De volta a Lisboa, António Costa tinha uma arruada marcada para a Avenida Duque d’Ávila a que chegou pronto para uma declaração sobre a morte de Freitas do Amaral — “um grande estadista”. A informação apanhou a caravana socialista em plena viagem entre Viseu e Lisboa e fez abrandar a eventual festa da tarde, Não houve bombos, foi uma arruada pacata, e que de novo só trouxe mesmo o apoio da antiga primeira dama Manuel Eanes. Mas não veio sozinha. Trouxe de volta à campanha socialista um tema sensível para o PS.
Os ataques e referências sobre o caso Tancos já tinham serenado nesta campanha, mas Manuela Eanes chegou para dizer “três coisas muito importantes”, uma delas que “houve um caso gravíssimo em relação à instituição militar, gravíssimo. Que siga o processo, que seja punido quem tem de ser punido e que haja muita firmeza e grande autoridade em tudo o que se faz“. Para a mulher do antigo Presidente da República, “a instituição militar tem de ser respeitada e nós devemos-lhe muito”.
A intenção era condenar que a campanha seja dominada pelo tema, mas o resultado foi pô-lo novamente em cima da mesa. Manuela Eanes foi clara em pedir “empenho” a António Costa num processo “que vai seguir” — e do qual Costa tem fugido sempre, dizendo que não se mistura política com justiça –, mas também assinalar que na “campanha, deploravelmente, o tema tem sido quase só Tancos, o que é uma pena”.
O encontro junto ao Colégio Académico estava previsto e Manuela Eanes foi mesmo dar o seu apoio “como cidadã” e com a “certeza que ele vai ser primeiro-ministro”: “Nestes quatro anos temos um país melhor por causa dele”. “E agora continuamos”, rematou fazendo sinal a Costa para seguirem caminho rumo ao Arco do Cego.
Mas antes Costa ainda registou o apoio e o “testemunho de uma pessoa que, não sendo militante do PS,é uma cidadã” a que agradeceu. Manuela Eanes interrompia: “Ah não tem nada que agradecer. Estes quatros anos foram tão difíceis e fez muitos sacrifícios que eu sei”. E entre os salamaleques lá foram, num passo demorado.
Pelo passeio largo da rua — obra António Costa, como presidente da Câmara — foi parando em esplanadas, distribuindo rosas e cumprimentando as poucas pessoas que se encontravam na esplanada. O entusiasmo não era grande, nem do cão Rocky que o dono teve de chamar várias vezes “para cumprimentar o primeiro-ministro” e que insistia em ignorar a arruada socialistas. Lá fez o favor ao candidato (que não há cão que não cumprimente) de se endireitar minimamente para receber as festas de António Costa e seguiu o descanso. “Vota no PAN”, gracejou o dono já o candidato ia rua abaixo.
Costa quer valorizar salários das “mãozinhas”, mas empresário avisa que não há “Luís de Matos”
A cantina estava cheia de funcionárias, eram cerca de 200, num momento de pausa para ouvir o candidato socialista, que o administrador teimava em apontar ser “o primeiro-ministro”, que até trazia consigo um “futuro governante”. Entre os dois fatos que António Costa vai vestindo nesta campanha, Francisco Batista focava no que mais jeito lhe dava e as costureiras também, afinal, de fatos, percebem elas. O único momento em que interromperam Costa para aplaudir o que dizia foi mesmo quando o socialista falou em “remunerar melhor quem trabalha”.
Nas duas fábricas da CBI, em Mangualde, são 400 as trabalhadores e a esmagadora maioria com salários pouco acima do salário mínimo. Questionado sobre quantas estavam a receber apenas 600 euros, o empresário começou por dizer “cerca de 60%, 70%”, depois corrigiu: “Bem, mínimo, mínimo, só há para aí 5% no primeiro contrato depois damos logo mais qualquer coisinha”. Mas não permite distanciarem-se muito além dos tais 600 euros mínimos.
No programa socialista consta a defesa de um “acordo de médio prazo sobre salários e rendimentos” e Costa quer repetir o que fez com o salário mínimo, fixando a sua evolução no conjunto da legislatura. “Das primeiras prioridades é ouvir a concertação para fixar metas para a próxima legislatura”, disse desejando que esse acordo “não se limite ao salário mínimo. Temos de contribuir positivamente para a melhoria do rendimento (…) e é essencial que essa melhoria de rendimento assente sobretudo na melhoria dos salários”.
Pela estrada eleitoral diz que tem “ouvido e tomado o pulso às expectativas e disponibilidade” de trabalhadores e empresários e garantiu que se for eleito, “logo a seguir à eleições”, é necessário reunir em sede de concertação social e procurar um acordo” .
Dentro da cantina da fábrica, onde foi ouvido pelas trabalhadoras, tinha falado na melhoria do setor que “atravessou uma grande crise” e da “competitividade com os novos produtos dos países asiáticos” que veio agravar o mau momento de um atividade que recuperou. Mas não foram as palavras caras ou a análise económica do setor que animou a sala. Nem mesmo com o elogio à qualidade que “resulta das mãozinhas, das vossas mãos”. Costa só conseguiu arrancar um aplauso — seguido de um burburinhar intenso — quando defendeu que a importância da recuperação do têxtil não é apenas importante para “remunerar melhor o senhor Francisco, mas para remunerar melhor também quem trabalha e permite que esse produto exista”.
O candidato que também é primeiro-ministro não avança, num entanto, com qualquer valor aceitável para esta negociação que quer fazer sobre a atualização geral dos salários. Sublinha apenas que “temos de ambicionar aproximar mais Portugal dos países e empresas e salários que se pagam nos países mais desenvolvidos”.
Promessas de um lado e a reserva do empresário do outro
Circulou com o empresário entre as máquinas de corte e de costura orientadas pelas funcionárias da CBI, tanto na fábrica têxtil de produção em série, que Francisco Batista recuperou, como na do lado, a Alfaiataria Lusa, que fundou e que faz fatos por medida com recurso à tecnologia mais avançada. António Costa baixa-se para espreitar a eficácia da máquina de corte inteligente que corta fatos individualizados e personalizados de forma precisa. Na altura sai da máquina uma frente esquerda e uma frente direita de um casaco, cortadas em poucos minutos e sem ninguém por ali além da funcionária que as retira da linha.
Das duas fábricas saem entre 1500 e 2 mil fatos por dia e o lucro anual está entre os 25 e os 30 milhões de euros. Francisco Batista nota que já começa a sentir “alguma dificuldade em contratar”, mas que ainda não deixou totalmente de ter oferta. Já quanto aos salários, não vai tão entusiasmado como António Costa e tem alguns problemas a acrescentar.
Admite que a competitividade “não poder ser feita na exploração do trabalho. Mas como empresário temos de falar: aumentar salários e reduzir horários, isso já nao estou de acordo. Estou de acordo que se devem pagar salários mais altos mas que as leis laborais permitam que as empresas possam ser competitivas”. E adverte: “Se pagarmos mais e trabalharmos menos, seguramente um dia a competititvidade foi-s e aí não há nenhum empresário ou mágico que resolva o assunto, nem o amigo Luís de Matos”.
E queixa-se ainda do problema do absentismo, mesmo que perceba a reivindicação das trabalhadores. “Devem reivindicar para ganhar mais, mas na empresatem de se produzir e trabalhar, não se pode faltar de qualquer maneira, porque o nível de absentismo hoje também é muito grande. E a maior parte são mulheres e temos absentismo obrigatório”, para assistência à família, exemplifica.
O “futuro governante” e o primeiro “tema lateral” de que Costa falou
Durante o discurso na cantina, Francisco Batista preferiu sublinhar que ali ao lado tinha “o primeiro-ministro que, por coincidência. é também o secretário-geral do PS”, defendendo que “tem a sua cor mas a empresa não tem a cor de ninguém”. E para João Azevedo, o socialista que é o cabeça de lista do partido por Viseu, apontou também com outra expectativa em vista referindo-se a ele como “antigo presidente da Câmara de Mangualde e… não sei.. futuro governante?” Por agora, ninguém o desmentiu.
Já o candidato socialista, que tem-se esquivado a falar de temas extra campanha, desta vez não mostrou reservas em fala de uma matéria também lateral, a luz verde dada a Elisa Ferreira como comissária europeia. Foi uma indicação sua e refere-se à aprovação da socialista como “uma excelente notícia para Portugal, “não só pela importância da conclusão do próximo quadro financeiro plurianual, mas porque nos próximos 5 anos vamos estar a discutir. e reestruturação dos fundos para os 7 anos seguintes”. Para Costa, a pasta da Coesão e das Reformas é “estratégica para o futuro”.