“Picardia: ação de pícaro, ação desonesta ou acrimoniosa; vileza; velhacaria; desfeita ou desconsideração”. Menos de 24 horas depois de ter jurado que não iria alimentar mais picardias nesta campanha eleitoral para as europeias, João Cotrim Figueiredo mudou de ideias e decidiu voltar à distribuição de mimos pelos adversários. Em rigor, pelo adversário. Depois de uma maratona de debates em que foi poupando Sebastião Bugalho, num padrão que se foi mantendo durante os primeiros dias desta corrida, o cabeça de lista da Iniciativa Liberal decidiu começar a fazer marcação cerrada ao candidato da Aliança Democrática. E não foi meiguinho nos termos.
Os liberais não gostaram que se tivesse instalado a ideia de que existia uma espécie de pacto de não agressão entre os dois candidatos. Na verdade, é um facto compreendido por todos que AD e IL partilham eleitorado e que um bom resultado dos liberais está, em parte, dependente da necessidade de reconquistar alguns dos eleitores que fugiram para Luís Montenegro nas últimas eleições legislativas. Ao mesmo tempo, até aqui, a tática pensada para esse efeito era não hostilizar esses eleitores e esperar que a marca Cotrim fizesse o resto. Esta sexta-feira, ao quinto dia de campanha oficial, Cotrim corrigiu o discurso e começou a tentar marcar um fosso em relação a Bugalho.
Ao início da tarde, em Leiria, numa visita a uma fábrica de moldes, a DRT, Cotrim fez o primeiro ensaio. “Olho para as restantes candidaturas e não vejo ninguém a falar em nome das empresas. Nem a AD, que deveria ter uma sensibilidade particular. Aliás, nos debates, foi claro que Sebastião Bugalho não percebe de economia o suficiente para poder ajudar as empresas”, defendeu Cotrim Figueiredo.
“As empresas precisam de alguém que entenda as suas dificuldades específicas. É importante que exista uma voz de quem tem o conhecimento concreto do que é que a economia precisa no Parlamento Europeu”, reforçou Cotrim, fazendo uma demarcação evidente entre a sua candidatura e as demais.
O cabeça de lista da IL relacionou depois esta questão com a aplicabilidade prática dos fundos europeus, lamentando que falte ao país uma visão estratégica de longo prazo. “Desde a adesão à Comunidade Económica Europeia, Portugal recebeu 157 mil milhões de euros [de fundos]. Ninguém percebe muito bem como é que eles foram utilizados. Daqui a uns anos, vamos mais uma vez estar a dizer a mesma coisa sobre o PRR.”
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“É preciso este tipo de preocupação, que depende do conhecimento de como é que funciona uma economia e como é que funcionam as empresas dentro dessa economia. Não vejo mais nenhuma candidatura com essa capacidade. E mesmo aqueles partidos que deviam ter mais sensibilidade a estas matérias, como a AD, não vejo no cabeça de lista a capacidade de discutir temas económicos”, voltou a provocar o liberal.
IL vai sonhando com segundo eurodeputado
À noite, num jantar-comício em Mafra, que serviu para fazer uma espécie de balanço da primeira semana de campanha eleitora, Cotrim voltou à carga. “É confrangedor como é que alguém que se candidata a cargos públicos não tem, em relação às matérias mais básicas, noções minimamente inteligíveis”, atirou Cotrim. O liberal acabaria por concretizar a crítica.
“Alguém tem que representar as empresas. E olhamos à volta para esta campanha eleitoral, olhamos para as várias listas, para os vários cabeças de lista, e não há uma noção sobre economia. Nem naqueles partidos que supostamente têm maior afinidade com o mundo empresarial. O cabeça de lista da AD não tem grandes conhecimentos de economia.”
Antes desse momento no discurso, João Cotrim Figueiredo já tinha sugerido que havia candidatos “beatos” nesta campanha — o liberal não fez essa relação, mas recorde-se que Sebastião Bugalho tem falado várias vezes na sua relação com a fé e com Fátima. Fazendo uma espécie de balanço da primeira semana de campanha, e lembrando que na segunda-feira teve um jantar na zona do Beato, em Lisboa, o candidato da IL. “Beato, juro, não é uma piada sobre nenhum dos outros candidatos”, sublinhou, provocando gargalhadas nos militantes e simpatizantes do partido.
Num discurso que serviu essencialmente para dizer que sente que o partido a crescer nesta campanha, Cotrim tentou mobilizar os simpatizantes e militantes do partido. “Sinto, cada vez mais gente que quer Portugal a crescer, que quer uma Europa que facilite o crescimento de Portugal, uma Europa que ela própria cresça, uma Europa sem corrupção, sem compadrios, transparente. Essa gente toda está a juntar-se à Iniciativa Liberal. Sinto esta onda a engrossa. Estamos cada vez mais perto de fazer alguma coisa com muita importância.”
No entanto, não foi desta vez que Cotrim assumiu pessoalmente o objetivo de eleger dois eurodeputados nestas eleições. Mas o candidato não resistiu a fazer uma piada sobre essa hipótese. Lembrando que começou a campanha oficial no programa de Cristina Ferreira, o candidato ironizou: “Não foi propositado, mas depois é que vi que estivesse ali algum sinal, porque o programa chama-se ‘Dois às 10’ e eu percebi mal e achava que era “dois no dia 10 [de junho, dia seguinte às eleições]. Mas eu não assumi esse objetivo, ok?”. Assumundo ou não como objetivo a eleição de dois deputados, resta saber se a renovada picardia com Bugalho vai ajudar a causa da IL.