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Dia 12 de dezembro de 2024. A poeira ainda não tinha assentado. Após a ida para Moscovo do Presidente deposto Bashar al-Assad, os líderes do novo regime do país, pertencentes ao grupo islâmico Organização de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham ou HTS, em árabe), estavam a tentar perceber que passos dariam para estabilizar o país e para ganhar a confiança da comunidade internacional. Mas naquele dia receberam em Damasco um dos homens mais influentes da Turquia: o líder das secretas, Ibrahim Kalin. O aliado do chefe de Estado Recep Tayyip Erdoğan encontrou-se com os novos dirigentes políticos da Síria e visitou também a mesquita Umayyad — uma das mais antigas e com especial importância no mundo islâmico. À sua espera, nessa visita, estava uma multidão de sírios envergando a nova bandeira.
Mais do que uma simples visita de cortesia, a ida de Ibrahim Kalin a Damasco tinha dois propósitos: mostrar que a Turquia estava ao lado do novo regime e que Ancara queria ganhar um novo aliado no Médio Oriente. A Turquia — que durante a guerra civil síria apoiou algumas das fações abertamente contra Bashar al-Assad — está a encarar a queda do antigo Presidente como uma vitória da qual espera agora retirar dividendos. Há mesmo suspeitas de que a liderança turca (juntamente com o Ocidente) apoiou o golpe de Estado do HTS, um dos antigos braços armados do grupo extremista Al-Qaeda, com o qual entrou em rota de colisão em 2016.
No entanto, a Turquia não é o único país a cortejar o novo regime sírio — e tem um concorrente com que mantém uma relação tensa. Um dos principais players do Médio Oriente, a Arábia Saudita, também está a exercer a sua influência junto do HTS. Prova disso é que esta quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Assaad al-Shibani, e da Defesa, Marhaf Abu Qasra, do novo regime visitaram Riade, na sua primeira visita oficial desde que chegaram ao cargo a 8 de dezembro.
O tom do chefe da diplomacia sírio sobre esta visita foi particularmente elogioso. Assaad al-Shibani escreveu no X que aspirava “abrir uma nova e próspera página nas relações entre a Síria e a Arábia Saudita, condizentes com a longa história partilhada entre os dois países”. Com Bashar al-Assad, as relações entre Damasco e Riade foram quase sempre complicadas, ainda que se tenha assistido a uma normalização em 2023. Mas agora, contrariamente ao que acontecia com o antigo Presidente, a liderança saudita sabe que pode ter o regime do HTS um verdadeiro aliado contra os seus inimigos regionais: o Irão e os movimentos ligados à Irmandade Muçulmana, com os quais a Turquia mantém boas relações.
وصلت منذ قليل للمملكة العربية السعودية الشقيقة برفقة وزير الدفاع مرهف أبو قصرة ورئيس الاستخبارات العامة أنس خطاب، من خلال هذه الزيارة الأولى في تاريخ سوريا الحرة، نطمح إلى أن نفتح صفحة جديدة ومشرقة في العلاقات السورية السعودية تليق بالتاريخ العريق المشترك بين البلدين.
— أسعد حسن الشيباني (@Asaad_Shaibani) January 1, 2025
No seio da comunidade internacional, o novo regime está, neste momento, a manter uma política externa aberta a todos. “O novo governo sírio está a tentar estabelecer boas relações com praticamente todos”, diz ao Observador o professor emérito de Governança e Política na Universidade George Mason, Mark Katz, ressalvando, no entanto, que há uma exceção: “O Irão”. O motivo? Teerão era um dos maiores aliados de Bashar al-Assad e o HTS, rompendo com o antigo regime, está a tentar distanciar-se da esfera de influência iraniana.
Para a Turquia, a Arábia Saudita e até Israel, que veem o Irão como um inimigo geopolítico regional, esta desvinculação ao regime iraniano é olhada com satisfação. No Ocidente, o sentimento não é muito diferente, mesmo que até se considere o HTS um grupo terrorista.
E na Europa, há um país bastante interessado em manter relações com o novo regime: a Ucrânia. Apesar de estar concentrada na guerra contra a Rússia, a liderança ucraniana deseja que a Síria se converta numa das principais parceiras de Kiev, esperando que isso também diminua a influência do Kremlin no Médio Oriente. E, no melhor dos cenários, prejudicar o regime iraniano, que tem servido como um dos principais patrocinadores do esforço de guerra russo.
Turquia. A estratégia “neo-otomana”, os curdos e a vantagem face à Rússia
A queda de Bashar al-Assad alterou as dinâmicas do Médio Oriente. As repercussões serão especialmente sentidas nos países mais próximos, um deles a Turquia, o país que partilha 900 quilómetros de fronteira com a Síria. Durante a guerra civil síria, em que Ancara participou apoiando milícias contra o Presidente deposto, milhares de refugiados e opositores ao antigo regime fugiram para território turco.
Perante o fim do antigo regime e tendo em conta o auxílio que prestou à população que sofria às mãos do regime impedioso de Bashar al-Assad, a Turquia apresenta-se agora como a principal “protetora” do novo regime sírio. O ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Hakan Fadan, já deixou bem claro que é esse o papel que deseja desempenhar. “Seja uma maioria ou uma minoria, seja quem for — alauitas, alevis, iazidis, cristãos, qualquer um — a Turquia é a sua protetora e guardiã”, declarou o chefe da diplomacia esta quinta-feira, numa conferência de imprensa ao lado do seu homólogo belga, Bernard Quintin.
Para além disso, Hakan Fadan prometeu que ajudará na reconstrução da Síria, um país destruído após anos de uma guerra civil e que está numa profunda crise económica. O chefe da diplomacia de Ancara assegurou que também apoiará a segurança do novo regime. Nesta senda, já foi anunciado um acordo militar entre o Ministério da Defesa turco e o novo regime. Os detalhes ainda não conhecidos, mas fontes daquela tutela turca assinalaram ao jornal Daily Sabah que a”cooperação na Defesa” com a Síria “é essencial para reforçar a segurança” da Turquia, assim como para “garantir a paz regional”.
As ligações com o novo regime sírio não são apenas uma forma de ganhar um aliado contra o Irão. A Turquia tem outros interesses. Um deles é, como escrevem os analistas israelitas Yaakov Lapin e Tal Beeri, pertencentes ao think tank Alma Research and Education Center, fazer com que as forças separatistas curdas “se distanciem da fronteira turca”, cortando a “ligação entre as Forças Democráticas Sírias” (apoiadas pelos Estados Unidos) e os curdos que habitam no sul da Turquia.
Uma maior autonomia dos curdos, um grupo étnico sem Estado e cujas fações mais radicais desejam o estabelecimento de um país entre o sul da Turquia, norte da Síria e Iraque através da luta armada, é algo mal visto pela presidência turca, entrando em rota de colisão com a retórica mais nacionalista adotada por Recep Tayyip Erdoğan. Por sua vez, o Ocidente, depois da queda de Bashar al-Assad, ainda não definiu qual será o futuro das milícias curdas em território sírio, que durante anos combateram um inimigo em comum em território sírio e iraquiano: o autoproclamado Estado Islâmico.
No entanto, Recep Tayyip Erdoğan já deixou bem claro que a Turquia não quer ver qualquer colaboração “com organizações terroristas” na Síria, nomeadamente o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, sigla em turco), esperando enfraquecer aquele grupo considerado terrorista também pela União Europeia. Ao lado da ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, no passado dia 20 de dezembro, o Presidente turco sublinhou que o PKK será “aniquilado” num futuro próximo, tal como preconizou que vá acontecer com o autoproclamado Estado Islâmico.
Annalena Baerbock — e o Ocidente — estão a tentar moderar o Presidente turco. Ainda que reconheça os desafios de segurança que a Turquia enfrenta por causa do PKK, a ministra alemã lembrou que os grupos curdos devem ser “desarmados e integrados na estrutura de segurança nacional” do novo regime da Síria. Por agora, o HTS tem-se afastado da retórica mais agressiva turca; ainda esta terça-feira, o líder do novo regime, Ahmed al-Sharaa, encontrou-se com dirigentes curdos.
A reunião, que serviu para “criar as bases para um processo de diálogo”, foi “positiva”, relataram fontes presentes no encontro à Agence France-Presse. Ficaram prometidas mais reuniões no futuro para chegar a mais “entendimentos”. Ou seja, ainda que se mantenha leal à Turquia, o HTS tem tentado, para já, manter a unidade no país, afastando-se da ideia de que seria um estado satélite de Ancara. Esse é, segundo Yaakov Lapin e Tal Beeri, um dos objetivos de Recep Tayyip Erdoğan: “O estabelecimento de um Estado satélite sunita, que será parte de uma visão para restaurar o Império Otomano”.
Ganhar influência no Médio Oriente e transformar a Turquia na principal potência na região — como acontecia durante a vigência do Império Otomano — são objetivos que Recep Tayyip Erdoğan nunca escondeu. A Síria é um país em que poderá aumentar a sua influência, algo que dificilmente acontecia antes da queda dos Assad. Nessa altura, o Irão, que sai indiscutivelmente derrotado da queda do antigo regime, e a Rússia, que perdeu duas bases navais no Mar Mediterrâneo, eram os países que mais influenciavam a política em Damasco. Ora, isso agora mudou.
Em declarações ao Observador, Neil Quilliam, membro do think tank Chantam House e especialista em política do Médio Oriente, diz que a Turquia está agora a “tentar agir como mediadora entre o novo regime sírio e a Rússia”. Apesar da ligação entre o regime de Bashar al-Assad e Moscovo, Ahmed al-Sharaa indicou, numa entrevista, que o HTS “não quer que a Rússia saia da Síria de uma forma que mine a relação com o país”.
Ora, a Turquia, para Neil Quilliam, vai desempenhar um papel de intermediária, em que ouve os interesses da Rússia e comunica-os ao novo regime. É, no fundo, uma inversão dos papéis. No regime de Bashar al-Assad, acontecia o contrário: os diplomatas russos faziam chegar os desejos turcos ao antigo Presidente. “Ancara pode servir agora como intermediária a Moscovo para chegar a Damasco. O mesmo é provável que aconteça com o Irão. Com parceiros e aliados a quererem aumentar a influência em Damasco, Ancara tem agora vantagem face a Moscovo e a Teerão”, refere num artigo Galip Dalay, analista do Chantam House.
Arábia Saudita. Ganhar um aliado à custa do Irão e a imagem de tranquilidade do HTS no Médio Oriente
Foi a primeira deslocação oficial dos membros do HTS a um país estrangeiro depois de chegar ao poder — e o valor é mais do que simbólico. A Arábia Saudita também está a tentar convencer o novo regime sírio de que é um parceiro confiável. Como realça ao Observador Mark Katz, o facto de o novo governo “reforçar os laços com a Arábia Saudita também pode ajudar o novo governo sírio a evitar ser demasiado dependente da Turquia”, mesmo que também queira “manter boas relações” com Ancara.
Definindo-se como a principal potência regional do Golfo Pérsico, a Arábia Saudita está mais longe da Síria do que a Turquia. Mas, ideológica e economicamente, Riade também ambiciona exercer uma forte influência sobre Damasco. “A Arábia Saudita quer determinar a orientação do novo regime sírio e isso significa moderar a sua orientação islâmica”, começa por dizer Neil Quilliam. Com ligações no passado à Al-Qaeda e a grupos radicais, a coroa saudita pretende que o HTS se afaste dessas ideais mais radicais.
Outros objetivos da Arábia Saudita em aproximar-se do novo regime sírio consiste em “cessar o fluxo” da Síria para o Golfo Pérsico de captagon — a droga ilegal que, durante anos, o regime de Bashar al-Assad produziu e exportou em massa para sustentar financeiramente a elite síria, numa economia paralela que, na prática, transformou o país num autêntico narco-estado.
E ainda há a questão económica. Tal como a Turquia, a coroa saudita olha para a possibilidade de reconstruir a Síria como uma oportunidade. Neil Quilliam aponta que as empresas do país do Golfo Pérsico desejam obter “contratos” para serem as responsáveis pela reconstrução. Até Ahmed al-Sharaa, que passou a infância em Riade, já reconheceu que admira a economia saudita. “A Arábia Saudita tem um grande papel a desempenhar no futuro da Síria e orgulho-me de tudo o que já fez por nós”, realçou o líder da Síria numa entrevista.
Na reunião desta quinta-feira em Riade, o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Faisal bin Farhan Al Saud, reafirmou aos dirigentes do novo regime o “apoio” saudita para “tudo o que garanta a segurança e a estabilidade da Síria, ao mesmo tempo que preserva a sua soberania e independência”. “As duas partes discutiram formas de apoiar tudo aquilo que contribua para atingir um futuro próspero de segurança, estabilidade e prosperidade para a Síria e o seu povo. As discussões também se focaram em preservar as instituições estatais sírias, reforçar as suas capacidades e restaurar a Síria no lugar que lhe pertence nos mundos islâmico e árabe.”
The two sides discussed ways to support everything that contributes to achieving a prosperous future of security, stability, and prosperity for Syria and its people. The discussions also focused on preserving Syrian state institutions, enhancing their capabilities, and restoring…
— Foreign Ministry ???????? (@KSAmofaEN) January 2, 2025
Por tudo isto, Mark Katz considera que a aproximação da Arábia Saudita ao HTS é “especialmente importante” para o novo regime. “O que sugere é que um grupo que começou como um movimento jihadista deseja ter boas relações com o Estado árabe que lidera os sunitas”, afirma o especialista, aludindo ao esforço do grupo islâmico em apresentar-se como um intermediário moderado — deixando para trás qualquer ideia de estabelecer um califado e uma internacional islâmica, que possa pôr em risco as monarquias absolutas de vários Estados do Golfo Pérsico.
Neste contexto, além da “assistência económica” que pode providenciar ao novo regime sírio, Mark Katz destaca que o apoio saudita pode ser importante para que o HTS “estabeleça boas relações com outros Estados árabes sunitas”, como os Emirados Árabes Unidos, país que, salienta o especialista, é “particularmente cauteloso” a estabelecer relações “quando forças políticas islâmicas derrubam governos”. Ou seja, manter uma boa relação com a Arábia Saudita permite ao novo regime transparecer a ideia de que o Médio Oriente não será palco de uma nova Primavera Árabe.
Por conta das ligações que ainda mantém à Irmandade Muçulmana e a grupos sucedâneos, a Turquia não está tão bem colocada para transmitir essa mensagem de tranquilidade aos países do Golfo Pérsico, algo que a Arábia Saudita consegue fazer, pois diplomaticamente sempre tentou destronar a influência daquela organização islâmica e de todos os seus associados.
Se as ligações à Arábia Saudita se mostram proveitosas para o HTS, Riade também obtém vantagens com a sua proximidade ao regime sírio. Acima de tudo, em termos geopolíticos, ganha um aliado à custa do seu rival, o Irão. Ainda que as relações entre os dois países tenham melhorado nos últimos tempos, a coroa saudita não deixa de ver a Guarda Revolucionária Iraniana como uma ameaça política e ideológica. E a aproximação à Síria é também uma forma de diminuir a influência da Turquia, de que a liderança saudita sempre desconfiou, no Médio Oriente.
Ucrânia. Os objetivos de Zelensky e o meio para chegar ao Ocidente
A presidência ucraniana foi rápida a reagir. O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, enviou na passada semana uma delegação — composta pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo ministro da Agricultura — a Damasco, mesmo antes de vários países do Ocidente. O chefe da diplomacia ucraniana, Sybiha Andrii, garantiu aos líderes do regime do HTS que o país está “pronto” para ajudar a restaurar “a vida, a estabilidade e a segurança alimentar” em território sírio. “Esperamos que a Síria respeite o Direito internacional, incluindo a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. Esperamos que haja benefícios mútuos cooperando em várias áreas.”
Volodymyr Zelensky explicou, num discurso diário, que esta iniciativa demonstra a “liderança e agilidade” ucraniana na forma como gere a política externa. Essas qualidades, realçou o Presidente ucraniano, podem resultar em “desfechos positivos” para Kiev. “Temos a oportunidade de ajudar a restabelecer a estabilidade da Síria após anos da interferência da Rússia e isso vai indiscutivelmente apoiar os nossos próprios esforços para restaurar a paz para nós”, acredita o líder, que deseja restaurar as “relações diplomáticas e a cooperação económica com a Síria” em breve.
Today, I want to express my gratitude to the teams at the Ministry of Foreign Affairs of Ukraine and the Ministry of Agrarian Policy and Food of Ukraine for our delegation’s visit to Damascus – to the new Syria. I am looking forward to the ministers’ reports on the negotiations… pic.twitter.com/IIkfwvoXn8
— Volodymyr Zelenskyy / Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) December 30, 2024
Na opinião de Anne McElvoy, diretora-executiva do Politico, Volodymyr Zelensky quer igualmente “esfregar na cara do Kremlin” o “falhanço em salvar Assad, apesar de um compromisso militar russo bastante forte”. “Vem com o bónus de poder ter acesso a dados confidenciais das infraestruturas militares na Síria. Quando as notícias no campo de batalha são desanimadoras, mostra força diplomática, aumentando o moral”, considera a jornalista britânica num artigo escrito no jornal inews.
Pelo lado do HTS, uma aproximação à Ucrânia traz igualmente vantagens. Primeiro, em termos económicos e alimentares, Volodymyr Zelensky já enviou “500 toneladas de trigo ucraniano” para a Síria, no âmbito de um programa humanitário. Para o novo regime, essa iniciativa é uma bênção que acaba por ajudar a população.
Mas há mais um objetivo, este mais diplomático. Mark Katz explica que “a boa-vontade de o novo governo sírio em trabalhar com a Ucrânia pode ser parte de um esforço para melhorar as relações com os governos ocidentais”. A União Europeia e várias fações políticas norte-americanas (mesmo dentro do Partido Republicano) dão grande ênfase à vitória dos ucranianos frente aos russos, antigos aliados de Bashar al-Assad, no campo de batalha.
A Ucrânia pode, deste modo, servir como uma maneira de aproximar o HTS do Ocidente. “Boas relações com a Ucrânia também podem originar que Kiev atue e melhore os laços entre o novo governo sírio e Ocidente”, complementa Mark Katz.
Israel e as possíveis eleições daqui a quatro anos
Entre o Ocidente, há também uma questão que levanta algumas preocupações: como será a relação entre o grupo islâmico que governa a Síria e Israel? Por agora, as indicações que o HTS tem dado é que não pretende confrontar diretamente Telavive. À NPR, o novo governador de Damasco, Maher Marwan, esclareceu que o governo não tem “receio de Israel”. “O nosso problema não é com Israel. Não queremos envolvermo-nos em nada que ameace a segurança de Israel ou a segurança de qualquer outro país.”
Confrontado com os bombardeamentos israelitas após a queda de Bashar al-Assad, Maher Marwan desvalorizou a questão. “Israel pode ter sentido medo no início. Portanto, bombardeou um pouco”, refere o governador de Damasco, assegurando que quer ver uma “Síria livre” e “segura”: “Deve sentir-se segurança, não medo”.
Por todos estes esforços em manter boas relações mesmo com países que à partida seriam hostis, Neil Quilliam não tem dúvidas de que o novo regime está a fazer tudo para “reforçar o apoio político, diplomático e financeiro” um pouco por toda a parte. “Para esse fim, está a envolver-se com vários membros da comunidade internacional, que estão dispostos a apoiá-lo, como os Estados Unidos, a Turquia, os Estados árabes e do Golfo”, vinca o especialista, acrescentando que o HTS está “empenhado em capitalizar a boa-vontade que atualmente lhe está ser concedida”.
No entender de Neil Quilliam, o novo regime da Síria ambiciona ver-se livre “quer da influência da Rússia, quer do Irão” (ainda que não feche portas completamente a Moscovo). Ignorando por agora motivações políticas ou ideológicas, todos aqueles que estejam disponíveis para o apoiar são bem-recebidos em Damasco.
Na política externa, a estratégia é óbvia. Internamente, desconhece-se, porém, quais serão os passos do governo de transição. Ahmed al-Sharaa referiu, numa entrevista, que redigir uma nova Constituição pode demorar até três anos e pode ser necessário mais um ano para a realização de eleições no país. O novo líder prometeu “não excluir ninguém” neste processo. O tempo dirá se manterá a sua promessa.