No jogo deste domingo entre Manchester United e Leicester, a contar para a jornada 11 da Premier League, estiveram 73.829 espectadores em Old Trafford. Quando ouvimos o número ser anunciado nas colunas do Teatro dos Sonhos, um pensamento vem logo à cabeça: talvez não seja assim tão fácil encontrar César Pereira no ponto de encontro combinado, a estátua da United Trinity, que reúne as figuras de George Best, Denis Law e Sir Bobby Charlton. Estávamos enganados. Apesar das várias dezenas de milhares de pessoas naquela zona, muitas a tentar tirar uma fotografia com o mítico trio, um casaco chamou logo à atenção: de um lado, o símbolo da Nike – que não veste o United –, do outro, as quinas da Federação Portuguesa de Futebol. Mais acima, o sorriso não enganou. Eis César Pereira, o empresário português que conhece meia Manchester e que começou e acabou como Rúben Amorim.
Do Casa Pia para Manchester e muito por causa do futebol
Quando César Pereira, agora com 42 anos, chegou à Casa Pia de Lisboa, em 1988, Rúben Amorim tinha apenas três anos de idade. Longe estaria de imaginar no que seria o seu futuro e que o caminho de ambos se iria cruzar, mesmo que o ainda treinador do Sporting não o saiba. Quis o destino que, 30 anos depois de César ingressar na instituição lisboeta, Amorim se estreasse como treinador nessa mesma casa, em 2018. Foi a primeira casa de ambos e César não esquece esse momento. “Eu tenho acompanhado o Rúben Amorim e a sua equipa técnica desde 2018, quando eles pegaram no meu Casa Pia. Sou sócio do clube há 25 anos e é especial para mim que ele tenha feito esse trajeto”, conta-nos, à porta de Old Trafford.
É precisamente o Teatro dos Sonhos que tem servido de casa desde os tempos da Casa Pia. Depois de 12 anos a estudar na instituição lisboeta, César terminou o Curso Técnico Profissional de Contabilidade em 2000 –estava Amorim a chegar ainda às escolinhas do Benfica – e nessa altura apareceu a mítica questão: e agora? A resposta surgiu com uma bolsa de estudos casapiana, que o podia levar além fronteiras. Mas aí apareceu outra pergunta: onde? E foi a bola a responder: “Eu acho que foi mesmo por causa do Manchester United [risos]. Eu sempre adorei futebol. Tinha família em Londres, mas escolhi Manchester”.
Escolheu e bem, porque foi na mítica cidade industrial inglesa que César se licenciou em International Business – na Manchester Metropolitan University – e onde, mais tarde, em 2013, fundou uma empresa, a Gama, uma consultora que ajuda empresas no setor dos bens de consumo. “É uma empresa inglesa, mas com ADN português, mais de 80% da empresa é detida por portugueses, e temos mais de 100 pessoas em mais de 50 países a trabalhar connosco”, conta.
Nesse ano, Rúben Amorim regressaria ao Benfica depois de um empréstimo de um ano e meio ao Sp. Braga, por questões disciplinares. O técnico português ainda estava longe de imaginar que um dia o Manchester United faria parte da sua vida. Mas isso, no caso de César, já estava mais do que sabido. “É uma das minhas paixões, é uma alegria. Há 24 anos que venho aos jogos e tenho lugar cativo há mais de 15. É uma paixão”, diz, de sorriso na cara, apesar da chuva que caía. E muito tem caído nos últimos anos nas cabeças dos adeptos do United.
“Desde Mourinho que não se sentia isto” – e até já se fazem cachecóis com Amorim
Há mais de dez temporadas que o Manchester United não é campeão inglês. A última vez foi em 2013/2014, época que coincidiu com a última do mítico treinador Sir Alex Ferguson. Nessa época, Rúben Amorim foi campeão pelo Benfica e quase venceu a Liga Europa com os encarnados. Ambos festejaram nessa época mas desde aí que César Pereira teve poucas alegrias. Ainda assim, os momentos felizes continuam a ser mais do que os tristes. “Foram muitos, não consigo escolher. Mas espero que haja mais agora. Acho que a energia voltou”, diz o empresário português. E isso sente-se ao redor de Old Trafford. Enquanto escrevemos estas linhas, o treinador lisboeta ainda não aterrou em Manchester, mas apenas fisicamente. Porque o espírito, esse, está lá todo… e até de formas que não esperávamos. “Já compraste o cachecol?”, pergunta-nos César. “Qual cachecol?”, devolvemos. O antigo aluno da Casa Pia fez então um gesto com a mão e leva-nos até um vendedor ambulante.
Entre dezenas e dezenas de scarfs do Manchester United, de todos os tipos e mais alguns e com praticamente todos os jogadores, um destacava-se: um cachecol de Rúben Amorim. 15 libras, com a cara do técnico português em ambos os lados e uma frase a meio: “Rúben Amorim, United Manager”. Com acento e tudo. Perguntámos ao vendedor, Lee, que vende cachecóis em Old Trafford há 20 anos, quantas peças de Amorim trouxe para o jogo deste domingo. “20”, respondeu. “E quantas vendeu?”. “19, se quiser pode ficar com o último”. César teve sorte e ficou com o último cachecol, que levantou bem alto como as expectativas que têm os adeptos do Manchester United. “Desde a saída do Sir Alex Ferguson, só sentimos este entusiasmo por duas vezes. A primeira foi quando chegou o Mourinho. A segunda foi agora. Ainda o Amorim não estava confirmado e já se sentia alguma coisa no ar”.
Não duvidamos da palavra de César Pereira mas a verdade é que durante o Manchester United-Leicester esse entusiasmo não se sentiu. Nem uma tarja, um cartaz ou uma mensagem vimos para o novo treinador dos red devils. Já ao contrário, para Ruud Van Nistelrooy, o carinho sentiu-se e bem. Com a vitória – mesmo com um futebol pouco entusiasmante – garantida, os adeptos ingleses brindaram por várias vezes o interino neerlandês com cânticos entusiásticos. Aos 86′, aos 90+1′ e aos 90+5′, o antigo avançado foi o protagonista das músicas vindas da bancada. César Pereira diz que é normal. “Ele fez quatro jogos, tem três vitórias e é uma lenda do clube. Mas penso que vai sair, até porque o Rúben vai ter toda a estrutura para dar sucesso e alegrias ao nosso Manchester United”, explica. Mas estará mesmo a estrutura pronta?
“Penso que sim. Na altura, por exemplo, o José Mourinho teve uma grande dificuldade aqui: não teve tempo suficiente, apesar de ter ganho uma Liga Europa. Acho que o Amorim vai ter esse tempo. Parece-me que há uma grande mudança agora com a entrada do novo investidor no clube, a INEOS, e isto vai mudar completamente”, explica o fundador da Gama, na esperança de que os problemas, agora, acabem de vez. E não começaram recentemente, vêm de um momento facilmente identificável: a saída de Sir Alex Ferguson. “Foi uma saída muito difícil. Eu penso que eles não planearam bem a sucessão, quando veio o David Moyes. A estrutura do clube também não permitia a equipa técnica trabalhar bem. Isso agora não vai acontecer”, diz com esperança.
César, o espelho de Amorim que viu João Pereira antes de todos
Sobre Rúben Amorim, César Pereira não tem dúvidas: vai ter sucesso no Manchester United e vai trazer de volta a glória aos red devils. Mas e o futuro do Sporting? Acertámos ao lado. “Eu em Portugal, para além de ser sócio do Casa Pia, apoio o FC Porto”, diz entre risos. Porém, uma coisa pode dizer: o empresário português teve olho para o futuro, bem antes de toda a gente, em 2000. César era presidente da União de Alunos da Casa Pia de Lisboa e organizou um torneio de futsal Inter Colégios da Casa Pia de Lisboa. A Seleção de Pina Manique não era nada má: Ricardo Meireles, futuro capitão do Casa Pia, Hugo Pina, formado no Sporting na geração Ronaldo e Quaresma, e um tal de… João Pereira.
Na altura, o mais do que provável futuro treinador do Sporting jogava na formação do Benfica e foi convocado por César Pereira. O Pereira empresário estava na turma de Contabilidade e o Pereira jogador (agora treinador) estava na turma de Desporto. E já demonstrava as caraterísticas que sempre o marcaram durante a carreira: “Ele gostava de ganhar sempre, era super competitivo. Já tinha aquela raça”, conta César. No final, o vencedor foi o esperado. O Colégio de Pina Manique da Casa Pia ganhou o torneio e João Pereira, apadrinhado pelo homónimo César, conseguiu a primeira conquista. Dentro de umas horas, tanto João como Rúben abrem caminho a outras. Se as vão ter, ninguém sabe, mas uma coisa é certa: César Pereira, o empresário português que sentiu o chamamento do “Man Utd” estava lá no início de ambos.