Índice
Índice
[Esta é a quarta de cinco partes numa série sobre a origem dos nomes das frutas. Pode ler a primeira, a segunda e a terceira]
Manga
A mangueira (Mangifera indica) é originária da Índia, onde os indícios mais antigos do seu cultivo datam de 2000 a.C., tendo-se disseminado pelo Sudeste Asiático por volta do século V a.C. “Mangga”, o nome do fruto na língua malaiala, falada na região de Kerala, foi adoptado pelos portugueses que ali chegaram no século XVI e o transmitiram ao francês (“mangue”), inglês (“mango”) e demais línguas europeias.
Os portugueses também contribuíram para a difusão da manga em África e no Brasil – na verdade o cultivo da manga alastrou a quase todas as regiões tropicais e sub-tropicais e até às regiões com formas mais amenas de clima mediterrânico.
Existem hoje cerca de um milhar de variedades de manga – quase 300 só na Índia – com cores que cobrem diversas tonalidades de verde, amarelo e vermelho e pesos que oscilam entre os 140 gramas e os dois quilogramas. Uma das variedades mais apreciadas (e mais caras) é a Alphonso (também conhecida como a “rainha das mangas”), assim baptizada em homenagem a Afonso de Albuquerque, ainda que este se tenha notabilizado mais na arte de decepar mãos e cabeças do que na enxertia.
Nos hipermercados do Ocidente é mais frequente encontrar a variedade Tommy Atkins, cujo nome provém de Thomas Atkins, o fruticultor da Florida que a desenvolveu e que conseguiu vencer a oposição inicial dos que apontavam que era pouco saborosa e a sua polpa era demasiado fibrosa. Mas a lógica da produção em massa não é a dos gourmets e a Tommy Atkins tem as vantagens de ser resistente aos fungos e aguentar bem a manipulação e o transporte e armazenamento prolongado (a manga, como a banana, tem a vantagem de poder ser colhida verde e amadurecer durante o transporte e armazenagem).
A manga é hoje o 6.º fruto mais cultivado do mundo – sendo o ranking de produtores dominado pelo Sudeste Asiático, com cinco países no top 6: Índia (que representa 50% do total mundial), China, Tailândia, México, Indonésia e Paquistão. Em 7.º lugar surge o Brasil, onde, há pouco tempo, Tereza Cristina Corrêa da Costa, Ministra da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro, declarou, na Câmara dos Deputados, ser um país onde não se passa muita fome “porque nós temos manga nas nossas cidades”, o que abre radiosas perspectivas na erradicação da pobreza nas regiões tropicais e sub-tropicais através do cultivo de manga (aliás, estranha-se que ainda haja fome na Índia). Uma alternativa para combater a desigualdade social no Brasil seria arranjar mecanismos que evitem a perpetuação no poder de pessoas como Tereza Cristina, que é milionária e cuja família tem governado, directa ou indirectamente, o Mato Grosso do Sul nos últimos 100 anos e que representa menos os seus eleitores do que os interesses da agro-indústria.
Uva
A videira (Vitis sp.) foi uma das primeiras plantas a ser “domesticada” e, uma vez que as leveduras ocorrem naturalmente na casca das uvas, a produção do vinho não será muito menos antiga. A videira é originária da região do Cáucaso e há indícios do seu cultivo na Geórgia, em 6000 a.C.; o mais antigo vestígio arqueológico de uma adega remonta a 4100 a.C., na Arménia.
Na verdade, um pouco por todo o mundo, desde tempos remotos que o Homo sapiens se alimentou de uvas silvestres e preparou bebidas fermentadas a partir delas – há testemunhos dessa prática na China desde 7000 a.C.
A videira entrou no Egipto em 3000 a.C. e há provas de que o vinho, além de ser consumido pelos vivos, como noutras regiões, também fazia parte das provisões colocadas nos túmulos, a fim de que o defunto tivesse com que matar a sede no Além.
Terão sido os fenícios a ter papel decisivo na disseminação da videira e das técnicas de produção vinícola por toda a costa do Mediterrâneo, mas foi com o Império Romano que a produção de vinho ganhou sofisticação tecnológica e se desenvolveram novas castas e até começou a esboçar-se o conceito de região demarcada. A expansão da área de vinha foi tal que que, em 92 d.C., o imperador Domiciano se viu forçado a promulgar leis limitando a plantação de novos vinhedos na Península Itálica e determinando o arranque de vinhas nas províncias do Império, por as videiras terem tomado o lugar dos cereais, que eram menos lucrativos para os agricultores.
Um dos primeiros vinhos a ganhar reputação internacional foi o produzido, a partir do século IX, na cidade persa de Shiraz (hoje no Irão), cujo nome ficou imortalizado na casta de uvas Syrah (por vezes também grafada “shiraz” em inglês). As interdições ao consumo de álcool previstas no Corão não afectaram a produção de vinho em Shiraz e até ao século XIX continuou a ser uma das principais exportações da região para a Europa, mas a República Islâmica do Irão, estabelecida em 1979, professa um entendimento menos relaxado dos preceitos religiosos, pelo que é natural que a produção de vinho de Shiraz se tenha extinguido.
Convirá não confundir o “shiraz” com o “xerez”, que provém de Jerez de la Frontera, em Espanha (onde o cultivo da vinha terá sido introduzido pelos fenícios). O nome da cidade deu origem ao “jerez” espanhol, ao “xerez” português, ao “xérès” francês e ao “sherry” inglês (tendo este último sido adoptado pela maior parte das línguas do mundo).
“Uva”, que é também a designação espanhola e italiana, vem do latim “uva”. O francês “raisin” vem do latim “racemus”, que significava “cacho” (e que deu origem em português a “racimo”, um sinónimo pouco usado de “cacho”). A confusão entre fruto e cacho de frutos está também na origem do inglês “grape”, que provém de “win-grape”, do latim “vinea” = “videira” e do francês “grappe” = “cacho”. O alemão foi buscar “wein” à raiz latina “vinum” (“vinho”) e combinou-a com a palavra proto-germânica para cacho, “thrūbô”, para formar a designação “weintraube”. “Thrūbô” está também por trás do nome dado à uva pelos holandeses (“druif”), noruegueses (“drue”) e suecos (“druva”, neste caso talvez fazendo confluir as influências latina e germânica).
Além de poder ser consumida fresca ou fermentada e convertida em vinho, a uva é um fruto que se presta a ser consumido seco. Em inglês a passa é designada por “currant”, que vem do francês “reisin de Corauntz”, que designava as passas exportadas através da cidade grega de Corinto (Korinthos, em grego), cuja fama já vinha do tempo de Plínio o Velho, no século I.
Em inglês, as passas são também conhecidas como “Zante currants”, numa alusão à ilha grega de Zakynthos, afamada por produzir uma variedade de uva sem grainha e de pequenas dimensões e que, em tempos, foi um dos principais centros exportadores de passas. A língua inglesa abre oportunidade para equívocos ao designar também por “currant” o fruto de várias espécies de arbustos do género Ribes, originárias das regiões temperadas da América do Norte e Europa, que, em português, costumam ser incluídos sob a designação genérica de groselha (com a qual as bagas produzidas pelas plantas do género Ribes têm, com efeito, mais afinidades do que com a uva).
Nos dias de hoje, a produção de uvas – 70% da qual se destina ao fabrico de vinho – é liderada pela China, Itália e EUA e França. Portugal ocupa o 20.º lugar.
Romã
É desconcertante que os romanos tenham identificado a romã com os seus inimigos figadais, os cartagineses, designando-a por “mala punica” (maçã cartaginesa). Não só a origem da romãzeira (Punica granatum) estava muito longe de Cartago, na região montanhosa que se estende do Norte do Irão ao Norte da Índia, onde terá sido “domesticada” por volta de 5000 a.C., como, dois milénios depois, já era comum na Mesopotâmia e na bacia mediterrânica, nomeadamente na Palestina, Chipre, Peloponeso e Egipto. Ao mesmo tempo, expandiu-se para Oriente, alcançando a China, e, mais tarde, a Coreia e Japão.
Contrariando a designação dada à romã na Roma Antiga, alguns etimologistas portugueses dados a fantasias e a latinices criaram a ficção de que os romanos designariam o fruto por “mala romana” (maçã romana) e que daí derivaria a palavra “romã” – na verdade, é provável que esta derive antes do nome árabe do fruto: “rumman”.
A “romã” portuguesa não tem seguidores entre as restantes línguas europeias, que parecem ter ido buscar inspiração ao latim “pomo granatus”, ou seja, “fruto com [muitas] sementes”, gerando “granada” (espanhol), “magraner” (catalão), “granato” (italiano), “grenade” (francês), “pomegranate” (inglês), “granaatappel” (holandês), “granatapfel” (alemão), “granatæble” (dinamarquês), “granatepli” (islandês), “granateple” (norueguês), “granatäple” (sueco), “granattiomena” (finlandês) e “granat” (russo).
A teoria de que “pomo granatus” estaria antes associada à cidade de Granada, por, na Idade Média, esta ser afamada pela qualidade e abundância das suas romãs (o que justifica que o fruto faça parte do brasão da cidade), não parece ter fundamento, e o mesmo se passa com a etimologia que faz derivar o nome da cidade de “pomo granatus” – Granada virá antes do árabe “karnatha” (monte dos estrangeiros).
Os maiores produtores de romã da actualidade são os países da sua região de origem: Índia e Irão. São seguidos, a alguma distância, por Turquia, Espanha, Tunísia, Marrocos e Afeganistão (outro dos berços ancestrais da romã).
Tâmara
A tâmara é o fruto de uma palmeira, a Phoenix dactylifera, que é um parente próximo da Phoenix canariensis (palmeira-das-canárias), uma espécie originária das Ilhas Canárias e que é, por larga margem, a palmeira mais comum em Portugal (apesar de ter sido dizimada nos últimos anos por uma praga de escaravelhos, o Rhynchophorus ferrugineus). Porém, ainda que a P. canariensis também produza frutos, são bem menos apetitosos do que as tâmaras, pelo que a palmeira-das-canárias é cultivada apenas para fins ornamentais.
A Phoenix dactylifera é originária do Médio Oriente – possivelmente no Iraque – e encontraram-se vestígios do seu cultivo no Paquistão (7000 a.C.) e Península Arábica (5500 a.C.). A tamareira chegou depois à Índia e à bacia mediterrânica, sobretudo na sua margem meridional, dado a planta que é menos tolerante a Invernos frios do que a palmeira-das-canárias. O palmeiral de Phoenix dactylifera situado a latitude mais elevada é o de Elche, perto de Alicante, na Comunidade Valenciana, que terá sido iniciado pelos cartagineses e ampliado e melhorado pelos romanos e árabes; é um dos maiores do mundo, mas deixou de ter funções de produção e é agora encarado apenas como zona verde.
Os maiores produtores mundiais de tâmaras estão no Norte de África e Médio Oriente, sendo os três primeiros o Egipto, o Irão e a Argélia.
A palavra portuguesa “tâmara” vem de “támra”, a denominação do fruto em árabe hispânico, mas na maior parte das línguas da Europa Ocidental o fruto da Phoenix dactylifera tem outra raiz: o grego “dáktylos” (através do latim “dactylus”), que significa “tâmara” – e também “dedo” – e que deu origem a “dátil” em espanhol (que também admite “támara”), “datte” em francês, “dattero” em italiano, “date” em inglês, “dattel” em alemão, “dadel” em holandês e sueco, “daddel” em dinamarquês e norueguês. Há quem sugira que o fruto terá sido denominado “dáktylos” por ter a forma de um dedo, afirmação um pouco bizarra, já que as tâmaras têm forma oval ou de elipse alongada, estando mais próximo da forma de uma azeitona ou de uma bolota.
Kiwi
O facto de a maioria das pessoas associar o kiwi – o fruto das trepadeiras do género Actinidia – à Nova Zelândia, comprova a eficácia da campanha de marketing promovida pela agro-indústria neo-zelandesa. Acontece que as várias espécies de Actinidia são originárias da China, onde os seus frutos, conhecidos como “mihou tao” (“fruta dos macacos”) ou “yang tao” (“fruta do sol”), eram colhidos da natureza há muitos séculos. A planta só muito raramente era cultivada e o fruto não ultrapassava, então, a dimensão de uma noz, e os primeiros esforços sistemáticos para “domesticar” a espécie – cujo fruto fora, entretanto, baptizado pelos anglófonos como “Chinese gooseberry” (“groselha chinesa”), – só foram empreendidos na Europa no final do século XIX, sem grande sucesso.
Foi na Nova Zelândia, onde o fruto foi introduzido em 1904, que foram obtidos melhoramentos apreciáveis, graças aos esforços de Alexander Allison e Hayward Wright (que desenvolveu a variedade Hayward, que hoje é dominante) e foram iniciadas – em 1934 – as primeiras plantações comerciais, pelo que há que atribuir mérito aos neo-zelandeses por terem investido num fruto que o seu país de origem tinha, até então, desprezado.
Entretanto, o fruto da Actinidia sp. foi conhecendo vários nomes, como “hairy berry” (“baga peluda”) e “melonette” entre os anglófonos, e “souris végétale” (“rato vegetal”) entre os franceses. Há que admitir que eram escolhas desastradas e que “kiwifruit”, cunhado em 1959 pela firma agrícola neo-zelandesa Turners & Growers, tem maior apelo comercial – e não só faz referência à ave nacional da Nova Zelândia (com cuja forma e cor tem afinidades), como tinha, à data, a vantagem de permitir contornar as barreiras alfandegárias impostas pelos EUA a todo o tipo de “berries” e “melons”.
O nome “kiwi” enfrentou algumas resistências iniciais, mas acabou por impor-se em todas as línguas, com um ou outro pequeno ajustamento ortográfico – em Portugal, os puristas defendem a forma “quivi”, enquanto no Brasil é corrente “quiuí”.
A aceitação do fruto nos EUA e Europa foi crescendo ao longo das décadas de 1960 e 1970, graças a uma política concertada dos produtores e do Estado neo-zelandês e o país afirmou-se rapidamente como o principal exportador mundial. Entretanto, o resto do mundo também se lançou na corrida ao cultivo do kiwi e a Nova-Zelândia é actualmente o 3.º produtor, atrás da China (que representa mais de metade da produção mundial) e da Itália. As espécies comerciais mais relevantes são a Actinidia deliciosa e, com menor expressão, a Actinidia chinensis.
O fruto é rico em vitamina C (a variedade Zespri SunGold contém três vezes mais vitamina C do que a laranja), mas pode provocar reacções alérgicas aos paladinos de fruta “antiga” e “nossa”, já que provém dos antípodas e foi “inventado” há menos de um século.
Maracujá
É o fruto da Passiflora edulis, uma trepadeira originária do Paraguai, Nordeste da Argentina e Sul do Brasil e cujo cultivo se expandiu por muitas regiões subtropicais, nomeadamente Califórnia, Florida, Hawaii, Austrália, Equador, Colômbia, Venezuela, Índia, Filipinas, Indonésia e China. A variedade flavicarpa tem casca amarela e pode atingir a dimensão de uma toranja.
O maracujá, como boa parte das outras espécies do género Passiflora (flor-da-paixão), que engloba meio milhar de espécies, possui flores em que os missionários no Brasil, na falta de material didáctico mais apropriado à catequização dos índios, apresentaram como uma representação vegetal dos elementos da Paixão de Cristo: a coroa de espinhos e os três cravos da crucificação (os três pistilos). A interpretação teológica dos jesuítas viu também nas cinco pétalas e cinco sépalas dez apóstolos (dos doze descontando, astuciosamente, Pedro e Judas Iscariote) e nos cinco estames as cinco chagas de Cristo – quando há flores com estes predicados, as Bíblias quase deixam de ser necessárias…
O fruto tem o nome de “maracujá” em português e italiano e “maracuyá” em espanhol, a partir do tupi “mara kuya” ou “mborukuya”. Em espanhol, a planta tem o nome de “pasionaria”, devido à associação com a Paixão de Cristo, e noutras línguas o próprio fruto ganha essa conotação: é o caso de “passion fruit”, em inglês, de “passionsfruit” (mas também “maracuja”), em alemão, de “passionsfrukt, em sueco, ou de “fructul pasiunii”, em romeno.
Em francês, o maracujá é designado por “grenadille”, do espanhol “grenadilla” (pela semelhança com uma granada); porém, este termo espanhol designa o fruto de outra espécie do género Passiflora, a P. ligularis, originária da zona andina do Peru, Bolívia e Colômbia. Tendo criado a confusão, os franceses tentam manter a distinção entre as duas espécies chamando ao fruto da P. ligularis “grenadelle” ou “grenadille douce”.