“Os investidores bolsistas devem evitar ter reações precipitadas nos próximos dias e semanas”, defende o Credit Suisse, um dos bancos de investimento mais influentes do mundo. Num comentário divulgado numa “semana negra” nas principais bolsas mundiais – em que os receios com o coronavírus (Covid-19) provocaram perdas comparáveis ao impacto da falência do Lehman Brothers, em 2008 – o banco de investimento mostra-se confiante de que “a economia global irá enfrentar uma desaceleração mas deverá ser capaz de resistir a este golpe”. Mas é possível que as placas tectónicas da economia mundial mudem fruto desta crise.
Na nota difundida pelos seus clientes, o Credit Suisse, um dos bancos de investimento mais influentes do mundo, manteve inalterarada a sua recomendação “neutral” para as bolsas de ações, ou seja, não se recomenda um reforço das compras de ações (ou instrumentos financeiros associados, como fundos de ações) mas também não passou a recomendar a venda. “A coisa mais importante a fazer é não entrar em pânico”, diz o Credit Suisse, sublinhando que a diversificação é a melhor proteção que se pode ter nos mercados em momentos como este.
A quebra recente das bolsas tem de ser vista à luz dos máximos históricos que muitos mercados bolsistas, desde a Europa até aos EUA, atingiram no final do ano passado e no início desde ano – o crise do coronavírus está a ser o gatilho que está a provocar uma correção nas bolsas, em relação a esses máximos históricos. Não é um fenómeno raro nos mercados: o Credit Suisse já tinha, em janeiro, olhado para “a euforia que se estava a instalar” nos mercados acionistas e decidiu, logo aí, baixar a recomendação para “neutral”.
Mesmo sem saber qual seria o gatilho, a regra básica nas bolsas é que quanto mais os índices sobem, mais vulneráveis os mercados ficam a que alguma coisa faça os investidores realizarem mais-valias para garantir que não se esfumam os ganhos obtidos com as valorizações anteriores. Daí que as perdas nas bolsas – na semana em que se percebeu que o Covid-19 teria, mesmo, capacidade para provocar danos generalizados nas economias mundiais – tenham sido exacerbadas pelo impacto desses de investidores que querem “sair”, concretizar mais-valias e esperar por melhores dias.
É boa ideia juntar-se a esses investidores e sair também? O Credit Suisse tem a recomendação “neutral”, pelo que não é esse o conselho que o banco de investimento está a dar aos seus clientes. Aliás, na opinião do Credit Suisse, “se os mercados continuarem a corrigir de forma significativa, a dada altura vamos começar a olhar para isto como uma oportunidade para reforçar a compra de ações”. Para já, porém, com os principais índices bolsistas em queda, o melhor é manter uma atitude “prudente” e continuar “à margem”, com uma alocação “neutral” nos mercados de ações.
Ainda assim, os próximos tempos não serão próprios para cardíacos. Depois de uma recuperação curta e hesitante, as bolsas de valores voltaram a cair na quinta e na sexta-feira, com evidências de que a crise do coronavírus se está a alastrar à escala global. “É expectável que o nervosismo nas bolsas se mantenha elevado por algum tempo”, comentou o Credit Suisse na nota de análise escrita pelo responsável global de investimento, Michael Strobaek.
As bolsas dos EUA, da Europa e várias praças asiáticas já estão no que chama “território de correção”, isto é, corrigindo mais de 10% em relação aos máximos recentes.
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Os investidores estão a acorrer a ativos de refúgio. Isto é mesmo seguro?
A crise financeira mundial causada pelo coronavírus teve outra consequência, ainda que lógica em momentos como este: levou os investidores a refugiarem-se em activos mais seguros, como o ouro e a dívida soberana. Este movimento provocou subidas do preço do ouro da ordem dos 2%, para valores que não se verificavam desde 2013: mais de 1.67o dólares por cada onça.
Além do ouro, os investidores também acorreram à dívida soberana. Um dos ativos refúgio por excelência são os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que existem em abundância: o défice dos Estados Unidos nos últimos anos criou uma oferta de mais de 16,7 biliões de dólares em títulos.
A procura por títulos do tesouro norte-americanos foi tão intensa e repentina que os “yields” destes títulos com as maturidades mais longas caíram para mínimos históricos. Também a dívida soberana da Alemanha, outro ativo de refúgio por excelência, foi alvo de grande procura, o que fez com os “yields” descessem — em todas as maturidades – para terrenos negativos.
E há ou não riscos de toda a gente estar a refugiar-se nestes ativos considerados mais seguros? Claro que sim. Para começar, sempre que os investidores acorrem que nem loucos a títulos do Tesouro há um risco latente, o de haver uma recuperação repentina dos mercados – aquilo que é conhecido como uma recuperação em “V” (por sinal o que o FMI já disse que poderia acontecer com a economia chinesa). Este movimento pode pode fazer subir abruptamente os “yields”, o que depois resultará numa forte queda dos preços.
Mas como prever até onde a crise pode ir?
Numa nota de análise divulgada ainda na semana passada, os economistas do BNP Paribas diziam que tentar antecipar o impacto desta crise para a economia chinesa é uma “tarefa hercúlea” porque combina três tipos de choque em simultâneo. Desde logo, é uma crise de procura, sobretudo na China: cidades inteiras em “lockdown”, pessoas a trabalhar de casa, serviços encerrados e espaços públicos vazios.
Depois, é um choque de oferta: fábricas encerradas, perturbações graves na produção de produtos e peças cruciais para as cadeias de fornecimento globais – um impacto difícil de medir mas que o BNP Paribas considera que será “considerável”. E, finalmente, é uma crise de confiança, que afeta essencialmente o consumo interno e a procura por bens e serviços. Qualquer um destes três riscos, de forma isolada, poderia ter um impacto significativo. Os três, em conjunto, podem criar uma tempestade perfeita, sobretudo à medida que a incerteza se arrasta no tempo.
Ainda é impossível antecipar qual será o impacto sobre o produto interno bruto chinês, mas o FMI calcula que por cada ponto percentual de quebra na economia chinesa isso faz cair o produto económico na Europa em 0,2 pontos percentuais, no médio prazo. O impacto para os EUA será menor, acreditam os economistas do banco francês.
Como é habitual, os bancos de investimento estabelecem vários cenários, dos mais otimistas aos mais pessimistas. Os alemães do Commerzbank admitem que esta pode ser uma crise que se resolve “num futuro não muito distante”, registando-se uma descida rápida do ritmo de contágio e um regresso gradual à produção plena. Se esse cenário surgir, o retomar da produção poderia não só ser relativamente rápido e seria, até, possível acelerar o trabalho e compensar uma boa parte da paragem que existe neste momento, assumindo que existiria uma estratégia eficaz de gestão dando prioridade aos setores e produtos mais urgentes.
Nesse cenário, “após alguns trimestres de dificuldades, as taxas de crescimento rapidamente regressariam aos níveis anteriores à crise”. Mas há um outro cenário bem mais preocupante, que só nos últimos dias os mercados financeiros começaram a dar sinais de levar a sério: o cenário de que este Covid-19 provoque uma “alteração estrutural” nas placas tectónicas da produção económica global.
Podemos ter uma “inversão da globalização com esteróides”?
O trauma com este coronavírus poderá, diz o Commerzbank, levar várias empresas internacionais a repensar a sua dependência da produção na China, para que não se esteja totalmente dependente de um ou dois fornecedores locais para obter peças ou matérias-primas essenciais para os seus processos produtivos. A indústria farmacêutica é um bom exemplo, tal como o setor tecnológico.
No fundo, o Commerzbank acredita que pode surgir o que se pode chamar de “inversão da globalização com esteróides”. Os últimos anos já foram marcados por uma tendência política de protecionismo, “reshoring” (recuperação de postos de trabalho e unidades produtivas que tinham sido deslocalizadas) e redução do comércio internacional. “A crise do Covid-19 poderá dar à tendência para a re-regionalização [um antónimo de globalização] um grande impulso”, diz o Commerzbank, citando não apenas as questões económicas e políticas mas, também, os temas relacionados com a segurança nacional vs dependência de outros estados como o chinês.
É certo que, nestes casos, mudar as estruturas de fornecimento mundiais implica investimentos relevantes e perdas de rentabilidade, em alguns casos, “mas ameaças de pandemias globais são um argumento muito convincente”. “Uma reorganização dos padrões comerciais globais podem levar a estruturas produtivas menos eficientes e, portanto, taxas de crescimento mais baixas, mas este poderá ser um preço que muitos estarão dispostos a pagar por uma maior “segurança” – seja ela real ou percecionada”.