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Esta semana voltaram a viver-se dias difíceis nos aeroportos europeus e Lisboa não foi exceção com mais de 30 voos cancelados, a maioria da TAP. Numa mensagem enviada aos clientes, a presidente executiva da empresa reconhece que há uma crise no setor (bem diferente da que afundou o negócio da aviação nos últimos dois anos) e avisa que a situação não deverá melhorar nas próximas semanas. Mas Christine Ourmières-Widener poucas explicações dá sobre as causas, responsabilizando uma “séria limitação de recursos a nível global” que afetam a estrutura e os serviços complementares.

O verão do setor já arrancou há dois meses e tem sido marcado por atrasos e tempos de espera para embarcar e para sair dos aeroportos após a chegada ao destino. E, como se não bastasse, há greves no horizonte, como a da SNS Brussels e a da Ryanair estão ainda complicar mais a vida aos turistas, naquele que seria o primeiro verão “normal” depois de dois anos de pandemia terem terem esvaziado os aeroportos.

Os problemas já levaram dois grandes aeroportos europeus a reduzir a oferta prevista e a Easyjet, uma das principais companhias low-cost, a cancelar milhares de voos preventivamente para garantir a segurança e a qualidade da oferta. O diretor de operações da transportadora de baixo custo inglesa demitiu-se esta segunda-feira.

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Diretor de operações da Easyjet demite-se no meio de vaga de cancelamentos

“É frustrante para as pessoas e famílias que estão ansiosas por viajar, frustrante para as companhias, porque é o primeiro verão a sério depois do Covid, e frustrante para as agências de viagens e para nós”, admitiu o presidente executivo do aeroporto de Schiphol (Amesterdão), Dick Benshop, citado Associated Press.

Alguns números divulgados no passado fim de semana pela IATA (Associação Internacional dos Transportes Aéreos) ajudam a enquadrar o ponto de situação nos aeroportos europeus. A procura está ainda a 75% dos níveis registados em 2019, mas os atrasos atingiram 69% de todos os voos da Europa, o que corresponde a 5,2 milhões de minutos. O vice-presidente da IATA para a Europa, Rafael Schvartzman, sinalizou que os cancelamentos de voos diminuíram à medida que foram eliminadas as restrições impostas com a variante Ómicron, mas a partir de maio voltaram a aumentar.

José Lopes, o diretor-geral da Easyjet em Portugal, aponta a dificuldade de contratação, depois de dois anos a reduzir a força laboral para sobreviver, como a principal fragilidade que está a condicionar a retoma do setor.

Em setores da aviação faltam mais trabalhadores?

José Lopes identifica o maior problema não tanto nas companhias aéreas, mas nos prestadores de serviços em terra nos aeroportos, em particular nos setores do handling (assistência em escala) e segurança. São áreas que precisam “de muita mão de obra” e que durante a pandemia passaram pela maior crise de sempre. “Foram dois longuíssimos anos em que a operação esteve muito reduzida. Muita gente nestas empresas perdeu o seu posto de trabalho, e, como é óbvio, foram encontrar empregos em outros lados”.

Segundo André Teives, presidente do Sindicato dos Técnicos de handling dos Aeroportos (STHA), o setor perdeu 1.600 a 1.700 trabalhadores desde 2019, sobretudo pela não renovação de contratos a termo por parte dos dois operadores, a Groundforce e a Portway. No último ano já foram contratados cerca de 600 a 700 trabalhadores, mas o dirigente sindical admite que seriam necessários pouco mais de mil para responder às necessidades de retoma que, no caso da TAP, já se encontra a 90% do nível praticado no verão de 2019.

Apesar do pior da pandemia já ter ficado para trás, pelo menos nesta fase, a capacidade de resposta tem sido também afetada por surtos de Covid que continuam a provocar baixas imprevistas na tripulações e pessoal afeto à operação aeroportuária.

Quais os países mais afetados?

O epicentro parece estar nos grandes aeroportos do centro da Europa, como Schiphol, em Amesterdão, e Copenhaga, na Dinamarca, mas também no Reino Unido. O Brexit está a agravar as dificuldades de contratação, diz José Lopes, numa área onde grande parte dos trabalhadores são estrangeiros. Antes, apenas 2% das pessoas não conseguiam ser contratadas por falta de visto para trabalhar no Reino Unido, mas agora essa percentagem subiu para mais de 40%. “É uma pressão adicional sobre o mercado laboral”.

Mas a falta de mão de obra e a instabilidade laboral são um problema generalizado que está a afetar outros grandes aeroportos como Roma, Frankfurt, Madrid, Lisboa e Paris.  Só nos aeroportos de Orly e Charles de Gaulle, as necessidade de contratação por preencher estão estimadas em 4.000. Em Espanha, o aeroporto de Barcelona foi especialmente afetado pela falência da Spanair, companhia que tinha base naquele aeroporto, refere André Teives.

Porque está a ser tão difícil contratar trabalhadores?

De acordo com dados do Air Transport Action Group, um lobby da indústria da aviação, o setor perdeu 2,3 milhões de empregos durante a pandemia. E está a sentir muitas dificuldades em reconquistar os trabalhadores, sobretudo nas funções mais mal pagas e menos qualificadas. Em Portugal, o cenário não é tão grave como o vivido em grandes aeroportos do centro da Europa, onde o recurso a mão de obra estrangeira nestas funções é mais relevante. Mas, para “a nossa realidade nunca foi tão difícil contratar pessoas e depois retê-las”, realça André Teives do STHA.

Muitas pessoas emigraram e outras estão cá mas encontraram outros trabalhos e não querem voltar. O dirigente sindical refere também como obstáculo os salários que não são atrativos. Pessoas que estão a receber o subsídio de desemprego  não aceitam empregos onde recebem mais 100 a 15o euros, o que nem paga o custo de ir e vir do aeroporto.

Já José Lopes, da Easyjet, lembra que muitas das pessoas que estavam nestas atividades menos qualificadas foram trabalhar para as grandes superfícies onde os empregos também não são bem pagos. Mas se não é o salário, são os horários e a exigência física do trabalho que pesam.

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Alguns trabalhadores na Alemanha foram contratados pela empresa de retalho online Amazon e referem que “é mais confortável embalar um secador ou um computador do que enfiar uma mala de mais de 20 quilos no compartimento da bagagem de um avião”, sublinhou o presidente da associação alemã de handling, Thomas Richter, à Reuters. Um ex-funcionário da Air France, que saiu após 21 anos da empresa, contou à Reuters as suas reservas depois de aos 40 anos ter iniciado uma nova carreira como consultor e coaching na área do emprego. “Se não correr bem, não vou regressar ao setor da aviação. Há turnos a começar às 04h00 e outros a terminar à meia-noite. Pode ser muito extenuante”, explica Karin Djeffal.

O diretor-geral da Easyjet admite que o setor ficou associado a uma imagem de insegurança que não existia antes. Antes da crise, os empregos nas empresas que gravitavam à volta da aviação eram vistos como seguros, “creio que existe uma necessidade de reganhar a confiança. Estamos numa fase em que a capacidade das companhias aéreas ainda não chegou ao nível a que estava em 2019. As pessoas ainda olham com alguma desconfiança para o setor”.

A retoma chegou mais depressa do que o previsto?

Segundo as projeções da associação internacional IATA, o setor da aviação só irá retomar o nível de receita por passageiro/quilómetro em 2024. Mas a procura está em forte recuperação, ultrapassando os 80% do nível pré-crise com a capacidade disponibilizada pelas companhias aéreas a chegar aos 90% do valor de 2019 na Europa.

No entanto, o ritmo da recuperação é assimétrico e muito mais acelerado nos destinos de curto e médio curso e não nos trajetos ponto a ponto que são assegurados mais pelas companhias de baixo custo. As previsões da IATA, sublinha José Lopes, estavam mais orientadas para os voos de longo curso. Os percursos de médio e curto prazo já tinham mostrado ser mais resilientes durante a pandemia e agora lideram a retoma. O diretor-geral da Easyjet diz também que os operadores não esperavam que a infraestutura não conseguisse acompanhar a retoma e lembra o ceticismo com que foram recebidos os planos de forte aumento da oferta para o verão apresentados pela empresa.

O que estão os operadores a fazer?

Para além de tentaram reforçar a contratação, que implica ainda algumas semanas de formação antes dos contratados estarem operacionais, a resposta no imediato tem sido reduzir a oferta. O aeroporto de Gatwick, em Londres, vai cortar o número diário de voos de 900 para 825 em julho e 850 em agosto. A gestora do aeroporto londrino afirmou que estava a contratar mais 400 trabalhadores para ajudar os passageiros a passarem pelo controlo de segurança, mas que uma avaliação feita junto de todas empresas no aeroporto mostrava que a maioria continua a ter falta de mão de obra.

A Easyjet é a maior operadora em Gatwick e anunciou igualmente a supressão de milhares de voos este verão.  “Tivemos de olhar para a nossa operação e reduzir” para “garantir a segurança e a qualidade dos voos”, explicou o diretor-geral. José Lopes acrescentou, contudo, que o impacto em Portugal das supressões no verão é para já limitado e afeta apenas 8 voos.

A companhia Brussels Airlines anunciou esta segunda-feira o cancelamento de cerca de 700 voos entre julho e agosto para reduzir a carga de trabalho dos seus funcionários e evitar novas greves como a que teve lugar no final de junho Os cancelamentos equivalem a 6% dos voos programados para essa temporada e a Brussels Airlines estima perder cerca de 10 milhões de euros com a decisão, o que equivale aos prejuízos sofridos por causa da greve de pilotos e pessoal de cabine durante três dias em junho.

Também Schiphol na capital dos Países Baixos vai conter a oferta. Os planos de voos para julho contemplam cerca de 13.500 lugares por dia acima da capacidade do aeroporto e do pessoal que lá trabalha. “Temos de atuar já. Não é responsável da nossa parte ir para o verão e esperar pelo melhor. Somos responsáveis pelos passageiros, pelo pessoal e pela segurança e saúde”, afirmou o presidente executivo Dick Benshop.

Em Portugal, os problemas são os mesmos?

Apesar de existir cá também um problema de recrutamento para o handling e para a segurança — que é transversal a todo o setor — os grupos de trabalho criados têm conseguido minimizar esses impactos. “Não temos sentido em Portugal e ao nível do handling e da segurança essas dificuldades de contratação que afetem a operação” garante José Lopes. Mas ao mesmo tempo, “temos esta espada na cabeça que é não saber se a qualquer momento temos um problema no SEF”. Os efeitos do conflito social que rebentou com a decisão política, já adiada, de extinguir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras são uma das causas apontadas para as dificuldades vividas nos aeroportos portugueses.

As greves, convocadas ou de zelo (em que o controlo de passaportes é feito de forma deliberadamente lenta) é que estão a provocar perturbações na operação. É um problema de conflito social que, por enquanto, afetou mais as chegadas do que as partidas. “Apesar do problema reputacional, é um péssimo cartão de visita para quem chega a Portugal. Imagine um inglês que espera quatro horas no aeroporto de Lisboa pelo controlo de passaporte após aterrar depois de ter feito um voo de duas horas e meia”. O impacto seria maior se o controlo de passaporte atrasasse as saídas porque teria um efeito em cadeia e obrigaria as empresas a pagar compensações pelos atrasos nos voos subsequentes aos primeiros.

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O Governo pôs em marcha um plano de contingência, o qual prevê o reforço do número de inspetores do SEF no terreno, para além da mobilização de quadros da PSP para o controlo de passaportes. De acordo com dados do Ministério da Administração Interna, e depois do ministro José Carneiro ameaçar tomar medidas mais radicais caso os tempos de espera de horas se repetissem, os controlos de segurança normalizaram este fim de semana. Pelo menos até à próxima crise.

As greves vão voltar ao setor?

O fantasma da greve voltou por estes dias a assombrar a TAP depois de o sindicato dos pilotos ter rompido o processo negocial com a administração e que resultou numa redução de 10% no corte salarial aplicado a esta categoria, à revelia do sindicato dos pilotos (SPAC). Mas numa assembleia-geral realizada na semana passada, esse risco foi ultrapassado pelo menos no imediato.

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Mas isso não evita os impactos de outras greves no aeroporto de Lisboa e nos voos da TAP. Ryanair e SNS Brussels são algumas das companhias que já foram afetadas por greves no mês de junho. Neste fim-de-semana, a paralisação de vários trabalhadores nos aeroportos franceses, incluindo os bombeiros, resultou também em atrasos e cancelamentos de centenas de voos.

Greves cancelam e atrasam centenas de voos em Paris e Madrid

O problema é apenas o SEF?

Conforme já foi sinalizado pelo diretor da Easyjet, não são de excluir novos protestos, greves ou plenários por parte dos trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. No entanto, o sindicato dos trabalhadores do SEF aponta as culpas noutra direção, numa queixa recorrente de todos os que têm de trabalhar ou usar como passageiros o aeroporto de Lisboa. É uma “infraestrutura que está obsoleta, tem remendos e não se adequa às necessidades do país”.

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Companhias e trabalhadores sustentam esta queixa recorrente. José Lopes lamenta que os investimentos planeados para aumentar a capacidade e a eficiência de operações da Portela tenham parado durante a pandemia, considerando que têm de ser feitos mesmo que o futuro passe por um novo aeroporto de raiz. André Teives, do sindicato dos trabalhadores de handling, concorda que o aeroporto não tem espaço para receber mais mais passageiros. Não há falta de inspetores. A infraestrutura está esgotada há muito tempo.

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O aeroporto não tem espaço e a reorganização do circuito de circulação dos aviões e o reforço da área de estacionamento não avançou durante os anos de pandemia. Por outro lado, o número de passageiros este verão ainda está aquém dos 30 milhões que passaram pela Portela em 2019. E André Teives deixa uma nota de otimismo. “À boa maneira portuguesa, mesmo sem condições, conseguimos fazer autênticos milagres. Ainda bem que a nossa senhora de Fátima é portuguesa”. Mas a partir do próximo ano, já admitiu o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, a Portela poderá voltar a recusar voos por falta de capacidade.

Ministro das Infraestruturas admite que aeroporto de Lisboa comece a recusar voos no próximo ano

Apesar do regresso desta pressão da procura ao maior aeroporto do país, ainda não se sabe quando será tomada a decisão sobre a futura solução aeroportuária que chegou a ser anunciada na semana passada pelo ministro das Infraestruturas para horas depois ser revogada pelo primeiro-ministro. António Costa dá prioridade à procura de uma solução de consenso com o líder do PSD e mantém para já todas as portas abertas.

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