Foram duas horas do único debate que dá a conhecer os dez candidatos às legislativas de 10 de março, mas que ainda não conseguiram garantir um lugar ao sol na Assembleia da República. Da extrema-esquerda à extrema-direita, muitas das ideias apresentadas foram de pendor radical. O saudosismo ao Estado Novo foi assumido sem pudor por José Pinto Coelho do Ergue-te, que insistiu em chamar “ponte Salazar” à ponte 25 de abril. O combate à “doutrinação das crianças” foi argumento de vários candidatos, entre eles Ossanda Liber da Nova Direita e Bruno Fialho do ADN, que não deixa a pandemia para trás, mas aposta no negacionismo ambiental.
Houve quem considerasse que os alunos da escola pública “comem pior que cães“. A afirmação é da sucessora de Tino de Rans no RIR. Entre as afirmações mais polémicas está, igualmente, a do líder do PCTP-MRPP, João Pinto considera a invasão da Ucrânia uma “guerra civil” com ucranianos a lutar contra ucranianos. O Volt Portugal mete as cartas todas na captação de fundos europeus e o Nós Cidadãos assume a missão de afastar os “boys do PS e do PSD” dos cargos públicos.
Guerra na Ucrânia é “civil” segundo o líder do PCTP-MRPP, que apela a uma “sociedade comunista”
O representante do PCTP-MRPP, João Pinto considera a invasão da Ucrânia enquanto uma “guerra civil”.
“Uma parte substancial do lado russo são ucranianos, que foram impedidos de viver a sua vida como tal”, assegurou, criticando o “alinhamento de Portugal na via” das duas atuais guerras.
O candidato defende um “imposto fortemente progressivo sobre os rendimentos” e garante que ficaria tudo muito mais barato se assim fosse. Apelou a uma sociedade de “cooperação” e “comunista”, em que “as pessoas são iguais entre si”.
O líder do PCTP-MRPP repetiu várias vezes que os portugueses “não votam” por não acreditarem “no atual quadro democrático”. “O facto de o Governo ter caído é uma indicação da situação real de ingovernabilidade do país”, apontou.
Ergue-te. “Ponte Salazar”, proibição à greve e matança da ideologia da género
Começou a sua intervenção no debate a dizer que o 25 de abril foi a “maior traição da História de Portugal” e referiu-se à ponte 25 de abril como “ponte Salazar”, num bate boca com o moderador que o corrigiu várias vezes. José Pinto Coelho, líder do Ergue-te, considera que o voto útil é “uma mentalidade absurda” que só “prolonga a agonia nacional”.
“O regime prepara-se para celebrar os 50 anos do 25 de abril”, afirma, ao mesmo tempo que classifica a data como a “maior traição da História de Portugal”. “Celebramos uma coisa que não temos pelo que celebrar”, acrescenta. O candidato às Legislativas disse que se chegasse ao poder “matava a ideologia de género de alto a baixo” e não deixava entrar “nem mais um imigrante” em Portugal. “Revogava a lei do aborto, da eutanásia e do casamento para pessoas do mesmo sexo”, acrescentou ainda Pinto Coelho.
“Temos em Portugal praticamente um milhão de imigrantes, fora aqueles a quem é dada a nacionalidade administrativamente. A nacionalidade herda-se, não se atribui na secretaria, por isso devemos ter 20 a 25% da população que não é portuguesa de facto”, defende, garantindo que Portugal está “no caminho de se auto-extinguir” e a ser “invadido”. “Ainda ontem o chefe de comunidade do Bangladesh veio reclamar que quer uma rua em Lisboa com o nome desse país. A terra não é deles, é nossa, vão-se embora”, afirmou.
O líder do partido de extrema-direita Ergue-te disse ainda que “o direito à greve é uma profunda injustiça para com a nação e as populações”. “As greves são uma arma de arremesso de terrorismo dos sindicatos que praticam política de terra queimada que leva a um prejuízo económico para o país”, defendeu. Foi durante esta intervenção que se referiu insistentemente à ponte 25 de abril enquanto “ponte Salazar”, como foi batizada no Estado Novo, designação alterada após a revolução de 1974.
Nova Direita. “Cortar nos funcionários públicos” e “fardas na escola primária”
Ossanda Liber aspira ser a mediadora de Luís Montenegro e André Ventura, acusando-os de terem “excesso de testosterona”. No debate desta terça-feira disse que a proposta ideológica da Nova Direita “cobre o fosso” entre o PSD e o Chega”, o que faz do seu partido uma ponte. “Não temos dúvidas que a direita vai ter mais votos este ano, o problema é que uma direita desunida não serve os interesses do país”, acrescenta.
“Temos que diminuir o número de funcionários públicos, estamos a pensar essencialmente na Administração Pública”, apontou Ossanda, que — quando questionada várias vezes pelo moderador sobre o custo das medidas propostas pela Nova Direita — nunca respondeu.
Tal como o líder do ADN e do Ergue-te, a fundadora do partido Nova Direita, criado em 2022, defende que os “partidos de esquerda estão altamente infiltrados nas escolas e determinam o caminho que se deve levar e ditar para as crianças”. Sobre a proposta de implementar uniformes na escola primária, Ossanda diz que “não há nada de contraditório” nisso e diz que as fardas servem para a inclusão. “As fardas servem para uma aparência de igualdade, a escola não serve para um desfile de moda”, acrescenta.
Sobre imigração, Ossanda Liber considera que esta tem de ser “boa para os portugueses e para os imigrantes” e diz que as as ideologias têm de ser colocadas de parte quando se fala do tema. “Queremos dois critérios, o da valência do imigrante e outra da proximidade cultural”, considera, e recorda o “histórico de sucesso da imigração em Portugal”.”Os imigrantes fazem sentido se Portugal precisar, mas não é normal que o país assente todas as expectativas na imigração”, acrescentou. Outro mote de Ossanda é o do aumento da natalidade. Defende benefícios às famílias para terem filhos, já que “não estão a nascer novos portugueses”.
RIR. Márcia Henriques diz que alunos na escola pública “comem pior que cães”
Tino de Rans “era ridicularizado” e, por isso, Márcia Henriques tomou o seu lugar no Reagir Incluir Reciclar (RIR). A mudança de líder foi “estratégica”, segundo a nova líder do partido fundado por Vitorino Silva. “O partido é o mesmo e os objetivos são os mesmos da fundação”, afirmou, garantindo que pretende ultrapassar os resultados eleitorais até agora obtidos. Em 2022, o RIR conseguiu 23.232 votos, o equivalente a 0,42% da votação.
A candidata defendeu uma redução da carga fiscal e até considerou que os “portugueses não se importam de pagar impostos se tiverem bons serviços”, algo que não acontece agora. Na senda de frases polémicas proferidas no debate desta terça-feira, a candidata afirmou que existem crianças na escola pública que “comem pior que cães”.
ADN. Bruno Fialho quer mulheres a pagar IVG quando a realizam “por opção”
Bruno Fialho, líder do ADN — Alternativa Democrática Nacional — defendeu que as mulheres devem ter a responsabilidade de pagar a Interrupção Voluntária da Gravidez quando a fazem “por opção”. Para o candidato às Legislativas, a decisão é simples: “Quem não quiser pagar, tem o filho”. Fialho referiu-se à transsexualidade como uma “doença mental” e acusou as escolas de se deixarem doutrinar por “lobistas extremistas a colocarem situações nas crianças que são inadmissíveis”.
A “fraude climática” disseminada pela “desinformação jornalística” foi outra bandeira acenada pelo político que defende que as “alterações climáticas acontecem há 4.000 anos”. O candidato do ADN referiu-se ainda aos “senhores que estão na AR” como os seus funcionários. “Trabalham para mim”, assegurou, sem esquecer a pandemia de Covid-19, que segundo o candidato ainda é relevante devido aos constrangimentos nas liberdades dos cidadãos. O partido cresceu nas redes sociais por defender a desobediência às medidas de contenção da doença entre 2020 e 2022. Nas últimas Legislativas arrecadou 10.911 votos.
Alternativa 21. Ex-Chega garante não haver “confusão ideológica” ao juntar Aliança e MPT
Nuno Afonso é fundador e ex-vice presidente do Chega e é contra o partido ao qual deu vida que centra a estratégia de campanha. O candidato tem falado do partido liderado por André Ventura em praticamente todas as publicações que fez nas redes sociais desde que se anunciou como cabeça de lista independente pela coligação Alternativa 21 e fez cartazes que copiam o estilo do Chega, com uma cruz vermelha em cima de Ventura. No debate excluiu haver “confusão ideológica” na Alternativa 21, partido que agora lidera e que reúne o Aliança e o Partido da Terra — MPT. “O MPT é conservador e de direita”, garante, e diz que o partido “quer ser alternativa para ser uma voz ativa na direita”.
Nuno Afonso demonstrou “grande preocupação com a polarização de democratas contra não-democratas”. À semelhança de Bruno Fialho, não deixou a pandemia para trás e recordou que “os nossos direitos, liberdades e garantias ficaram em xeque”. Apelou a uma “reestruturação do SNS enquanto sistema global de saúde” e foi perentório ao afirmar que a política de imigração em Portugal tem sido “profundamente errada”.
“Há um coletivismo muito grande na política. Às vezes digo a brincar que preferia que a minha filha aos 14 anos vá para uma juventude partidária do que para a universidade”, afirmou, recordando que, em 2019, “tivemos uma deputada do PS que admitiu que aos 20 anos nunca tinha tido um emprego que não fosse arranjado pelo partido”, recorda.
Nuno Afonso classificou a habitação como um “problema emergente em Portugal” e foi mais longe ao afirmar que “tudo está errado em Portugal” e que “o reflexo disso são as manifestações que temos tido”. Sobre a manifestação dos polícias de segunda-feira à noite, junto ao Capitólio, o ex-dirigente do Chega, admite que possam ter “reagido não da melhor maneira” devido ao “desespero” em que se encontram.
JPP. Filipe Sousa lamentou caso judicial “que causou graves constrangimentos aos madeirenses”
O JPP quer replicar o sucesso que teve na região autónoma no continente e quer um deputado eleito pela Madeira no Parlamento nacional. Filipe Sousa, a representar o JPP, afirma que o objetivo principal do partido é este, já que “os problemas da Madeira mantêm-se”. Considerou que os atuais representantes da região autónoma na Assembleia da República não fazem um trabalho reconhecível aos olhos dos madeirenses.
“Como madeirense, estou triste”, afirmou sobre o caso judicial de corrupção na Madeira que, considera, “infelizmente não é surpresa”. “Vejo com tristeza partidos a apontar o dedo e a dizerem que são imaculados”, acrescentou, apontando os telhados de vidro das restantes forças políticas.”Durante estes 21 dias houve um julgamento público que criou graves constrangimentos à população madeirense”, assinalou ainda.
Referiu-se ainda ao tema da imigração, alegando que este “é um problema em qualquer país se não houver um controlo das pessoas que chegam”. “Olho para o emigrante com ‘e’ e com ‘i’ da mesma maneira”, assegurou.
Volt. Partido europeu ser a ponte do “diálogo” entre PS e PSD “que já fizeram muito por Portugal”.
“Estamos no centro moderado que quer diálogo entre o PS e o PSD”, afirma Inês Bravo Figueiredo, líder do Volt Portugal. A candidata afirma que o partido pretende trazer “as melhores práticas europeias” para Portugal, garantindo que as ideias de sucesso já foram tidas pelos outros países e que basta aplicá-las ao nosso país. “Temos um PS e um PSD que têm boa ideias e que já fizeram muito por Portugal, mas que têm atualmente líderes com uma visão pouco ambiciosa”, garante Inês Figueiredo. E aponta: “Temos uma história de diálogo ao nível europeu”.
A candidata do partido de génese europeia defende que os “horários dos alunos” sejam mais reduzidos e diz Portugal tem o horário letivo mais alto da Europa. Destaca a importância de “as pessoas possam mudarem de emprego facilmente”. Voltando ao PS e PSD, Inês Figueiredo diz que os dois partidos “falam muito de baixar impostos e da procura interna”, mas aponta este caminho como o errado. “O que precisamos é de nos internacionalizar agora”, apela a candidata pelo Volt.
Para a europeísta, “é preciso transformar a economia portuguesa” através da captura do dinheiro dos fundos europeus. Além disso, diz que é preciso “aplicar bem” a captação desses fundos, apontando a necessidade de “pessoas competentes na Administração Pública que saberão executar este investimento”. “Precisamos de pagar salários europeus a todos”, aponta.
Candidato pelo PTP prometeu não se despir na Assembleia da República e afirmou que Justiça “transitou intacta do Estado Novo”
Confrontado com o episódio em que se despiu na Assembleia Regional da Madeira, o candidato pelo PTP classificou-o de “sátira” e garantiu que não a repetiria no Parlamento nacional, para o qual concorre. Diz que o objetivo foi o de chamar a “atenção aos portugueses”, afirmando que no Continente os partidos nacionais “evoluíram muito mais”. De recordar que José Manuel Coelho escolheu esta forma de protesto para contestar o facto de ter o seu ordenado penhorado.
O candidato do PTP afirmou que a justiça “transitou intacta do Estado Novo”. José Manuel Coelho assegura que “quando se deu o 25 de Abril um dos grande erros dos militares foi não ter intervencionado a Justiça”. Segundo o candidato, a Justiça “transitou intacta do Estado Novo para a nova situação democrática”.“Acredito na separação de poderes, mas se os órgãos de soberania são votados é um anacronismo termos um órgão de soberania que não é”, afirmou.
De resto, o líder do PTP afirmou que o IMI é um atentado ao “direito à habitação” e defende que o imposto tem de ser abolido. “Não vão ser os proprietários a sustentar as câmaras”, considerou.
Nós Cidadãos. Costa e a pandilha portaram-se mal
Acusou António Costa de se ter “portado mal como a pandilha que o acompanha” e afirmou que “não estava para estar no debate hoje”, já que o Governo tinha maioria absoluta. Joaquim Rocha Afonso classificou ainda o debate desta segunda-feira entre Luis Montenegro e Pedro Nuno Santos enquanto uma “vergonha”.
O cabeça de lista do Nós Cidadãos, defende que o Parlamento deve ser aberto a “grupos da sociedade civil que não sejam partidos” e apela a uma “estrutura ágil” do Estado português baseada em funcionários públicos em vez de “boys do PS e do PSD”. Acusa mesmo os partidos de “dominar determinados setores do Estado”, colocando “todos os que têm cartão da cor do seu partido nos Ministérios”.
O líder do Nós Cidadãos entende que “Portugal está num beco sem saída”. “A nossa economia deixou de ter setor primário e secundário”, acusa, lembrando que atualmente não há construção naval, pesca e agricultura.