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Conheceram-se através de uma amiga em comum e chegaram à igreja de São Mamede, em Lisboa, na mesma altura, em setembro de 2017: ele como pároco e ela para trabalhar na secretaria. Foi, aliás, ele quem a contratou. Acabado de chegar à paróquia, o padre Ismael Teixeira acedeu a um pedido de ajuda de uma amiga — para arranjar trabalho a Anabela (nome fictício), uma imigrante natural do Brasil, que estava desempregada e passava dificuldades. E foi mais longe, tornando-se fiador da casa onde a mulher morava, revelou ao Observador fonte da Igreja que acompanhou o caso. “Tudo isso a tornava vulnerável, nas mãos de alguém mais prepotente”, afirma.
A ajuda que Anabela recebeu terá, mais tarde, sido usada contra ela, com alegadas ameaças de desemprego e outras relacionadas com o ordenado que recebia. É pelo menos o que garante numa carta enviada ao Patriarcado de Lisboa e onde esta funcionária se queixa de ter sido vítima de assédio moral e sexual por parte do padre de ferro — como ficou conhecido depois de ter participado nas provas de atletismo “Ironman Triathlon”, que inclui 3,8 km de natação em mar aberto, 180 km de bicicleta e 42 quilómetros de corrida.
Os episódios de assédio moral ocupam a maior parte da carta. A restante, ainda que menor e mais evasiva, relata situações de assédio sexual. Mal a denúncia chegou ao Patriarcado de Lisboa, o padre foi afastado da paróquia de São Mamede. Nem dois dias depois já o padre José Almeida o estava a substituir. O Patriarcado de Lisboa, responsável pela paróquia de São Mamede — uma das 285 que gere na cidade —, garante ao Observador que “atuaram muito rapidamente” e por “precaução”, embora a alegada vítima se queixe de uma tentativa para que tudo fosse “abafado”, em entrevista à TVI. Certo é que bastou uma denúncia ao Patriarcado de Lisboa para afastar o pároco — que o Observador tentou contactar, sem sucesso.
Nem a Polícia Judiciária nem o Ministério Público confirmaram a existência de uma investigação relacionada com crimes de cariz sexual a visar o padre Ismael Teixeira, mas o Observador sabe que o sacerdote está a ser investigado por desvio de fundos. Fontes ligadas à Igreja contam mesmo que a “gestão do património foi desastrosa”. “A forma como está a paróquia é muito preocupante”, acrescenta uma dessas fontes.
Alegada vítima recusou convites para relações com o padre. E terá tido consequências: limpar casas de banho e corrigir provas de alunos
Contratada para a secretaria da igreja de São Mamede, a mulher diz na denúncia que recebera ordens do padre Ismael para “fazer coisas que não lhe competiam”: por exemplo, limpar as casas de banho. Mas mais do que as tarefas que lhe eram pedidas, queixa-se da forma “autoritária” como o padre o fazia, conta fonte da Igreja ao Observador.
Além disso, o padre, que era também professor de Ética e Deontologia na Universidade Lusíada de Lisboa, terá obrigado a empregada da paróquia, licenciada em Filosofia, a fazer a correção das provas dos alunos dele, contou ao Observador fonte da Igreja que teve acesso à denúncia. À TVI, Anabela revelou ainda que o padre “selecionava as alunas mais bonitas” para atribuição de melhores classificações.
Esta ordens eram, a seu ver, uma vingança por recusar os convites para ter relações sexuais com ele. É que a estes episódios de assédio moral contados em detalhe na carta, juntam-se os de assédio sexual. Ainda que contados de uma forma mais “evasiva” e sem dar exemplos, segundo fonte da Igreja, a alegada vítima mencionava que o padre teria feito “comentários provocatórios” e não só. “Não eram só palavras”, acrescenta a mesma fonte, frisando que a mulher viria a contar episódios mais concretos à imprensa que não tinha exposto na carta enviada ao Patriarcado de Lisboa.
Padre afastado de paróquia de Lisboa sob suspeita de assédio
Na entrevista à TVI, a alegada vítima conta então que o assédio sexual começou quando o padre lhe terá oferecido um vestido “bonito e caro” e a convidou para “ménage à trois” com ele. “Achei aquilo muito estranho”, disse, acrescentando que acreditou que, pelo estereótipo de ser imigrante, o padre se convenceu que mais rapidamente aceitaria a proposta. Mas pelo contrário. A funcionária acredita que a sua recusa motivou uma escalada para abusos físicos e morais: a mulher garante que o padre, que descreve como alguém “agressivo” e “rude”, a começou a “apalpar” e “tocar”.
Os supostos abusos só aconteciam quando estava sozinha com o padre, conta agora. No entanto, Anabela diz estar certa de que existiam outras mulheres alvo do mesmo tipo de abusos: “Tentava convencer mulheres a ter relações sexuais”. À TVI, contou que o sacerdote costumava dizer que “a dimensão sexual tem que ser vivida de forma plena” e “não nos devemos privar”. Para ela, o padre é um predador sexual: “Não tenho dúvidas nenhumas. Nenhumas”.
Patriarcado de Lisboa confirma que afastamento foi motivado pelas suspeitas de assédio sexual. Padre que o foi substituir foi “apanhado de surpresa”
A carta foi recebida no final de maio e logo no dia 1 de junho foi nomeado o sacerdote que ia substituir o padre Ismael Teixeira. O Patriarcado de Lisboa confirmou ao Observador que a substituição foi uma “consequência” das suspeitas de assédio sexual e uma decisão tomada por “precaução”. “Face ao que foi apresentado, o Patriarcado de Lisboa elaborou as diligências necessárias, sendo o padre Ismael Teixeira, sacerdote da Ordem do Carmo, substituído na condução da paróquia de São Mamede, em Lisboa, e dos outros ofícios que lhe estavam confiados”, disse o Patriarcado numa resposta enviada por escrito ao Observador.
No entanto, nada mais o Patriarcado de Lisboa poderá fazer já que o padre Ismael Teixeira não é diocesano, mas sim pertencente a uma congregação — não tem, por isso, de responder perante o Patriarca de Lisboa, mas sim perante à Ordem do Carmo, a que pertence. Ou seja, “qualquer coisa que venha a acontecer do ponto de vista canónico terá que ser por iniciativa do superior da Ordem [do Carmo]“, explicou fonte do Patriarcado ao Observador. Natural de Canaveses, o padre Ismael Teixeira foi ordenado em 2001 e estava na paróquia de São Mamede desde 2017 — devido à falta de sacerdotes diocesanos, os sacerdotes de ordem religiosas podem assumir a condução de algumas paróquias, como aconteceu neste caso. Assim, ao Patriarcado de Lisboa cabe apenas a decisão sobre a função de pároco que Ismael Teixeira exercia na diocese — por isso, decidiu agora o seu afastamento.
O padre José Almeida, da paróquia de Santa Isabel, foi o escolhido para a sua substituição. E, quando foi nomeado, já tinha “algumas luzes” sobre o que teria acontecido. “Sabia que havia um problema”, disse ao Observador, acrescentando que não deixou de ser “apanhado de surpresa” quando esse “problema” lhe foi detalhado pelo Patriarca de Lisboa.
Padre de ferro diz-se vítima de um “boato” e garante que saiu da paróquia porque vai fazer uma operação: “Desde que sou padre que há boatos sobre mim”
Não passa de um “boato”. É assim que o padre Ismael Teixeira classifica a queixa de que é alvo, em declarações ao Correio da Manhã. “Desde que sou padre que há boatos sobre mim: ora que sou homossexual, ora que tenho vários casos. Tornou-se habitual ouvir estas coisas”, disse o sacerdote conhecido por ser atleta, fazer triatlo e ultramaratonas.
Sobre o seu afastamento, explicou que se retirou porque tem de “descansar para a operação” que vai fazer. “Vou retirar os ferros que tenho num pé e que me estão a causar várias infeções”, disse. Afirmou ainda que está em “descanso sabático” para se preparar para uma cirurgia e que vai “aproveitar este tempo de pausa para pensar sobre a vida e até sobre a vocação”. A justificação do padre Ismael Teixeira contraria assim a do Patriarcado de Lisboa, que já veio confirmar que o afastamento foi uma consequência das denúncias de assédio e coação sexual de que é alvo.