a vida e a saúde acima de tudo. Para mim, e tenho a certeza de que para a grande maioria dos jogadores de futebol, o dinheiro não é tudo (…) Não quero que, por uma precipitação ou por pressão financeira, que podemos entender, mas nunca priorizar ante questões mais fundamentais, qualquer membro da família, amigo, colega de trabalho ou de profissão possa ficar doente ou morrer”, escreveu Paulista numa publicação no Instagram.
Inglaterra
A Premier League foi uma das últimas ligas europeias a reagir ao agravamento da situação pandémica na Europa. Em março, na semana em que o cenário se tornou definitivamente perigoso e praticamente todos os países europeus entraram numa quarentena generalizada, o futebol inglês ainda planeava jogar com público no fim de semana e mostrava-se alheio às suspensões, cancelamentos e adiamentos espalhados pelo resto do continente. O necessário ponto de partida foi dado por Mikel Arteta, treinador do Arsenal, que ao confirmar que estava infetado com o novo coronavírus acabou por congelar a temporada.
Mês e meio depois, e para lá dos óbvios e prioritários motivos financeiros, a vontade inglesa de completar a época nos relvados prende-se com duas questões: as equipas apuradas para as competições europeias e as equipas que descem ao Championship (e, consequentemente, as que sobem à Premier League). É principalmente no primeiro tópico que a situação se pode tornar problemática. Chelsea e Manchester United estão separados por apenas três pontos, entre o quarto e o quinto lugares, e o Wolves segue logo de seguida, assim como o Sheffield United e o Tottenham. A luta pela Liga dos Campeões estava renhida, à data da interrupção, e uma decisão administrativa com base na classificação atual deixaria o United de Bruno Fernandes, o Wolves de Nuno e companhia, o surpreendente Sheffield e os spurs de José Mourinho a acreditar que poderiam ter chegado a lugares de acesso à liga milionária. E só a entrada direta na Champions tem um impacto brutal nas contas.
Para resolver tudo isto dentro de campo, a Premier League desenhou o “Project Restart”, algo como Projeto Recomeço, um plano para voltar aos jogos a 13 de junho – e que vai sempre carecer de aprovação por parte do governo de Boris Johnson. Clubes, acionistas e representantes da Liga reúnem esta sexta-feira para discutir os últimos detalhes do plano, inicialmente construído há duas semanas, e acertar a calendarização dos 92 jogos que restam num período de seis semanas em “estádios aprovados”, abrindo a porta à realização de partidas em estádio neutro. Numa altura em que Arsenal, Brighton, West Ham e Tottenham já regressaram aos trabalhos individualizados, com rígidas medidas de distanciamento social, o plano da Premier League prevê ainda um período de três semanas para uma espécie de segunda pré-época.
Mas para lá do “Project Restart”, todos os clubes terão de criar um protocolo interno de regresso que seja aprovado pelo governo britânico e pelas autoridades de saúde. Esta semana, o The Guardian contava que é provável que seja exigido aos clubes que desenhem um plano para colocar jogadores e equipas técnicas em isolamento num hotel durante as seis semanas de competição: daí, todos sairiam rumo ao estádio por uma “via estéril” até serem testados antes de todos os jogos. Cada estádio também terá de impor limites rígidos quanto ao número de pessoas permitidas em cada jogo, sendo que alguns clubes já garantiram que é necessário um mínimo de 300 pessoas, entre dirigentes, funcionários e comunicação social.
Na segunda-feira, o secretário de Estado da Cultura britânico disse no Parlamento que tem mantido conversações com a Premier League “com vista a ter o futebol a funcionar o mais cedo possível”. Também Oliver Dowden, em conjunto com representantes das autoridades inglesas de saúde pública, vai reunir esta semana com executivos da Premier League – e de outras modalidades, como o críquete – para discutir a forma como o desporto quer regressar em segurança à competição. Logo à partida, o “Project Restart” indica como crucial a disponibilização de mais de dois milhões de testes e numerosos detalhes logísticos para criar os necessários ambientes estéreis, algo que pode dificultar a obrigatória aprovação governamental.
Também esta semana, o mayor de Liverpool sublinhou a existência de um problema adicional, mesmo que os jogos sejam disputados à porta fechada: a celebração da conquista da Premier League por parte do Liverpool, 30 anos depois da última vez. “Mesmo se for tudo à porta fechada, milhares de pessoas vão aparecer no exterior de Anfield. Não seriam muitas as pessoas que iriam respeitar o que dizemos e afastar-se do estádio, muitas pessoas iriam aparecer para celebrar. Por isso, acho que não há hipótese”, disse Joe Anderson, “escaldado” ainda pela realização do jogo da Champions com o Atl. Madrid. Sobre a eventualidade de os jogos serem disputados em estádio neutro – logo, neste exemplo, de o Liverpool não jogar em Anfield –, o mayor garante que “mesmo assim” muita gente apareceria junto ao recinto. “Acho que seria muito difícil para a polícia manter as pessoas afastadas umas das outras e manter a distância social se forem celebrar ao pé de Anfield, seria ridículo”, conclui.
Alemanha
A Alemanha foi um dos primeiros países a falar de desconfinamento na Europa e a Bundesliga foi também a primeira liga europeia a reiniciar os treinos e a sugerir uma data para o regresso da competição. Com todas as equipas a realizar treinos individualizados e o retorno dos treinos de conjunto programado para este fim de semana, a Bundesliga desenhou um plano que colocava o recomeço da competição no dia 9 de maio.
Segundo os planos da task force criada para preparar o regresso, os estádios alemães estarão divididos em três zonas que só poderão ter um máximo de 100 pessoas cada uma. A secção central pertence aos 22 jogadores em campo, aos 18 nos bancos de suplentes, aos cinco árbitros e a 53 outras pessoas, incluindo equipas técnicas e profissionais de socorro. As bancadas serão a segunda zona e a área circundante ao estádio é a terceira. O plano inclui, tal como o dos restantes países, a testagem regular de jogadores e treinadores entre sessões de treino e antes e depois dos jogos.
Tal como aconteceu em Espanha, pela voz da associação que representa os jogadores, também na Alemanha esta questão dos testes está a levantar implicações morais. “Seriam necessários dezenas de milhares de testes que fazem falta nos lares”, disse recentemente Karl Lauterbach, membro do Partido Social-Democrata. A Bundesliga, porém, rebate as críticas e garante que a “capacidade de testagem aumentou massivamente nas últimas semanas” e que quem acredita que os testes disponibilizados para o futebol vão procurar uma escassez nos serviços de saúde está a “ignorar os factos”. Atualmente, segundo as contas do Deutsche Welle, a Alemanha está a fazer 640 mil testes por semana. Os necessários para cumprir com as regras de recomeço das duas primeiras ligas alemãs seriam cerca de 0,5% desse número.
Em formato resumo, e num plano que deverá servir de exemplo para os restantes países, a Bundesliga não terá crianças a acompanhar os jogadores na entrada em campo, o cumprimento inicial entre as equipas fica suspenso e o aquecimento será feito à vez para evitar que as equipas se cruzem no túnel de acesso ao relvado. Além disso, o documento prevê que não sejam tiradas fotografias com o onze inicial e que, no banco de suplentes, cada jogador tenha uma garrafa com o nome, para que cada atleta só utilize a própria garrafa.
Nos balneários, é recomendado que o tempo de permanência seja reduzido ao mínimo possível. O uso de chuveiro vai ter de ser individual para evitar a propagação do vírus e, por isso, pode mesmo vir a se exigido que esta parte da higiene dos jogadores seja feita em casa ou no hotel. Além disso, a utilização dos equipamentos de ginásio para aquecimento e jogo poderá ter de ser feita com luvas descartáveis e máscaras. Todo o uso de piscinas e banheiras de hidromassagem fica proibido.
Em cenário de lesões durante os jogos, os responsáveis médicos terão de usar várias proteções, incluindo máscaras e luvas descartáveis. Quanto aos alimentos, será proibido o uso de serviços de catering externo e a comida disponível para os jogadores terá de ser preparada no hotel e não pode ser consumida nos balneários.
No meio de tudo isto, a Bundesliga será mesmo a liga europeia que foi mais longe nas regras impostas ao regresso dos jogos. Esta semana, o Der Spiegel dava conta de que os abraços trocados entre os jogadores no festejo dos golos seriam proibidos, e poderiam até obrigar a sanções disciplinares por parte do árbitro, e abria até a porta à possibilidade de os atletas competirem de máscara, que seria trocada a cada 15 minutos. Não obstante, o plano da Bundesliga já recebeu luz verde por parte do Ministério do Trabalho alemão, que considerou o projeto “criterioso e aceitável em termos de saúde e segurança”, mas acabou por ser suspenso pela chanceler Angela Merkel, que teve a palavra final.
Merkel reuniu esta quinta-feira com os líderes das 16 regiões alemãs para analisar a situação pós-início do desconfinamento e acabou por decretar, esta quinta-feira, que uma decisão sobre o recomeço da Bundesliga só será tomada no dia 6 de maio, anunciado desde já que a data inicial de 9 de maio para o reinício dos jogos não será cumprida. A 6 de maio, a chanceler vai decidir se prolonga ou não a atual fase de desconfinamento até ao dia 10 de maio, ao invés de avançar para a segunda etapa de progressivo regresso à normalidade. Isto porque, nos últimos dias, a Alemanha registou um aumento no número de novos casos e vítimas mortais. Assim sendo, o recomeço da Bundesliga está agora adiado, na melhor das hipóteses, para os dias 16 ou 23 de maio.
Itália
Em Itália, o país com mais vítimas mortais na Europa, a possibilidade de a Serie A ser terminada de forma prematura ainda está bastante acesa. Esta quinta-feira, o ministro da Juventude e do Desporto italiano declarou ser “cada vez mais apertado” voltar à competição. “Se fosse presidente de um clube de futebol, pensaria sobretudo em organizar-se para retomar com segurança a próxima época, que deverá começar no final de agosto”, disse Vincenzo Spadafora. O ministro acrescentou que as decisões de França e da Holanda, que encerraram prematuramente as temporadas, “podem forçar Itália a seguir igualmente essa linha, o que se tornaria uma linha europeia”.
“Acho que a próxima reunião da Serie A pode surpreender. A maioria dos clubes poderá pedir-nos para suspender esta temporada e prepararmo-nos para a próxima época da melhor maneira possível”, acrescentou Spadafora. Ora, a Liga italiana convocou uma assembleia-geral de emergência para esta sexta-feira de manhã, onde deve ser discutida a possível continuação da atual temporada. O presidente, Paolo Dal Pino, disse ser “natural” que a Liga queira voltar a jogar futebol. “Uma profissão gosta sempre de continuar a fazê-lo. Se for possível fazê-lo, respeitando os padrões e protocolos de saúde, muito bem. Caso contrário, aceitaremos, de forma escrita, como sempre fizemos, as decisões do governo”, disse Dal Pino.
O plano conjunto da Liga italiana e da Federação de futebol do país inclui protocolos de segurança e de saúde e tem previsto o regresso aos treinos individuais na próxima segunda-feira, dia 4 de maio, e o regresso aos treinos de conjunto no dia 18 de maio. O futebol é a única modalidade que ainda tenta recomeçar a atual temporada em Itália e um eventual cancelamento da época abriria o mesmo problema que já existe em França: Juventus, Nápoles e Atalanta ainda estão na Liga dos Campeões, Roma e Inter Milão ainda estão na Liga Europa.
UEFA/FIFA
Entretanto, a UEFA pediu a todos as ligas europeias que comuniquem uma decisão definitiva sobre o futuro das competições nacionais até dia 25 de maio. Já a FIFA, o organismo que regula o futebol a nível mundial, entrou nas conversações por intermédio de Michel d’Hooghe, o médico-chefe do órgão. “A minha proposta é que, se for possível, se evite jogar futebol de competição nas próximas semanas. Tentem preparar-se para o início de uma boa competição na próxima temporada”, disse o médico belga, garantindo que “existe um risco e não é um risco que tenha consequências menores”.
“Pode ter consequências de vida ou morte e é por isso que estou tão receoso. Peço a todos que tenham muito cuidado antes de decidirem voltar a jogar. Falo como médico, não tenho de falar como organizador de jogos. Neste momento, no meu ponto de vista médico, estou muito cético”, acrescentou d’Hooghe. Para o médico, é “praticamente impossível” limitar o contacto físico no futebol e existe até a possibilidade de só ser possível ter uma solução global quando for criado um “programa de vacinação”.
Que campeonatos não vão voltar e quais são as razões?
A UEFA, através do presidente Aleksander Ceferin, colocou sempre como prioridade o final de todas as provas que tinham sido interrompidas, alargando mesmo todos os prazos não só a nível de licenciamento dos clubes para as competições europeias mas também os representantes na Liga dos Campeões e Liga Europa de 2020/21. No entanto, deixou sempre uma salvaguarda: a posição dominante seria sempre dos governos de cada país.
Foi isso mesmo que sublinhou na semana passada, em comunicado, quando recomendou a conclusão de todas as competições internas dentro de campo e apontou duas únicas exceções para opções contrárias – sendo uma delas a decisão governamental e a outra as dificuldades financeiras intransponíveis que podem surgir e colocar em causa a sustentabilidade da liga ou dos clubes na próxima temporada. Ora, esta posição rígida mas com abertura para exceções do organismo que regula o futebol a nível europeu foi principalmente engrossada pela surpresa causada pela Liga belga, que ainda no início de abril decidiu recomendar o fim do campeonato e a atribuição do título de campeão ao Club Brugge (uma espécie de Liverpool ou PSG na realidade europeia).
Depois de receber, a partir das autoridades de saúde do país, a informação de que seria pouco provável existirem jogos com público antes de 30 de junho, o Conselho de Administração da Liga optou por recomendar o fim da época e a “aceitação da classificação atual”. O Club Brugge, que à data da interrupção forçada liderava a classificação com mais 15 pontos do que o Gent, seria então o campeão belga de 2019/20. “Mesmo que sejam, teoricamente, possíveis jogos à porta fechada, é conveniente evitar a pressão suplementar que a organização desses jogos exerceria sobre os serviços de saúde e as forças da autoridade”, explicou, na altura, a Liga.
A decisão, porém, ainda não é definitiva. A recomendação do Conselho de Administração terá de ser ratificada pela Assembleia-Geral mas a comunicação de uma decisão oficial já foi adiada três vezes. Começou por estar marcada para dia 15 de abril, passou para dia 24 de abril, foi agendada uma reunião para a passada segunda-feira, 27 de abril, e a opção foi novamente adiada para o dia 4 de maio. Só aí, na segunda-feira, será possível saber se o primeiro país europeu a anunciar a intenção de terminar a temporada se torna o terceiro a fazê-lo realmente.
Isto porque, entretanto, Holanda e França anteciparam-se e surpreenderam a UEFA, a Europa e os próprios clubes de cada um dos dois países. No caso holandês, e depois do insucesso das medidas adotadas em março quando a pandemia começava a ganhar dimensão na Europa, o país tem tomado posições mais radicais nesta fase. Foi nessa linha que, na semana passada, o primeiro-ministro Mark Rutte avançou para a proibição de qualquer grande evento no país até 1 de setembro. O futebol, como um dos setores que estava nesse grupo de eventos proibidos, estava por isso a braços com um problema – até encontrar a solução possível.
UEFA e KNVB, a Federação holandesa, trabalharam em conjunto para um possível regresso das competições no país mas a decisão governamental acabou por ser soberana. Ao organismo que regula o futebol europeu restou apenas aceitar e colocar unicamente o pedido dos representantes para cada uma das provas da próxima época, Liga dos Campeões e Liga Europa, e a respetiva distribuição.
Com Ajax e AZ empatados na liderança da classificação na altura do interregno, com 56 pontos em 25 jogos, o clube de Amesterdão tinha vantagem na diferença de golos marcados e sofridos (45-37) e a equipa de Alkmaar tinha vantagem no confronto direto (ganhou 1-0 em casa e 0-2 fora). Ou seja, até aí, nos critérios de desempate, tudo permanecia empatado. Ainda assim, a Federação optou por não atribuir qualquer título de campeão, deu ao Ajax o playoff de apuramento para a Liga dos Campeões (até por ter melhor ranking na UEFA) e colocou o AZ na segunda ronda de qualificação para a liga milionária.
Quem não ficou contente com a decisão foi, claro, a equipa de Alkmaar, que já se manifestou contra a resolução encontrada pela Federação. “O AZ não concorda com a atribuição das vagas. Estamos desapontados e queremos deixar isso bem claro. Não concordamos com a forma como os responsáveis pelo futebol nos Países Baixos definiram as vagas de acesso às competições europeias”, disse Robert Eenhoorn, o diretor-geral do clube.
Ainda mais difícil de resolver será a a situação do Utrecht. O clube já garantiu que vai “tomar medidas legais junto dos tribunais e da UEFA” para contestar a decisão atual, que coloca o Utrecht fora das competições europeias da próxima temporada. Ora, à margem do Ajax e do AZ Alkmaar, a Federação decidiu que Feyenoord, PSV e Willem II, terceiro, quarto e quinto classificados respetivamente, serão os representantes holandeses na Liga Europa.
O Utrecht, que à data da interrupção estava em sexto, a três pontos do Willem II, com menos um jogo disputado e com melhor diferença de golos, recorda ainda que iria disputar a final da Taça da Holanda frente ao Feyenoord – onde, em caso de vitória, garantia desde logo um lugar na fase de grupos da Liga Europa, independentemente da classificação no campeonato. “Não há dúvidas de que o Utrecht merece um lugar europeu, com base no desempenho desportivo nesta época”, escreveu o clube numa nota oficial.
Por fim, França. A decisão, provavelmente, mais inesperada e com menos história das três que já surgiram. Num discurso em que apresentou uma série de medidas que serão aplicadas num futuro próximo como resposta ao fim do confinamento, o primeiro-ministro Édouard Philippe anunciou o término antecipado da Ligue 1 e da Ligue 2, a primeira e segunda ligas francesas. A decisão terá apanhado de surpresa a Liga gaulesa, que já tinha divulgado planos para recomeçar os treinos a 11 de maio e a competição a 1 de junho.
Estado francês decreta o fim da temporada 2019-2020 da Ligue 1 e Ligue 2 de futebol profissional
Já esta quinta-feira, o Conselho de Administração da Liga francesa decidiu atribuir o título de campeão ao PSG, que na altura da interrupção liderava com mais 12 pontos do que o Marselha de André Villas-Boas. Assim sendo, e respeitando a classificação atual, a Liga comunicou à UEFA que PSG e Marselha são os clubes com apuramento direto para a Liga dos Campeões e que o Rennes, que estava em terceiro, entra na terceira ronda de qualificação. Lille, Reims e Nice, quarto, quinto e sexto classificados, vão à Liga Europa. Prejudicados ficam o Saint-Étienne e o Lyon, que iam disputar as finais da Taça de França e da Taça da Liga, ambos contra o PSG, e que em caso de vitória conquistavam o apuramento para a Liga Europa. Já decididas ficaram também as subidas e as descidas: são despromovidos à Ligue 2 o Amiens e o Toulouse, penúltimo e último, e sobem à Ligue 1 o Lorient e o Lens, primeiro e segundo da segunda liga francesa.
Entretanto, o PSG já se mostrou disponível para disputar o que resta da Liga dos Campeões fora de França, se não for permitido jogar futebol no país. O PSG é um dos quatro clubes já apurados para os quartos de final da competição europeia, em conjunto com o RB Leipzig, a Atalanta e o Atl. Madrid. Também o Lyon ainda está em competição, tendo ficado por disputar a segunda mão da eliminatória dos oitavos de final contra a Juventus.
Fora da Europa, também a Argentina anunciou o cancelamento da atual temporada. Não há descidas nem subidas e os clubes apurados para as competições continentais foram decididos através da atual classificação. Boca Juniors, River Plate, Racing e Argentinos Juniors vão à Libertadores da próxima temporada, Vélez Sarsfield, San Lorenzo, Newell’s Old Boys, Talleres de Córdoba, Defensa Y Justicia e Lanús disputam a Sul-Americana. Em suspenso ficam alguns jogos da Copa da Superliga e da Copa da Argentina, que só serão disputados se o Ministério da Saúde argentino permitir.
Como serão jogadas as provas europeias, o que mudou e o próximo mercado
Era a decisão mais fácil de tomar. Ainda em março, bem antes de o Comité Olímpico tomar qualquer decisão relativamente aos Jogos de Tóquio, a UEFA decidiu adiar o Euro 2020 para o ano seguinte. Vai continuar a chamar-se Euro 2020, vai ser disputado nos mesmos países e nas mesmas cidades, terá as mesmas seleções que já estão apuradas: mas vai acontecer no verão de 2021. Mais do que um antecipar do agravamento da pandemia que tornaria impossível a realização de um evento desta magnitude – principalmente num ano em que estava espalhado por 12 países e obrigava a viagens, tanto de adeptos como das equipas –, a decisão da UEFA teve o objetivo de tirar desde logo do caminho um obstáculo de calendário. Sem Europeu e com os compromissos internacionais adiados na totalidade, as ligas europeias teriam liberdade para programar o recomeço das competições verão dentro: por imposição da FIFA, os campeonatos terão de estar concluídos até dia 3 de agosto.
Mais do que oferecer esta margem a cada uma das ligas, a UEFA ganhava tempo e espaço para pensar em diferentes cenários para completar as competições europeias. Na altura do interregno, a Liga dos Campeões estava nos oitavos de final: PSG, Atalanta, RB Leipzig e Atl. Madrid estavam já qualificados, enquanto que Real Madrid e Manchester City, Chelsea e Bayern Munique, Lyon e Juventus e Nápoles e Barcelona não chegaram a disputar a segunda mão. Na Liga Europa, o problema é maior. Nenhuma segunda mão dos oitavos de final foi disputada e duas eliminatórias nem sequer chegaram a arrancar, caso do Inter-Milão-Getafe e do Sevilha-Roma, devido à situação preocupante em que já se encontravam Itália e Espanha na altura.
Tornado impraticável o plano inicial de finalizar todas as competições, internas e europeias, até ao final de julho, a UEFA começou a olhar para a Liga dos Campeões e para a Liga Europa como os formatos ideais para finalizar uma temporada em toda a linha atípica. E aqui, segundo a BBC, o organismo que regula o futebol europeu já tem duas datas para as duas finais: 26 de agosto, Gdansk, para a final da Liga Europa; 29 de agosto, Istambul, para a final da Liga dos Campeões. Até lá chegar, existem dois cenários prováveis e exequíveis em cima da mesa.
O primeiro passa por jogar as eliminatórias dos quartos de final e das meias-finais a duas mãos, de forma normal, entre os meses de julho e agosto. O segundo envolve a condensação de todas as partidas numa espécie de mini-torneio durante duas semanas de agosto, após o final de todas as competições domésticas e com os jogos a serem disputados a apenas uma mão. Independentemente da versão adotada, a UEFA estará também a ponderar realizar os restantes jogos da Liga dos Campeões em estádios neutros – isto para contornar o problema criado pelo governo francês, que ao proibir todos os grandes eventos no país até setembro impediu desde logo o PSG e o Lyon de jogarem em casa para a Champions. O mês de agosto, esse, parece inevitável.
Certo é que todos os cenários vão implicar novas rondas negociais para resolver outros problemas, como é o caso dos jogadores que terminam contrato a 30 de junho e que terão (ou não) de prolongar de forma excecional o seu vínculo para acabar a temporada. A UEFA prefere não terminar as atuais edições das competições europeias ou permitir, em alternativa, jogos prematuros que mais tarde são interpretados como “bombas biológicas” que motivaram contágios massivos, como foi o caso do Atalanta-Valencia e do Liverpool-Atl. Madrid.
Quanto a este ponto sensível dos contratos que terminam a 30 de junho e do próprio mercado de transferências, a FIFA já está a trabalhar em mecanismos que podem amenizar os casos mais complexos. O organismo que regula o futebol a nível mundial já anunciou, por exemplo, que a janela de mercado de verão não vai abrir a 1 de julho, como é normal. O que, sem ser dito de forma direta, acaba por ser uma forma de sensibilizar os jogadores em fim de contrato a ficarem nos atuais clubes mesmo para lá do dia 30 de junho, evitarem conflitos legais e terminarem a temporada. No entanto, não têm qualquer obrigação a isso.
“A FIFA não pode alargar a duração dos contratos dos jogadores para além de 30 de junho. No entanto, os períodos de transferências não vão ser os mesmos e os jogadores não vão poder ser inscritos. No caso dos empréstimos, os jogadores devem voltar ao clube de origem, mas como o mercado vai estar fechado, não podem ser inscritos”, explicou Emilio García Silvero, diretor jurídico da FIFA, à Cadena Cope, acrescentando ainda que o mercado só abre quando a época terminar. Ou seja: um jogador até pode recusar-se a jogar pelo atual clube depois de 30 de junho, se o contrato acabar, mas não terá para onde ir.
Na mesma entrevista, García Silvero abriu ainda a porta à possibilidade de existirem vários períodos de mercado de transferências que sejam adaptáveis às necessidades dos clubes. “Podem existir várias janelas. Dependerá do final e do início de cada competição. A ideia é que as janelas acabem no momento de começar cada campeonato e não têm de ser coincidentes”, indicou o diretor jurídico. A lógica, porém, não é original. James Kitching, do departamento de regulamentos da FIFA, já tinha anunciado anteriormente a “possibilidade” de uma terceira janela de mercado, adicional a de inverno e à de verão. “Isso seria tratado com flexibilidade, desde que o período de 16 semanas não seja alargado”, disse Kitching. O atual mercado de transferências prolonga-se por 12 semanas entre o final de uma época e o início da seguinte mais quatro no inverno, pelo que a sugestão de Kitching e García Silvero implicaria reduzir uma dessas duas ou até mesmo ambos – desde que, no final e já com a soma da terceira janela, a soma dos três períodos seja igual às mesmas 16 semanas.
O que vai acontecer nas outras modalidades, em Portugal e lá fora
Esta quarta-feira, para além de os presidentes de Benfica, Sporting e FC Porto terem reunido com António Costa em São Bento para preparar e acautelar o regresso do futebol, as restantes modalidades anunciaram que a época 2019/20 está terminada sem que seja atribuído qualquer título de campeão – algo que já tinha acontecido com o futsal, por decisão da FPF. Num comunicado conjunto, as Federações de andebol, basquetebol, hóquei em patins e voleibol anunciaram o término da atual temporada. Um eventual regresso, que só aconteceria caso estivessem reunidas as condições exigidas pelo Governo e pelas autoridades de saúde, envolveria um custo muito mais alargado do que as perdas associadas ao fim prematuro da competição.
A uniformidade na ausência de campeões, porém, não se verifica nas despromoções. Se o andebol, o basquetebol e o voleibol optaram por não avançar com descidas de escalão (com exceção dos casos em que estivesse matematicamente confirmadas), a verdade é que o hóquei em patins optou por disputar, entre agosto e setembro, um mini-torneio que juntará os primeiros classificados da segunda divisão e os últimos da primeira, assim como os primeiros da terceira e os últimos da segunda, para determinar a reorganização dos campeonatos. Quanto às subidas, nas restantes modalidades, estão previstas “competições de apuramento em todos os níveis competitivos, exceto nos casos em que as federações já tenham comunicado a atribuição de direitos desportivos”. Essas competições devem ocorrer no início da próxima época.
Além de tudo isto, a Federação Portuguesa de Basquetebol já fez saber que, na próxima temporada, “os clubes que entendam não estar em condições para participar no nível competitivo para o qual têm direito desportivo, podem inscrever-se num nível abaixo sem qualquer penalização desportiva ou disciplinar”, como forma de dissipar o impacto financeiro do cancelamento do campeonato. Quanto as competições europeias de cada uma das modalidades, os clubes indicados pelas respetivas federações serão aqueles que, à data da interrupção, estavam em lugar de qualificação. Uma coisa é certa: as federações foram adiando uma decisão sobretudo pelos protestos que existiriam sempre sobre a atribuição ou não de título mas todas sabiam que o regresso era uma miragem, como foi referido ao Observador por dirigentes de mais do que uma federação. No fundo, era uma questão de timing.
Lá fora, a World Skate Europe (WSE) decidiu cancelar a Liga Europeia de hóquei em patins e a European Handball Federation (EHF) optou por modificar a Liga dos Campeões de andebol, o que acabou por ditar a eliminação do FC Porto. Os dragões estavam nos oitavos de final e iam defrontar o Aalborg, sendo que o vencedor dessa eliminatória, marcada para junho, ia jogar com o Kiel nos quartos de final. A EHF decidiu criar uma final four em dezembro, disputada na Alemanha, e anular as fases de apuramento, considerando apenas os dois primeiros classificados de cada um dos dois grupos mais fortes (Barcelona, PSG, Kiel e Veszprém). De destacar que, entre estas decisões da EHF, está também o facto de a federação ter apurado de imediato as seis melhores equipas do último Europeu no Mundial, o que colocou desde já Portugal no próximo Campeonato do Mundo.
No basquetebol, a Euroliga já anunciou planos para completar a presente edição durante o mês de julho e em Espanha o regresso da modalidade está ainda pendente de decisão governamental, tal como o futebol. França terminou todas as temporadas de todas as modalidades quando anunciou a proibição de grandes eventos até dezembro e no Reino Unido, para lá do futebol, também o críquete está a planear o regresso à competição em conversações com o governo de Boris Johnson. Já nos Estados Unidos, onde o basquetebol, o basebol e o futebol americano estão totalmente parados, o imunologista Anthony Fauci disse esta quarta-feira que o país “ainda não está preparado” para qualquer regresso de qualquer modalidade.