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Enzo Fernández nunca quis enganar ninguém. “O Benfica deu-me a oportunidade agora, creio que é uma boa oportunidade e vou aproveitá-la. Vou demonstrar todo o meu potencial na Europa, da mesma forma que o fiz no River Plate. Quando o Benfica me contactou, eu sabia que esta era uma porta grande para a Europa, que podia servir de trampolim para crescer num clube ainda maior”, disse o jogador argentino ainda em Buenos Aires, em julho, na antecâmara da viagem para Lisboa e da transferência para o Benfica. Seis meses depois, o salto no trampolim pode estar perto de se concretizar. Ou não.
Na sequência do Mundial, onde foi eleito o Melhor Jogador Jovem, Enzo Fernández passou a ser pretendido por vários tubarões europeus e o Chelsea não demorou a lançar-se para a liderança da corrida pelo argentino. Sempre de forma verbal e nunca com propostas formais, os ingleses deram a entender que pretendiam cobrir e superar a cláusula de 120 milhões de euros — até voltarem atrás nessa intenção. E atualmente, já em janeiro e depois de o médio ter faltado a dois treinos após ter ido passar o Ano Novo à Argentina sem autorização, é impossível antecipar o desfecho das negociações.
Uma viagem transatlântica à boleia da saída da Libertadores e a afirmação sem reservas
Se a eventual saída de Enzo Fernández ainda durante o atual mercado de inverno está a tornar-se uma verdadeira novela, é preciso recordar que os contornos de filme de Hollywood com o argentino enquanto protagonista começaram ainda antes da chegada ao Benfica. Durante o verão e já após a ida de Darwin para o Liverpool, o jovem médio foi o principal nome da janela de transferências em Portugal. De um momento para o outro, os adeptos encarnados estavam a torcer pela eliminação do River Plate na Taça Libertadores.
Entre avanços e recuos, entre declarações de responsáveis argentinos que chegaram a garantir que Enzo ia ficar em Buenos Aires e a ideia clara de que o Benfica olhava para o médio como uma das contratações cruciais no planeamento da temporada, entre a possibilidade de só chegar em janeiro ou de se mudar de imediato, prevaleceu a vontade do jogador. Depressa se percebeu que Enzo, no tal cenário de eliminação do River Plate, aceitava prolongar uma temporada que já ia longa para atuar na Liga dos Campeões desde o início e lançar-se na convocatória para o Mundial do Qatar.
“Dá-me muita confiança.” Enzo, um MVP que chegou, foi titular, marca golos e já quebra recordes
E os astros, se traíram o River Plate, ajudaram o jogador. Os millonarios foram eliminados pelo Vélez Sarsfield a 6 de julho e, no dia 11 do mesmo mês, Enzo Fernández já estava a falar assumidamente sobre o Benfica, a Europa e trampolins. Assinou por cinco anos e por 10 milhões, estreou-se oficiosamente num particular contra o Nice e oficialmente na 3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões contra o Midtjylland, marcando desde logo um golo.
De lá para cá, tornou-se uma peça fulcral na equipa de Roger Schmidt. O Benfica só perdeu um jogo oficial desde o início da temporada — e foi sem ele, na passada sexta-feira, com o Sp. Braga –, é líder isolado do Campeonato e está nos oitavos de final da Liga dos Campeões depois de vencer um grupo onde estavam PSG e Juventus. E Enzo, com três golos e quatro assistências ao longo de 25 partidas, é a figura maior dos encarnados.
Absolutamente imprescindível para Schmidt, foi quase sempre titular, cumpriu quase sempre os 90 minutos e só falhou um jogo por castigo, na última jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões contra o Maccabi Haifa, depois de ter visto um segundo cartão amarelo na partida anterior. Aos 21 anos, a impressionar em Portugal e já lançado para o prémio de melhor jogador da temporada na Primeira Liga, foi naturalmente convocado por Lionel Scaloni para o Mundial do Qatar. Uma convocatória que se tornou um ponto de viragem.
O Mundial conquistado no Qatar e as primeiras abordagens do Chelsea
Enzo Fernández nem sequer foi opção primordial nos primeiros dias do Campeonato do Mundo. Foi suplente utilizado contra a Arábia Saudita e o México (sendo que, frente aos mexicanos, marcou um grande golo) e só conquistou a titularidade contra a Polónia, na última jornada da fase de grupos. A partir daí, porém, foi sempre a subir: não voltou a sair do onze inicial e nem sequer perdeu mais um minuto, cumprindo todos os instantes dos oitavos de final contra a Austrália, dos quartos de final contra os Países Baixos, das meias-finais contra a Croácia e da final contra França.
A 18 de dezembro, há menos de três semanas, Enzo sagrou-se campeão do mundo ao lado de Messi, Di María, Otamendi e companhia, subindo a um dos degraus mais ambicionados do futebol com apenas 21 anos. Adicionalmente, e sem espaço para grandes surpresas, foi eleito o Melhor Jogador Jovem do Mundial — e todos os adeptos do Benfica souberam, no instante daquela fotografia ao lado do Melhor Jogador, Messi, do Melhor Marcador, Mbappé e do Melhor Guarda-Redes, Martínez, que estavam criadas as condições perfeitas para um mercado de inverno muito agitado.
Os rumores começaram antes ainda de o argentino regressar a Portugal. De forma natural, entre o que fez no River Plate, o que fez no Benfica e o que fez no Mundial, Enzo Fernández tinha muitos pretendentes na Premier League: com o Manchester United, que ficou sem as obrigações orçamentais ligadas a Cristiano Ronaldo, e o Liverpool, que precisa de reforçar o meio-campo, a surgirem na pole-position das negociações. Uma pole-position que depressa mudou de mãos.
Com o passar dos dias — até porque, mais uma vez, o Campeonato do Mundo só terminou há menos de três semanas –, o Chelsea posicionou-se enquanto o clube com intenções mais sérias e práticas em relação ao médio argentino. Confrontado com as expectáveis abordagens iniciais, o Benfica remeteu os ingleses para a cláusula de 120 milhões de euros. A posição dos encarnados, personalizada através de Rui Costa, é irredutível: Enzo Fernández só sai por 120 milhões de euros ou um valor superior.
“Não sou obcecado por dinheiro, sou obcecado por vitórias. O segredo está em consegui-lo mantendo o equilíbrio financeiro. No Benfica, trabalhamos para os títulos. A parte financeira é um meio, não é um fim”, explicou o presidente encarnado em entrevista recente ao jornal A Bola, respondendo com um assertivo “certo” quando questionado sobre se o médio argentino seria vendido a troco dos 120 milhões da cláusula.
O problema? O Chelsea parecia estar disposto a bater a cláusula de rescisão. Sempre de forma verbal e nunca através de uma proposta formal, os ingleses começaram por colocar em cima da mesa um acordo de 127 milhões de euros. Ou seja, um valor que faria de Enzo a maior transferência da história do futebol português — acima dos 126 milhões que o Atl. Madrid pagou por João Félix no verão de 2019 — e que também o tornaria no argentino mais valioso de sempre.
Com os valores a corresponderem ao pretendido pelo Benfica — ainda que, mais uma vez, sempre de boca e nunca por escrito — os encarnados iniciaram as negociações com o Chelsea e autorizaram Enzo e o empresário a fecharem também os detalhes pessoais com os ingleses. Detalhes que, à partida, ficaram acordados e são o que ainda resta de um negócio que já esteve praticamente fechado e que se afigura cada vez mais complicado.
O Ano Novo na Argentina e os dois treinos que ficaram pelo caminho
No meio de tudo isto, Enzo Fernández estava ainda a cumprir um curto período de férias na sequência da participação no Campeonato do Mundo e dos respetivos festejos com a Argentina depois da conquista do troféu. Voltou ao Seixal no dia 27 de dezembro, assim como Otamendi — mas já tinha largado a bomba anteriormente.
Ainda em San Martín, durante uma homenagem que lhe foi feita na cidade dos subúrbios de Buenos Aires que o viu nascer e crescer, começou por afastar os rumores de uma eventual transferência. “Não sei de nada. Quem se encarrega desses assuntos é o meu empresário. Estou focado no Benfica, temos um jogo importante nos próximos dias”, atirou, referindo-se à deslocação à Pedreira para defrontar o Sp. Braga, encontro que os encarnados perderam na passada sexta-feira. Logo depois, porém, anunciou que iria voltar à Argentina para “passar o Ano Novo com a família”.
Ora, não estava nem nunca esteve previsto que o plantel do Benfica tivesse dias de férias que permitissem ir à Argentina e voltar — até porque, já esta sexta-feira, há novamente jogo a contar para o Campeonato, na Luz, contra o Portimonense. A esfera encarnada foi totalmente apanhada de surpresa pelas declarações de Enzo, algo que ficou claro na conferência de imprensa de Roger Schmidt na antevisão da visita a Braga.
“Somos uma equipa de futebol profissional, as regras são iguais para todos os jogadores. É muito importante descansar entre os jogos, para todos os jogadores, para estarem prontos para o jogo seguinte. Não há exceções quanto a isso”, garantiu o treinador alemão. O médio foi titular contra o Sp. Braga, na primeira derrota oficial do Benfica na atual temporada, e mostrou-se a um nível bem abaixo do expectável e daquilo a que habituou os encarnados até aqui. Depois, ignorando a ausência de exceções e a falta de autorização do clube, foi mesmo passar o Ano Novo à Argentina.
Já esta segunda-feira, no segundo dia do ano, Enzo Fernández não se apresentou às ordens de Roger Schmidt no Seixal e falhou deliberadamente aos dois primeiros treinos do ano. Foi imediatamente colocado sob alçada disciplinar, arriscando uma multa pesada, e regressou ao grupo no dia seguinte e na sequência de um ultimato do Benfica. Pelo meio, e numa altura em que o jogador parecia estar já a forçar uma saída imediata para o Chelsea, as negociações entre os encarnados e os ingleses esfriaram.
De 127 para 90 milhões — e sempre sem propostas formais
Interrompidas entre o Natal e o Ano Novo, as conversações entre Benfica e Chelsea foram retomadas já em 2023. Por esta altura, os encarnados já sabiam que os ingleses pretendiam dividir os tais 127 milhões de euros em três ou quatro tranches, de forma a cumprir as regras do fairplay financeiro, e incluir parte do valor em cláusulas por objetivos. Com Jorge Mendes, o responsável pela mediação entre os dois clubes, em Londres, Benfica e Chelsea reuniram por vídeoconferência — e os portugueses foram surpreendidos com a novidade de que, novamente de forma verbal e sempre sem uma proposta formal, os blues pretendiam alterar as condições do negócio.
Desagradados com a mudança de ideias, a cúpula encarnada liderada por Rui Costa deu 48 horas ao Chelsea para a apresentação de uma nova proposta. E o Chelsea, mais uma vez informalmente, avançou com 90 milhões de euros pagos ao longo de quatro tranches e a cedência de três jogadores — Ziyech, marroquino que esteve no Mundial; Andrey Santos, acabado de contratar ao Vasco da Gama; e David Datro Fofana, que acabou de chegar do Molde da Noruega. O Benfica, em resposta, recordou que Enzo Fernández não sai por um valor abaixo dos 120 milhões de euros da cláusula de rescisão e deu a reunião como terminada.
Entretanto, já esta quinta-feira e na antevisão da receção ao Portimonense, Roger Schmidt foi o porta-voz da indignação encarnada em relação à postura do Chelsea — sem esquecer que o argentino não tinha autorização para viajar até Buenos Aires no Ano Novo, garantindo que o episódio não está resolvido e que existirão consequências. Resta saber se as consequências são aplicadas já esta sexta-feira, na Luz, contra os algarvios de Paulo Sérgio.
“Antes de tudo, o Enzo é boa pessoa e é um extraordinário jogador. Queremos que ele fique. Claro que a situação não é fácil. Jogou no Mundial, ganhou o Mundial, teve propostas e está muito dinheiro em jogo. O Enzo é um jogador jovem, é normal que esteja a pensar nisto e esteja confuso. Acho que todos podemos compreender. Não teve autorização para ir à Argentina, faltou a dois treinos… Não é aceitável e vai ter consequências mas não vou antecipar quais. Não queremos vendê-lo. Ele tem uma cláusula. Se quiser sair e alguém bater a cláusula, não podemos fazer nada. Há um clube que quer o nosso jogador e sabem que não queremos vendê-lo. Tentaram aliciar o jogador e sabem que só podem tê-lo se pagarem a cláusula. O que estão a fazer é um desrespeito, estão a deixar o jogador maluco. Fingem que querem pagar a cláusula e depois querem negociar. Não é assim que se tem boas relações entre clubes quando querem um jogador”, atirou o treinador alemão.
Que Enzo Fernández quer saltar para o tal trampolim de que falou em julho, já ninguém duvida. Que o Benfica vai fazer tudo para manter Enzo Fernández, é uma certeza. Que o Chelsea terá de oferecer 120 milhões ou mais para ficar com Enzo Fernández, é cada vez mais uma evidência. Agora, resta conhecer os próximos capítulos da novela: sendo que os encarnados correm o risco de prolongar as negociações durante semanas e ficar sem janela temporal para encontrar um substituto num mercado que encerra no final do mês. Mas será que o terão em campo e em pleno na receção ao Sporting, dia 15?.