Um mês depois de a Rússia passar a exigir rublos pela venda de gás a países inimigos, a ameaça feita por Vladmir Putin de interromper o fornecimento aos países europeus aliados da Ucrânia materializou-se. Para já, Polónia e Bulgária são os primeiros clientes do gás que chega de gasoduto a sofrer os cortes. A Gazprom confirmou a suspensão por completo do abastecimento aos operadores polaco e búlgaro devido ao não pagamento em rublos. E admite fazer o mesmo a outros compradores à medida que as contas mensais vão sendo vencidas. Já Bruxelas, confirma que aquisições em rublos são uma violação das sanções europeias impostas à Rússia. E garante que o bloco está preparado para lidar com o golpe. Polónia e Bulgária garantem ter alternativas.
Desde o início da invasão ucraniana, a Europa tem como estratégia assumida libertar-se da dependência do gás da Rússia, mas as organizações internacionais, líderes políticos e gestores empresariais alinhavam na mesma ressalva: no imediato isso não será possível porque não existe GNL (gás natural liquefeito) suficiente disponível nem infraestruturas de receção (terminais de gás liquefeito) na Europa.
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Mas a maior pressão está agora do lado da oferta e não da procura e pode obrigar os países europeus a antecipar um calendário que tinha como baliza o armazenamento para o próximo inverno (outubro.). E ainda que um período de menor consumo de gás por causa da temperatura torne mais fácil gerir este novo desenvolvimento da crise energética, os compradores de gás já estão sentir o efeito nos preços.
O preço do gás natural para entrega em maio no mercado holandês, que serve de referência à Europa, chegou a subir hoje mais de 10%. A meio da sessão, o preço do gás natural TTF rondava os 108,8 euros por megawatt/hora (MWh), 10,79% acima do preço registado no fecho da última sessão.
Quando a Rússia impôs o pagamento em rublos, uma condição para aliviar as sanções financeiras internacionais que têm cercado a moeda russa, os países europeus e as companhias compradoras recusaram a “chantagem”, argumentando que isso seria uma quebra das condições contratualizadas que definem pagamentos em dólares em euros. As autoridades russas avançaram então com uma espécie de terceira via pela qual os clientes europeus poderiam continuar a comprar gás cumprindo a exigência russa ao mesmo tempo que não entravam em choque com as sanções europeias ao sistema financeiro do país invasor da Ucrânia.
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Na prática, as empresas clientes da Gazprom abriam uma conta no braço financeiro da companhia estatal russa, o Gazprom Bank, para o qual enviariam os pagamentos em euros e dólares que seriam convertidos em rublos através de uma segunda conta nesta instituição. Depois da agitação inicial, o mercado acalmou e as cotações do gás natural até baixaram, à medida que o gás continuou a fluir através dos gasodutos dando a impressão de que compras e vendas prosseguiam “Business as Usual”. Até esta terça-feira, quando a empresa pública russa cortou a torneira por não ter recebido em rublos o pagamento da primeira fatura do gás enviado que venceu no final de abril.
O porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov, avisou que à medida que o prazo dos pagamentos (em regra é mensal) se vence e os clientes recusarem o novo sistema de pagamentos, o decreto de Putin (que prevê interromper fornecimentos) será executado.
Por outro lado, e pela primeira vez desde que foi anunciada a exigência russa de receber em rublos, a presidente da Comissão Europeia foi muito clara a afirmar que ceder a tal condição será um incumprimento das sanções europeias, para além de um alto risco para as compradoras. Ursula Von der Leyden, que também classificou a ação russa como uma “chantagem inaceitável”, não quis confirmar se há empresas ou países europeus a pagar em rublos, sublinhando apenas que os 97% dos contratos de compra à Gazprom estão em euros ou dólares. Mas a agência Bloolmberg avança que dez empresas europeias abriram contas especiais em rublos no GazpromBank, tendo quatro delas efetuado pagamentos em moeda russa.
Polónia e Bulgária desviam-se da “pistola” russa
Os operadores polaco e búlgaro anunciaram que vão processar a Gazprom por quebra contratual (o que passa por pedidos de indemnização em tribunais internacionais ou arbitrais definidos pelo próprio contrato). E os responsáveis políticos dos dois países acusam Moscovo de fazer um “ataque direto” — palavras do primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki — como resposta às sanções contra 50 empresas e indivíduos russos que o país anunciou esta terça-feira, incluindo a Gazprom.”Lidaremos com esta chantagem, com esta pistola apontada à nossa cabeça, de forma a não nos afetar. A Polónia não precisa do gás russo”.
No primeiro trimestre do ano, a Rússia representou 53% das importações de gás feitas pela empresa estatal polaca PGNiG, uma descida face aos 61% do ano passado. O país vai agora recorrer à vizinha Lituânia e, num futuro menos próximo, à ligação que está a ser construída até à Noruega. No Twitter, a ministra polaca do Clima e Ambiente, Anna Moskwa, sublinhou que a segurança energética está garantida, e que a Polónia não vai “sucumbir” à “chantagem” russa. Afirmou ainda que a tarifa que garante a proteção dos consumidores mais vulneráveis será estendida até 2027.
Polska jest państwem bezpiecznym energetycznie, które nie musi i nie będzie ulegać gazowemu szantażowi Rosji. Dodatkowo przedstawimy projekt nowelizacji ustawy, przedłużającej do 2027 r. ochronę taryfową dla gospodarstw domowych, szpitali i odbiorców wrażliwych. pic.twitter.com/qW9gwpJDIH
— Anna Moskwa (@moskwa_anna) April 27, 2022
A posição foi corroborada pelo primeiro-ministro búlgaro, Kiril Petkov, que garante que o país está preparado para lidar com o corte, e assegurou à população que não vai haver ruturas, apesar de 90% do abastecimento de gás ser proveniente da Rússia. Petkov adiantou que foram encetadas conversas com a Grécia, no sentido de encontrar alternativas.
Segundo a BBC, o governo grego confirmou que vai abrir em junho o prometido gasoduto entre Komotini, na Grécia, e Stara Zagora, na Bulgária, além de garantir à Bulgária o fornecimento de gás natural liquefeito, se necessário. Será, no entanto, mais caro do que o gás que a Bulgária compra agora à Rússia. Azerbaijão e Turquia também fazem parte das opções búlgaras.
Da chantagem ao “inaceitável” e “decisão unilateral e agressiva”
A presidente da Comissão Europeia também foi rápida a garantir que a UE está preparada para o corte do gás russo, apesar de qualificar o corte de inaceitável. “O anúncio, pela Gazprom, de que vai cessar unilateralmente o fornecimento de gás a clientes na Europa é outra tentativa da Rússia de utilizar o gás como instrumento de chantagem. Isto é injustificado e inaceitável. E demonstra, mais uma vez, que a Rússia não é um fornecedor de gás fiável”, destacou a líder em comunicado.
Em resposta à presidente da Comissão Europeia, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que a Rússia “era e continua a ser um fornecedor confiável de recursos energéticos aos seus consumidores e continua comprometido com as suas obrigações contratuais”. Mas fez questão de sublinhar, citado pelo The Guardian, que se os pagamentos não forem feitos de acordo com as exigências, o decreto presidencial de Putin será aplicado, o que significa que os fornecimentos serão suspensos.
Já Ursula von der Leyden afirmou estar em contacto com os Estados-membros no sentido de encontrar alternativas de abastecimento à Polónia e à Bulgária. E há indicação de que países como a Alemanha, que é abastecida por um gasoduto independente, o NordStream 1, aumentou as entregas de gás à Polónia via gasoduto Yamal-Europe. A Gazprom já avisou que uma utilização não autorizada do gás russo — desvio para o mercado polaco ou búlgaro do gás que está no gasoduto com destino a outros países resultará numa redução do fornecimento a esses países na mesma proporção.
A Alemanha é uma das economias mais dependentes do gás russo e o seu Governo tem sido um dos maiores resistentes ao alargamento das sanções europeias à energia, em particular ao gás natural russo da qual o país só se deverá conseguir libertar no final do ano. Mas agora no petróleo, o Governo alemão já admitiu que poderá encontrar fornecedores alternativos em dias.
A opção russa originou uma onda de consternação e protestos por parte dos líderes europeus pela opção russa. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, recorreu ao Twitter para defender que “a decisão da Gazprom de cortar o fornecimento de gás a alguns Estados-membros da União Europeia (UE) é outra medida unilateral agressiva da Rússia”, e garantir que os estados-membros vão continuar “unidos” e a apoiarem-se mutuamente, enquanto vão diminuindo a dependência da energia russa.
Gazprom’s decision to cut gas supplies to some EU Member States is another aggressive unilateral move by Russia.
In contact with @MorawieckiM and @KirilPetkov
We will remain united and support each other while phasing out Russian energy imports.
— Charles Michel (@eucopresident) April 27, 2022
O fecho da torneira russa, naquele que pode ser apenas o início de um movimento mais lato por parte de Moscovo, fez aumentar o volume das vozes que clamam por um embargo total ao gás russo por parte da Europa. A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, admitiu esta terça-feira a hipótese. “Fomos a primeira instituição a começar a falar sobre um levantamento dos bancos russos [a sancionar] e depois, é claro, chegando ao ponto de dizer que precisamos de avançar com um embargo total ao petróleo, gás e carvão”, disse em entrevista à agência Lusa.
Em 2019, a Rússia forneceu 41% do gás consumido na Europa. As opções do Velho Continente para contornar a dependência russa passam por reforçar as compras a países como a Nigéria, Argélia ou Qatar. E por acelerar o desenvolvimento de renováveis. Porém, nada disso é rápido, fácil ou barato. Ainda menos com uma “pistola” apontada.