A espera foi grande, a ansiedade ainda maior, mas no fim, o clima foi de festa no quartel-general da CDU em Lisboa, pela eleição de João Oliveira para o Parlamento Europeu. A noite até começou da pior maneira, com as projeções iniciais a apontarem para a possibilidade dos comunistas nem sequer conseguirem representação parlamentar. Face a este cenário, o silêncio absoluto foi reinando, enquanto militantes e simpatizantes iam seguindo telemóveis e televisões com receio. Quem ali estava dificilmente poderia prever que apenas algumas horas depois, os jovens que compunham maioritariamente a sala acabariam aos saltos, a cantar e a dançar a “Carvalhesa“, tema obrigatório nos eventos comunistas.
Mas esse cenário nem sempre esteve garantido. Aliás, a meio da noite, João Oliveira apareceu para uma primeira declaração, admitindo o grau de incerteza que ainda reinava. “A luta continua“, garantiu, independentemente da tendência que a noite pudesse ainda seguir. Pelo discurso contido do cabeça de lista, tornava-se óbvio que os comunistas se iam preparando para qualquer resultado. De resto, quase duas horas passaram entre o primeiro discurso do candidato e a confirmação da eleição pela boca do próprio, e o tempo foi mais uma vez passado a olhar para ecrãs, à espera das boas notícias que acabariam mesmo por chegar.
“A força que o povo nos deu é a força com que podem contar a partir de amanhã. E essa força que nos foi dada inclui também a intervenção no Parlamento Europeu com o candidato eleito pela CDU”, anunciou João Oliveira, desta vez assumindo o púlpito ao lado do secretário-geral comunista, Paulo Raimundo, e sob o olhar atento de Jerónimo de Sousa, que se tinha juntado à sala minutos antes. O cabeça de lista confirmava assim a eleição para Estrasburgo. A segunda aparição do agora eurodeputado foi breve e terminou com uma certeza: “A voz do povo continuará a fazer-se ouvir”.
Depois, era a vez de Paulo Raimundo tomar a palavra, podendo pela primeira vez enquanto secretário-geral cantar vitória depois de uma noite eleitoral — mesmo que a CDU tenha perdido um deputado em Estrasburgo, o susto pregado pelas sondagens permitiu olhar para os resultados com o copo meio cheio. “O resultado que tivemos não corresponde àquilo que precisávamos”, garantiu, antes de lembrar as circunstâncias difíceis em que a batalha eleitoral foi travada e de sublinhar a ideia-chave do discurso: “Alguns pensavam que hoje iam calcar o desaparecimento da CDU. Enganaram-se. O povo não permitiu que isso acontecesse”.
Desde as primeiras eleições europeias, em 1987, nunca a percentagem de votos na CDU tinha sido tão baixa — 4,1% —, e nunca os comunistas se tinham ficado pela eleição de apenas um mandato, mas na política, as vitórias acabam por ser relativas. “O cenário que nos era apresentado era o desaparecimento da CDU. Não foi isso que aconteceu, e por isso aqui estamos com confiança redobrada“, frisou o secretário-geral. “Gostaríamos de ter mais? Obrigado, claro, é uma evidência”, ironizou, mostrando no entanto satisfação “por continuar a luta pelos trabalhadores”.
“O sinal que sai é de confiança na CDU”, considerou Paulo Raimundo. Por isso, garantiu, é hora dos comunistas responderem com trabalho, continuando a luta pelos salários — a “emergência nacional” —, “pelo aumento das reformas, o acesso ao Serviço Nacional de Saúde, o drama da habitação e pela paz”.
“Voto a voto”, como Paulo Raimundo foi pedindo ao longo da campanha, o alívio lá chegou. Mas para o secretário-geral, a festa tem de ser curta. “Temos mesmo de estar muito satisfeitos pelo nosso resultado. Hoje festejemos, para amanhã voltarmos ao combate”.
O drama da extrema-direita e o “resultadão” do Chega que acabou por não chegar
Apesar da queda substancial do Chega, a noite eleitoral sorriu a vários partidos da extrema-direita europeia, e Paulo Raimundo não deixou de manifestar preocupação com um fenómeno que vai dando poucos sinais de abrandar. Para o secretário-geral comunista, foi fácil encontrar os culpados: “Os governos prometem, prometem, e não resolvem nada da vida das pessoas”, começou por dizer, identificando ainda outro problema: “Não só não resolvem como alimentam essas forças. Sabemos todos do que é que estamos a falar. Utilizam todos os meios ao seu dispor para promover essas forças — cada um que assuma as suas responsabilidades”.
Da parte da CDU, a consciência permanece tranquila. Como Paulo Raimundo sublinhou, os comunistas combateram esse espectro político várias vezes: primeiro durante a “noite sombria” do Estado Novo e ainda hoje essa batalha continua, “no dia-a-dia, olhos nos olhos”. “Pena é que nem todos tenham seguido essa luta“, lamentou, deixando um aviso: “É bom que o façam, é bom que não a alimentem, é bom que não lhe dêem gás. Não metam mais gasóleo na fogueira”.
Para o Chega, estava ainda guardada uma tirada: “Da mesma forma que alguns afirmaram que íamos desaparecer, também afirmaram que outras forças iam ter resultadões extraordinários. Pronto, nada disso se verificou”.
As “manobras abjetas” e as “cortinas de fumo” que João Oliveira teve de fintar
Ainda os resultados iam sendo apurados, e João Oliveira já apontava responsabilidades a quem quis pregar rasteiras à CDU durante a campanha. Mesmo que não o tenha nomeado diretamente, o agora eurodeputado referia-se ao artigo do jornal Politico, que incluiu Sandra Pereira e João Pimenta Lopes, eurodeputados comunistas na última legislatura, na lista de “melhores amigos” de Vladimir Putin no Parlamento Europeu.
“O voto na CDU é um voto de quem conseguiu ver para lá das cortinas de fumo, das mentiras e do preconceito”, sublinhou, condenando “as manobras abjetas” que tinham como objetivo obrigar a CDU a mudar de posição em relação ao conflito na Ucrânia. “Tivessem votado a favor da continuação da guerra e não havia rankings em que pudessem aparecer”, lamentou.
“Escusam de continuar a gastar dinheiro nessas operações”, atirou ainda, responsabilizando assim quem “promoveu” e “deu voz” ao artigo em Portugal, além de apontar o dedo também a quem está interessado nos lucros gerados pela indústria da guerra. De qualquer forma, garantiu, nenhuma destas manobras vai demover os comunistas de defender a paz da Ucrânia, por muito que queiram fingir que a CDU é “uma força que se sujeita à política de confrontação e da guerra”.
Depois de Sandra Pereira e Pimenta Lopes, é agora a vez de João Oliveira representar a CDU na Europa. Pela primeira vez na história, segue viagem sozinho rumo a Estrasburgo, mas tendo em conta o susto, a falta de companhia será a última das preocupações dos comunistas.