A ordem é para manter tudo na mesma — tudo fechado — até pelo menos o final de março. O primeiro-ministro não antecipou nenhuma “linha verde” que venha a funcionar como luz ao fundo no túnel para que os portugueses continuem inteiramente focados no confinamento. E tudo porque, apesar de a evolução da pandemia em Portugal estar a entrar numa fase descendente, há dois riscos novos que exigem cautela máxima: 1) a capacidade de vacinação no primeiro trimestre caiu para metade devido aos atrasos na produção industrial de vacinas; 2) continuam a surgir variantes do vírus que são uma incógnita.

Menos de uma hora depois de o Parlamento ter aprovado, pela 11ª vez, a renovação do estado de emergência, António Costa falou aos jornalistas no final do Conselho de Ministros para dar conta das mudanças esperadas para os próximos 15 dias (de 15 de fevereiro a 1 de março). As mudanças são — “no essencial” — nenhumas. À parte da questão da venda de livros e material escolar nos supermercados, que o Presidente da República, no decreto que baliza o estado de emergência, “proibiu o Governo de proibir”, tudo o resto fica igual: proibida venda de roupa e tudo o que não sejam bens essenciais nas superfícies comerciais, escolas fechadas, restaurantes fechados, comércio fechado, serviços com atendimento ao público limitado, ou seja, confinamento generalizado.

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E a ideia é manter a mola apertada mais um mês e meio, no mínimo. Ou seja, até final de março ou início de abril. A questão de o fim de semana da Páscoa, que é no início de abril, poder levar a estender o confinamento até dia 5 de abril foi colocada, mas António Costa não foi taxativo. Deixou apenas duas pistas: a Páscoa “não será a Páscoa que conhecemos”, por um lado, tal como o Carnaval não terá “festejos de Carnaval”; e “é prematuro” dizer que as aulas presenciais vão voltar — em determinados níveis de ensino — até à Páscoa.

Muito cedo, muito prematuro, não é o momento. Costa põe desconfinamento na mão dos cientistas

Foram várias as formulações que o primeiro-ministro usou, na conferência de imprensa desta tarde, para dar conta da mesma ideia: não é altura de falar em desconfinamento, mesmo que várias vozes, incluindo da comunidade científica e até mesmo Marcelo (que pede um plano para a reabertura das escolas), digam que é preciso começar já a preparar esse processo. Para já, António Costa limita-se a dizer que “é prematuro”, “é muito cedo” ou “não é o momento”. Apenas uma pista: quando o desconfinamento começar será sempre um desconfinamento “gradual”.

Mas não detalhou se isso pressupõe um regresso às aulas presenciais mais cedo para determinados níveis de ensino ou mais tardio para outros. Nem sequer admitiu que a redução dos casos se deve significativamente ao fecho das escolas, recusando isolar um fator dos outros. Ou seja, o confinamento generalizado é que está a dar frutos, e quanto mais setores fecham mais resultados se veem.

“Se as escolas fecharam a 22 e o pico foi a 24, não foi o encerramento das escolas que determinou essa quebra, mas é evidente que o encerramento das escolas aliado ao encerramento do resto das atividade contribuiu para isso”, disse.

“É muito cedo para começar a especular sobre esta matéria”, sendo que os parceiros sociais, os autarcas, as comunidades educativas e os partidos serão ouvidos no momento certo para planear esse processo de desconfinamento. António Costa só não o faz já para não dar sinais contraditórios à opinião pública, explica, sublinhando que não quer induzir a população em erro e quer que as pessoas se mantenham focadas no esforço de contenção da pandemia. “Não quero induzir em erro a opinião pública, dizendo que o desconfinamento pode começar para a semana ou daqui a 15 anos, quando isso não vai acontecer”, disse.

Ou seja, não haverá para já “linhas verdes” a partir das quais o desconfinamento deve começar, há apenas “linhas vermelhas” para manter o confinamento apertado. O que António Costa quer é que a comunidade científica se una tanto quanto possível em torno de um consenso sobre essas linhas vermelhas para que o Governo possa decidir em função dessa síntese e não tomar partido de umas opiniões científicas em detrimento de outras. Até porque as diferentes opiniões na comunidade científica, embora legítimas, criam, no seu entender, alguma confusão na cabeça das pessoas — que ficam sem saber no que acreditar.

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Vacinas atrasadas e incógnita das variantes faz soar campainhas de alarme

Certo é que a situação pandémica está melhor, porque “o confinamento está a produzir resultados”, mas ainda é “extremamente grave”, daí que o confinamento seja para manter. Na conferência de imprensa que fez no final da reunião do Conselho de Ministros para definir o decreto do estado de emergência para os próximos 15 dias, Costa começou pelo copo meio cheio: os resultados do confinamento estão à vista, a curva está descendente em todos os parâmetros, e prova disso é que o índice de transmissibilidade do vírus (o chamado ‘Rt’) está no valor “mais baixo que o país já teve desde o início da pandemia” (0.77).

Depois, o copo meio vazio: a situação, apesar de tudo, continua a ser “extremamente grave” e prova disso é que, de acordo com a tabela do Centro Europeu de Controlo de Doenças, que mede o nível de risco em função do número de casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, Portugal ainda está no nível considerado mais grave de todos, com mais de 960 casos por 100 mil habitantes. O resultado disso é que ainda há um “elevadíssimo número de pessoas internadas” e, consequentemente, o número de óbitos, que tem vindo a diminuir, ainda é “elevadíssimo”. E “não nos podemos conformar” com esses números, que são “inaceitáveis”.

Feito o enquadramento geral, o primeiro-ministro acrescentou ainda dois dados extra, que funcionam como riscos acrescidos que levam a que o Governo mantenha a mola bem pressionada: os atrasos na vacinação, que não são atrasos a nível nacional mas a nível da produção e distribuição europeia, e o surgimento de novas variantes.

Sobre os atrasos na vacinação, o primeiro-ministro apresentou um número que faz soar campainhas de alarme: o que estava previsto era haver 4,4 milhões de vacinas em Portugal no primeiro trimestre do ano, mas as empresas farmacêuticas reduziram significativamente o seu fornecimento e vão chegar a Portugal apenas 1,98 milhões de doses. Ou seja, a capacidade de vacinação no primeiro trimestre caiu para metade devido aos atrasos na produção.

É nesse sentido que o primeiro-ministro responde às críticas — nomeadamente feitas pelo PSD no debate desta tarde no Parlamento, que sugeriu que o Governo devia estar a acelerar o processo de vacinação com maior multiplicação de locais para vacinar. A isso Costa responde que esses locais de vacinação estão a ser criados, existem, mas não podem ser usados já porque não há vacinas. “Neste momento esses espaços ainda não são necessários e continuarão a não ser enquanto a capacidade de produção de vacinas não aumentar”, disse, insistindo que o atraso não é culpa nacional, e que nenhuma vacina está a ser desperdiçada. “Estamos a cumprir o plano”, disse.

Questionado sobre se este atraso pode deitar por terra o objetivo de Portugal chegar ao verão com 70% da população vacinada, o primeiro-ministro faz isso depender da produção massiva de vacinas e da distribuição atempada. Ou seja, do cumprimento dos contratos assinados com a União Europeia. Para atingir a meta desejada “há uma condição fundamental: que quem produz a vacina a produza na quantidade suficiente e a entregue na quantidade contratada à Comissão Europeia” e que esta a distribua pelos países. Sem isso, nada feito.

A isto junta-se outro risco acrescido, que são as variantes do vírus. “Ninguém sabe, ninguém pode garantir nem ninguém pode evitar que novas variantes venham a surgir”, alertou o primeiro-ministro, sublinhando que isso faz com que a situação ainda seja “muito grave” e por isso o confinamento tenha de se prolongar até pelo menos ao final de março. Mudanças de fundo nunca antes disso.