Há apenas alguns anos, este cenário era praticamente impensável: a economia brasileira, até recentemente uma das mais pujantes do mundo, encolheu 0,2% no primeiro trimestre de 2015. E corre agora o risco de cair em recessão técnica no segundo trimestre deste ano. Mas o que terá virado a tendência de crescimento do avesso? As respostas escondem-se por trás dos escândalos de corrupção que abalaram a confiança dos investidores, da desvalorização acentuada do real que contribuiu para uma inflação de 7,8%, muito acima do limite de 4,5% imposto pelo Governo brasileiro, de crises políticas agudas que caminham lado-a-lado com problemas orçamentais.
De 2004 a 2010, o país com cerca de 204 milhões de habitantes registou uma taxa de crescimento na ordem dos 4,5% anuais, segundo os dados do World Bank. Deu-se na altura o chamado “boom das commodities”, durante o qual cresceram as exportações de matérias-primas, sobretudo ferro, petróleo e açúcar. A China, que nesse período também cresceu a um ritmo acelerado, foi o principal destino das exportações brasileiras.
De 2011 a 2014, contudo, o ritmo abrandou e o Brasil cresceu apenas cerca de 1,6% por ano. Segundo a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) no primeiro relatório World Economic Outlook deste ano divulgado a 14 de abril, em Washington, a economia brasileira irá ter um crescimento negativo de 1,5% em 2015. Se for este o caso, o Brasil enfrentará a pior recessão desde 1990, altura em que a economia encolheu 4,3%.
As previsões do FMI apontam, contudo, para uma ligeira recuperação em 2016 com um crescimento de 1%.
O que levou a economia do Brasil a cair?
Marcel Grillo Balassiano, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, afirmou ao Observador que “o Brasil vive um momento muito complicado para a sua economia”. “O crescimento brasileiro nos últimos anos foi influenciado pelo cenário externo, nomeadamente o crescimento da China e o ‘boom das commodities’, e sustentado principalmente pelo consumo, calcado sobre a expansão do crédito“, explicou. Cerca de 50% do produto interno bruto (PIB) brasileiro é constituído por consumo privado, segundo escreve a The Economist.
O economista afirma que existe “um conjunto de fatores”, que caracterizaram uma “nova matriz económica” no Brasil, e que terá levado o país “a enfrentar esta recessão”. São três os principais grupos de fatores destacados por Marcel Grillo Balassiano, que visam explicar a queda da economia brasileira.
“Um dos motivos para o crescimento ser baixo é o investimento fraco“, explica Marcel Grillo Balassiano. “A taxa de investimento em 2014 no Brasil foi de 19,7% do PIB”, sendo que “alguns países vizinhos, que têm apresentado uma situação económica melhor do que o Brasil, também tiveram taxas de investimento superiores, como Chile (21,5%), Colômbia (24,5%) e Peru (28,2%), por exemplo”. Se, no Brasil, o investimento apresentou uma tendência positiva até 2013, em 2015 tem tido uma queda acentuada. A “confiança, tanto de empresários como de consumidores, encontra-se em baixo”, refere o economista do Instituto Brasileiro de Economia.
Para além da confiança, um outro fator que explica a queda do investimento no Brasil é o escândalo de corrupção que envolve a empresa petrolífera Petrobras. A paralisação dos gastos de investimento da empresa semi-pública, que é a maior investidora do país, pode custar até 1% do PIB brasileiro, segundo a The Economist. O rating da dívida empresa foi cortado a 24 de fevereiro pela agência Moody’s para o nível de “lixo” (“junk“).
O chamado “‘Custo Brasil’, que é um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e económicas” é um outro fator que compromete o investimento, explica o economista da Fundação Getúlio Vargas ao Observador. “Problemas como a alta carga tributária, dificuldades para se abrir um negócio, custos elevados de trabalho, burocracia excessiva, entre outros, dificultam o investimento e prejudicam a economia”, afirma.
“É necessário aumentar o investimento”, afirmou Marcel Grillo Balassiano. “Para isso, é preciso combater, para além dos problemas conjunturais (como a falta de confiança dos empresários, aumento das taxas de juros, que enfraquecem os investimentos), os problemas estruturais como o ‘Custo Brasil’. Corrigir as ‘contabilidades criativas’ que eram feitas no passado também é importante para dar uma credibilidade maior à política orçamental, que impacta positivamente o crescimento”.
Mas como se aumenta o investimento? Para o economista, “melhorar o ambiente de negócios e a relação com os investidores faz com que as taxas de investimento aumentem”. Isto irá posteriormente fazer “aumentar o PIB”.
Segundo sugerem os analistas do banco de investimento Morgan Stanley no relatório Spring Global Macro Outlook de abril deste ano, a economia no Brasil deverá recuperar em 2016 devido ao aumento da confiança, que impulsionará o investimento: “Acreditamos que a combinação de taxas de juro de longo prazo mais baixas, uma moeda mais fraca em termos reais e um fraco crescimento dos salários deva aumentar a confiança e consequentemente, o investimento.”
Em 2015, o Brasil registou uma inflação de 7,8%, de acordo com os dados do FMI. Este é um valor considerado preocupante já que ultrapassa a meta limite de 4,5% definida pelo Governo brasileiro. A inflação, que se reflete num aumento generalizado dos preços, tem sido causada pela erosão do valor da moeda brasileira, o real. Este fenómeno, poderá contribuir para a erosão do poder de compra dos trabalhadores brasileiros já que os salários não estão a acompanhar a subida dos preços.
De acordo com os dados divulgados na sexta-feira passada, 22 de maio, pelo ministro do Planeamento, Orçamento e Gestão do Brasil, Nelson Barbosa, este ano o real deverá desvalorizar cerca de 21% face ao dólar. No final de 2014, um dólar valia cerca de 2,66 reais. No final de 2015, espera-se que o valor aumente para 3,22 reais, afirmou o ministro segundo o Financial Times.
Depois da lira turca, o real brasileiro foi a moeda com a pior performance dos mercados emergentes mais significativos, escreve o jornal inglês, baseando-se num índice elaborado pelo banco de investimento J.P. Morgan.
Défice externo pressiona o real
A inflação tem tido origem no défice na balança de transações correntes, que tem afetado a economia brasileira de forma persistente. Este défice, 6,7% do PIB em 2014, segundo os dados da agência Bloomberg, torna o financiamento da dívida externa vulnerável ao atual declínio do real.
Por outro lado, a inflação encontra-se elevada, “entre outros motivos, por causa do mercado de trabalho ‘apertado’ sendo que a taxa de desemprego deve continuar baixa. Porém, o mercado de trabalho tem apresentado sinais de piora nos últimos meses”, afirma Marcel Grillo Balassiano.
O elevado nível de endividamento no Brasil agrava a situação económica do país. Nos últimos 10 anos, o crédito total ao setor privado passou de 25% do PIB para 55%, de acordo com o The Economist. O consumo das famílias brasileiras é em grande parte sustentado pela disponibilidade de crédito. De acordo com “O Relatório de Inflação” do Banco Central do Brasil (BCB) publicado em março, o saldo total de crédito às pessoas singulares aumentou 13,2% em relação a janeiro de 2014.
O Governo liderado por Dilma Rousseff está a apostar numa estratégia de austeridade para travar o aumento da dívida pública do país e recuperar a confiança dos investidores. Na passada sexta-feira, o ministro Nelson Barbosa revelou os cortes orçamentais que iriam ser concretizados para ir ao encontro das metas de austeridade definidas pelo Governo.
Os cortes nas despesas públicas de 2015 ascenderão a 22,6 mil milhões de dólares e serão acompanhados por um aumento de impostos sobre os lucros dos bancos, das corretoras e empresas que concedem cartões de crédito. O imposto, atualmente cobrado sobre 15% dos lucros, subirá para 20%, de acordo com a agência Bloomberg.
O ministro do Planeamento estimou, também, que a economia brasileira iria contrair-se em cerca de 1,2% este ano (medida em reais), em comparação ao ano passado. Se for este o caso, esta terá a pior performance em 25 anos, escreve o Wall Street Journal. O ministro das Finanças, Joaquim Levy, considerou que os cortes orçamentais deveriam ser mais severos.
O anúncio das medidas de austeridade fez com que os mercados reagissem imediatamente: no dia da divulgação, as cotações dos principais bancos brasileiros caíram na bolsa de São Paulo em 1,3%. No final da semana passada, a queda chegou aos 5%, registando a pior performance desde dezembro.
Existe agora um “maior intervencionismo do Estado na economia, uma grande utilização dos bancos públicos para aumentar o crédito, e o reprocessamento de preços (como de energia elétrica, gasolina, tarifas públicas de transportes, entre outras)”, explica o economista da Getúlio Vargas.
De acordo com a agência Bloomberg, estas medidas contribuem para um agravamento da situação económica do país, nomeadamente para a subida da taxa de inflação. Por outro lado, o Brasil não tem muito espaço para adoptar estímulos económicos financiados por dívida pública, explica a The Economist. Tanto as medidas de austeridade como as políticas mais “expansionistas” deixam a economia brasileira num impasse em termos de política orçamental.
O impacto da crise política
“Além dos problemas económicos, o Brasil também enfrenta outras crises, como a política“, explica Marcel Grillo Balassiano ao Observador. “Verificam-se ‘contabilidades criativas‘ na área orçamental que começaram no segundo mandato do Presidente Lula e intensificaram-se durante o primeiro mandato da Presidente Dilma”.
Em março, as ruas de 160 cidades brasileiras inundaram-se de protestos contra o Governo de Dilma Rousseff. Após ter sido reeleita “numa eleição bastante apertada”, Dilma é alvo de acusações e de várias “manifestações populares que chegaram inclusivamente a pedir a demissão da Presidente”, acrescentou o economista. Aécio Neves, que lidera o o maior partido da oposição – o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) – comunicou na semana passada, a 21 de maio, que planeia apresentar uma queixa-crime contra Dilma, em conjunto com outros líderes da oposição. A Presidente é acusada de estar envolvida em “manobras” de contabilidade criativa.
Segundo sugerem os analistas do banco de investimento Morgan Stanley no relatório Spring Global Macro Outlook de abril deste ano, a austeridade no Brasil é necessária para que a economia possa voltar a crescer, corroborando assim as políticas de Joaquim Levy. O ministro das Finanças não espera que a economia recupere antes de 2016, escreve a Bloomberg.
De acordo com os analistas, “após quatro anos de políticas aparentemente desajustadas, é tempo de reequilibrar a economia afastando-a do consumo e reorientando-a para o investimento. Para alcançar este objetivo, acreditamos que não existe outra opção para além de enfrentar uma recessão a fim de reduzir a taxa de inflação”.
A opinião do economista da Fundação Getúlio Vargas vai no mesmo sentido: “Neste ano de 2015, os ajustes na economia brasileira deverão ajudar a piorar os indicadores no curto prazo para apresentarem um resultado melhor nos anos seguintes”. Isto irá “originar uma recessão e uma inflação superior aos 8%”, afirma.
Mais ou menos moeda?
Se a política orçamental promove o crescimento através de alterações nos impostos e nos gastos públicos, a política monetária tem impacto sobre a oferta de moeda. A existência de mais ou menos moeda em circulação na economia é um outro mecanismo para estimular o crescimento económico. Quais são as alternativas do Banco Central do Brasil?
A primeira é a de manter as taxas de juro elevadas para não desvalorizar o real e não causar um maior aumento de preços, que agravaria a inflação. “Depois do segundo turno das eleições presidenciais no ano passado, o Banco Central do Brasil tem vindo a subir a taxa nominal de juros (Selic). Num primeiro momento, a autoridade monetária aumentou os juros de 11% para 11,3%. Depois subiu para 11,8%, 12,3%, 12,8%.”, afirmou o economista do Instituto Brasileiro de Economia. Neste momento, a taxa nominal encontra-se nos 13,3%.
A segunda alternativa passa por cortar as taxas de juro para desvalorizar a moeda e tentar impulsionar o consumo. Tal iria fazer com que as dívidas e as importações (pagas em moeda estrangeira) ficassem mais caras, o que pode ser mais negativo do que benéfico para a economia do Brasil.
Se Alexandre Tombini, o governador do BCB, optar pela primeira opção, poderá prejudicar o consumo. Taxas de juro elevadas significam crédito mais caro o que pode levar a menos consumo. Contudo, historicamente, esta é a medida que tem sido preferida pelo BCB.
“O banco central tem de fazer estes aumentos de juro já que a inflação se encontra num patamar bastante alto. Estes ajustes pelos quais o Brasil vai passar este ano (e talvez no próximo também) são para apresentar resultados melhores nos anos posteriores”, explica o economista.
No contexto desta opção, a Morgan Stanley afirma no referido relatório que se irá passar um fenómeno “curioso” na economia brasileira: “Acreditamos que a maior surpresa para o crescimento poderá vir do consumo, já que este é o primeiro ano em que existe um aumento sustentável da taxa de desemprego, desde 2005.”
Se estas previsões se confirmarem e o consumo crescer, a manutenção de taxas de juro elevadas pode não prejudicar a economia brasileira. E isto sem recorrer a uma dolorosa desvalorização do real.
* Texto editado por João Cândido da Silva