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David Costa veio a Portugal para participar no Les Dîners Sofitel inserido Fashion-Art-Food&Wine Festival
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David Costa veio a Portugal para participar no Les Dîners Sofitel inserido Fashion-Art-Food&Wine Festival

David Costa veio a Portugal para participar no Les Dîners Sofitel inserido Fashion-Art-Food&Wine Festival

David Costa, chef do estrela Michelin português na Califórnia. "Os americanos estão mais dispostos a provar e não têm problema em pagar"

Há sete anos nos EUA, tem saudades de jantar em família, de andar a pé e de um bom enchido. Mas a vida segue americana: por lá formou família e lançou 3 projetos, que são uma ode às nossas comidas.

17 de novembro de 2016, Nova Iorque. Um chef português sobe ao palco para receber um prémio que estava longe dos seus planos: o Adega, projeto gastronómico que David Costa tinha lançado há dez meses, em San José, capital do Silicon Valley, na Califórnia, conquistava uma estrela Michelin. Uma vitória puxa a outra: sem querer, estava aos comandos do primeiro restaurante daquela cidade a receber esta distinção, tornando-se, em simultâneo, no único projeto dedicado à gastronomia tradicional portuguesa nos Estados Unidos a fazer parte do prestigiado guia.

Sete anos depois, a família gastronómica portuguesa desta cidade — da qual, no início, fazia também parte a chef luso-descendente Jéssica Carreira — cresceu: além do fine dining, onde David Costa recria pratos portugueses, mantendo-se fiel a todos os seus sabores, nasceu a Pastelaria, em 2019, e o Petiscos, em 2020. O primeiro traz à cidade californiana, onde fica também o Little Portugal, o nosso pão, pasteis de nata e outras doçarias típicas (há planos para abrir uma nova casa); já o segundo, foge da cozinha de autor e replica, em doses mais pequenas, as iguarias mais famosas da nossa cultura gastronómica, desde o arroz de pato à bifana.

Em outubro de 2022, David Costa — que trabalhou como sous-chef no Eleven, com Joachim Koerper, e no Assinatura, com Henrique Mouro — passou por Lisboa, para marcar presença no Les Dîners Sofitel, iniciativa que ganha vida no restaurante Le Matiz Lisbon, para a qual o chef cozinhou a 15 de outubro, apresentando alguns dos pratos que fazem ou já fizeram parte do menu do Adega. Inserido no Fashion-Art-Food&Wine Festival, que decorre no Sofitel Lisbon Liberdade até 26 de outubro, foi este o pretexto para o Observador se sentar com ele à conversa.

O Adega, de David Costa e Jéssica Carreira, foi o primeiro restaurante a ser distinguido com uma estrela Michelin em San José.

Há quanto tempo não vinha a Portugal?
Já não vinha quase há 1 ano e cheguei há uma semana. Aproveitei para matar saudades da família e dos amigos.

Neste regresso, havia alguma coisa que desejasse muito comer?
Aquilo que queria mesmo comer era a comida da mãe — a sopa da pedra da mãe.

Em 2016 ganhou uma estrela Michelin em San José com o Adega. Qual o impacto que esta distinção teve na forma como nos Estados Unidos, particularmente na Califórnia, se olha para a cozinha tradicional portuguesa?
Veem com bons olhos e isso é uma coisa que a cultura americana e asiática — temos muitas culturas, porque o Sillicon Valley fica em San José — tem de muito bom: todos eles têm a curiosidade e capacidade para provar o que não conhecem. É uma vantagem. Não têm medo daquilo que lhes é desconhecido — e não têm medo de pagar, desde que seja bom. O problema foi termos ganhado a estrela ao fim de 10 meses de estarmos abertos.

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Porque traz logo muita responsabilidade?
Porque não era um objetivo, pelo menos naquele momento. O objetivo era abrir um bom restaurante português — um bocadinho mais trabalhado, sem que os pratos sejam servidos na travessa — devolver um bocadinho aos portugueses que lá vivem as raízes gastronómicas portuguesas, sem pensar nas estrelas. O espaço onde está o Adega é aquele onde ficava o último restaurante português que existia em San José, que é onde fica a segunda maior comunidade portuguesa nos Estados Unidos. Não havia nenhum restaurante com estrela Michelin. Em São Francisco, que é perto, há muitos espaços distinguidos. Enfim, foi um pouco louco.

Quando nessa altura os clientes passavam pelo Adega sentia que eles sabiam de onde é que estavam a comer? Ou sentia que iam só à descoberta? É que há aquela ideia — um pouco preconcebida — de que muitos americanos não sabem sequer que Portugal existe.
Alguns iam à descoberta. Muitos já tinham estado a Portugal e muitos estavam para vir a Portugal. E hoje em dia cada vez mais. Mas, inicialmente, sim, havia essa curiosidade de provar comida portuguesa, que muita gente nunca tinha provado. Havia gente que nunca tinha comido bacalhau na vida.

Regra geral, gostam do bacalhau?
Uns gostam, outros nem por isso. Não é tanto pelo sabor, mas mais pela textura, porque é uma textura que nem sempre é fácil, depende da pessoa. Alguns voltaram, voltaram a comer e gostaram. É ganhar o hábito de comer uma coisa diferente.

Passados sete anos e com este boom de turismo à volta de Portugal, em particular Lisboa, sente diferença?
Sinto muita diferença. Quando começámos, havia só uma pessoa ou outra que vinham a Portugal. Hoje em dia, todas as semanas isso acontece. Tenho mesmo muitos clientes que este ano vieram a Portugal. Não sei se influenciados por nós, mas provavelmente por causa da comunicação à volta do país, de Lisboa e também muito do Porto. Tenho também muitos clientes a comprar casa em Portugal. Em termos de estações do ano, temperaturas, produtos, é um país muito parecido com a Califórnia.

Ainda assim, não sentiu dificuldade em encontrar produtos?
Inicialmente, sim, sentia dificuldade, até porque não conhecia lá ninguém — nenhum chef, nenhuma empresa, tive de ir à procura de tudo. Fomos usando aquilo que fomos encontrando. Ao longo do tempo fui percebendo que o produto aqui é melhor.

David Costa passou pelo Ritz, pelo Eleven e pelo Assinatura, antes de rumar à Califórnia com Jéssica Carreira, onde juntos abriram o Adega.

Porquê?
Talvez pelas terras, pela poluição em si. Os Estados Unidos têm mais poluição. Não consigo explicar bem. Mas, por exemplo, aqui em Portugal no tempo das laranjas e dos morangos sabemos que eles vão ser bons. Identificamos bem os produtos de época. O ponto positivo lá é que se encontro um morango biológico ou uma carne biológica, a produção é maior.

Pois, é um país muito maior, as quantidades são diferentes.
Sim. Além de muita quantidade, deixam tudo crescer até não dar mais. Esse é um aspeto que nem sempre é positivo. Às vezes quero uma alcachofra pequena — a Califórnia tem a maior produção de alcachofras do Estados Unidos — e não a consigo encontrar. Não apanham as mais pequenas. Tem de ser tudo grande. Depois, há pequenas empresas com produtos biológicos e afins em que já se consegue. Mas nesse aspeto é muito limitado.

É quase a caricatura dos EUA. É mesmo tudo à grande?
É mesmo. Os espargos brancos, quanto maiores e mais grossos, melhor. Tenho de pedir especificamente para me apanharem os mais pequenos. Não gosto dos grandes, pessoalmente. Têm mais raízes, é mais fibroso. Além disso, acabo por ter mais desperdício, porque vou ter de cortar e descascar mais. É uma coisa que não consigo entender.

O que é que as pessoas pedem mais no Petiscos?
Polvo à lagareiro e bacalhau.

Um português olha para a carta do Petiscos e não sente dificuldade em identificar dos pratos. Quais é que são as questões mais frequentes dos americanos?
Às vezes perguntam-me o que é que é bacalhau. É o mais engraçado. Também já me disseram que o arroz de marisco sabia muito a peixe — e eu expliquei que era normal. Acontece muito dizerem que sabe muito a peixe.

A relação com o peixe diferente?
Sim, é diferente. Para os Estados Unidos é impensável servir servir peixe com espinhas. No Petiscos servimos a sardinha inteira, com salada de pimentos assados, salada de tomate e batatas cozidas. E toda a gente adora. Mas é de facto impensável para o americano. Vamos a qualquer restaurante aos Estados Unidos e nada tem espinhas. Vem sempre tudo preparado para o cliente. Ainda assim, é uma coisa em que tenho notado mudança: as pessoas estão mais dispostas a provar e não tem problema em pagar — porque há poder de compra para isso. Tem é de ter qualidade.

"Há pessoas que vão lá [ao Petiscos] todas as semanas e dizem que é o melhor restaurante da cidade. Fico feliz porque é sinal de que estou a fazer um bom trabalho, a demonstrar a nossa cultura, a mostrar as minhas raízes, o meu país, aquilo que gosto de comer e de cozinhar. É fantástico."

Em 2019, quando explodiu a pandemia, tinha o Adega e a Pastelaria. O nosso setor da restauração sofreu muito. Do outro lado do Atlântico como foi?
Foi um bocadinho diferente. Houve mais apoios. O Petiscos ainda não existia. Tínhamos a Pastelaria, que esteve fechada algum tempo. Nesta altura, no Adega começámos a fazer comida com a cidade e para pessoas idosas a partir dos 65 anos — reformadas, algumas que não podiam sair de casa. Produzíamos 150 refeições, ao almoço e ao jantar, de segunda a sexta-feira. Depois ia uma empresa buscar e entregar às pessoas. Estivemos quase um ano e meio a fazer isto, até que a iniciativa acabou. Eles pagavam a comida e nós pagávamos a mão de obra. Foi bom, senti-me bem, fez-me também estar fora de casa — o que fez com que tivesse de fazer testes de covid praticamente todos os dias. Conseguimos ajudar muita gente que precisava de ajuda naquele momento.

O Petiscos nasce da vontade de tornar a cozinha tradicional portuguesa mais acessível e menos autoral?
É isso mesmo. Há pessoas que vão lá todos os dias e todas as semanas e dizem que é o melhor restaurante. Fico feliz porque é sinal de que estou a fazer um bom trabalho, a demonstrar a nossa cultura, a mostrar as minhas raízes, o meu país, aquilo que gosto de comer e cozinhar. É fantástico.

Com o Petiscos passou a ter outro tinha um fiel representante da comida portuguesa. Isso deixou-o experimentar mais no Adega?
Sim. Inicialmente, tínhamos carta e menu de degustação. Nesse menu, recriava pratos portugueses sem que eles perdessem identidade e sabor. Era transformá-los, sem destrui-los — é a minha forma de pensar a cozinha. Hoje em dia já faço mais mistura com produtos internacionais, mas continuo a fazer pratos bastante tradicionais seguindo este meu modelo — já fiz um cozido que não tinha nada que ver com um cozido, mas o sabor estava todo lá. Toda a gente adorava e dizia que não parecia nada um cozido, mas que tinha o sabor todo.

Do que é que sente saudades em Portugal?
Dos amigos, da família, da comida da mãe. Gosto de estar aqui. Também tenho saudades de um bom chouriço português da terra da minha avó. Tenho saudades de coisas pequeninas que lá não existem. Tenho muitas saudades de andar a pé. Em Lisboa andava sempre a pé praticamente, porque vivia a trabalhava no centro de Lisboa.

Do centro de Lisboa, não demoramos mais de 30 minutos para chegar a pé a qualquer lado.
É isso. A cidade também é mais pequena. Lá isto não existe. Em San José até demoro meia hora a pé para ir ao supermercado. Não é que seja longe e que eu não o possa fazer, mas à volta não há nada, só há casas e carros —  tenho de passar duas ruas com quatro faixas com automóveis para cada lado. É uma coisa de que tenho saudades cá. Andar a pé de um lado para o outro, encontrar-me com amigos, parar para beber um café.

Do que é que não tem saudades?
Da falta de respeito das pessoas. Na estrada, nos elevadores.

A garrafeira do Adega contém centenas de referências portuguesas.

Não é global o fenómeno das pessoas se transformarem quando estão a conduzir? Nos Estados Unidos isto não acontece?
Não. E são esse tipo de coisas que eu não suporto hoje em dia. Cheguei aqui ao aeroporto, pus-me em frente ao elevador e uns portugueses (ou europeus, europeus eram de certeza) passaram ao meu lado e puseram-se à minha frente. Não tinha pressa e não ia chatear-me com isso. E mesmo no trânsito, eu sei que as pessoas não fazem por mal. Mas não gosto e não sinto falta.

Diz-se que os portugueses ao almoço já estão a falar do que vão comer ao jantar. Sente diferença na forma como lá se pensa e sente a comida?
Já vai mudando, mas quando cheguei a San José tive a perceção de que nos Estados Unidos as pessoas comem porque têm de comer. Por isso é que também há muito fast food. Nos Estados Unidos não há aquela coisa de comer em casa com a família. Às vezes nem se sentam a comer — têm aquelas ilhas em casa e comem ali de pé. Comem e vão-se deitar (os horários também são diferentes). Eu também como porque tenho de comer, mas gosto de desfrutar do que estou comer. Mesmo em minha casa, não existe a cultura de sentar à mesa e comer. Mas agora que vai nascer a minha filha, quero que seja diferente.

É o primeiro filho?
A minha mulher já tem dois filhos, já crescidos, e às vezes digo que percebo que tenham a vida deles, mas que se estamos todos em casa, porque é que não comemos todos ao mesmo tempo? Acho muito importante: não perder oportunidades e momentos para desfrutarmos da companhia da família.

Há um fascínio internacional com o bacalhau. Não há mais e melhor para apreciar na cultura gastronómica portuguesa, considerando até que este peixe nem é pescado nas nossas águas?
Depende do ponto de vista e da pessoa. Há pessoas que fazem tudo para comer um bacalhau e há outras que fazem todas para comer um cozido. Mas concordo consigo, acho que há muito mais coisas.

Qual é o produto que não é devidamente valorizado?
Os nossos enchidos. Mas também percebo que os processos para os legalizar e ter licenças para os vender são muito caros para uma quantidade de produção muito pequena. Isso entendo. Mas acho que é uma das coisas que temos de bom e que poderíamos divulgar mais.

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