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Em sete anos, a cruzada legal de Carles Puigdemont passou por Bruxelas, onde exerceu o cargo de eurodeputado, passou por Alemanha e Itália, onde foi detido no âmbito de mandados internacionais (para logo depois ser libertado), e chegou esta quinta-feira a Barcelona, onde discursou e foi aplaudido por uma multidão a vibrar com o feito do antigo líder, que mesmo com um mandado em vigor conseguiu voltar a fugir.

A 30 de outubro de 2017, após a fracassada declaração de independência da Catalunha — através de um referendo considerado ilegal pelo governo espanhol — Carles Puigdemont decidiu fugir de Espanha num carro para a Bélgica. Foi o início de um exílio judicial — como o próprio lhe chama — que dura até hoje e que perante o aparente sucesso na nova fuga, vai durar.

A partir da sua residência na cidade belga de Waterloo, que batizou como “Casa da República”, o ex-presidente fez tudo para internacionalizar o processo pró-independência da Catalunha em sete anos após um referendo considerado ilegal pelo governo espanhol liderado por Mariano Rajoy. Liderou à distância a candidatura do partido Junts em três eleições autonómicas catalãs, a última das quais a de 12 de maio deste ano.

De 2017 a 2024, foi detido duas vezes, na Alemanha e em Itália. Foi libertado rapidamente em ambas as ocasiões e os três mandados de captura europeus contra ele foram desativados, embora ainda esteja ativo um mandado nacional — o mesmo que esta quinta-feira não foi cumprido pela polícia catalã quando o independentista pisou território espanhol para assistir à tomada de posse do novo governo regional.

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Siga a linha cronológica de uma batalha judicial que teve esta quinta-feira um novo capítulo.

Emissão do primeiro mandado de detenção europeu pelo Audiência Nacional de Espanha

A 3 de novembro de 2017, a juíza do Audiência Nacional de Espanha, Carmen Lamela, emitiu mandados de detenção europeus contra o ex-presidente Carles Puigdemont e os seus quatro ex-ministros: Antoni Comín, Clara Ponsatí, Lluís Puig e Meritxell Serret.

Nesta altura o líder independentista tinha rumado a Bruxelas no rescaldo da tentativa de tornar a região da Catalunha independente de Espanha.

Como se lê no comunicado divulgado pelo tribunal, os mandados foram expedidos por conta de cinco crimes: rebelião, sedição [sublevação contra uma autoridade constituída], peculato, prevaricação e desobediência à autoridade.

A ordem judicial foi enviada às autoridades judiciais belgas e inserida no programa europeu a ser cumprido pela Polícia Nacional espanhola, a Guarda Civil e a Interpol. A juíza rejeitou o pedido feito por Puigdemont e vários ex-ministros para prestar declarações por videoconferência. Conforme justificou na altura, nenhum dos requisitos para autorizar esta medida estava cumprido.

Revogação dos mandados internacionais para evitar a ingerência da Bélgica

A 5 de dezembro de 2017, o juiz espanhol Pablo Llarena decidiu retirar os mandados internacionais de detenção emitidos contra Carles Puigdemont, ex-presidente da Catalunha, e os seus quatro ex-conselheiros. Na altura todos permaneciam na Bélgica.

No acórdão emitido pelo juiz do Supremo Tribunal espanhol, este explica que o recuo se devia ao facto de “o delito de rebelião, por definição, ser realizado por uma pluralidade de pessoas”, sendo necessário que a “resposta da Justiça seja homogénea para todas elas”.

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Como referia o “El País”, com esta decisão Espanha queria colocar um ponto final à “colaboração solicitada” às autoridades belgas, evitando que a justiça belga limitasse os delitos pelos quais os políticos poderiam ser julgados em Espanha. “Poderiam ser entregues com limitações (como por exemplo, para serem julgados apenas por desobediência e prevaricação, mas não por rebelião)”.

Uma eleição parlamentar no final de dezembro de 2017, na Catalunha, deu a vitória ao Junts per Catalunya, partido cuja lista de deputados era encabeçada justamente por Carles Puigdemont.

Constitucional espanhol chumba investidura à distância de Puigdemont

No final de janeiro de 2018, o Tribunal Constitucional espanhol decidiu anular a investidura de Charles Puigdemont à distância como presidente do Parlamento da Catalunha, após o partido que encabeçava ter reunido o maior número de assentos parlamentares. Os juízes decidiram por unanimidade que para ser empossado como presidente da Generalitat, Puigdemont teria de se apresentar no parlamento catalão e obter a autorização do juiz.

Na sequência do recurso do governo espanhol, o tribunal superior decidiu que o antigo presidente não poderia tomar posse a partir de Bruxelas, onde estava refugiado. O líder independentista tinha estado na Dinamarca, mas depois regressou ao “exílio” em Bruxelas. Fê-lo precisamente no dia — 2o de janeiro de 2018 — em que o presidente do novo Parlamento catalão propôs o seu nome para chefiar o novo governo.

Em fevereiro de 2018, Puigdemont fixou a sua residência na cidade belga de Waterloo, a cerca de 20 quilómetros a sul de Bruxelas — batizou a nova casa como Casa da República e foi a partir do local que desenvolveu a internacionalização do processo de independência da Catalunha.

A primeira detenção na Alemanha, que durou 12 dias

A residir na localidade belga de Waterloo desde a declaração da independência da Catalunha, o antigo líder catalão acabou por ser detido pela primeira vez desde que saíra de Espanha em território alemão, quando se preparava para atravessar a fronteira de carro. Puigdemont passou 12 dias na prisão em Neumünster. Nessa altura já tinham sido reativados os mandados de captura internacional em seu nome.

Ao contrário da Bélgica — motivo pelo qual escolheu o país enquanto refúgio após a fuga de Espanha — a lei alemã previa uma pena de prisão perpétua, ou nunca inferior a dez anos de prisão, pelo crime de traição, equivalente alemão ao crime de sedição pelo qual Puigdemont estava acusado em Espanha.

Alemanha foi o “pior” sítio para Puigdemont ser detido

A detenção ocorreu no final de março de 2018 e em abril do mesmo ano o tribunal do estado federal de Schleswig-Holstein, no Norte da Alemanha, decidiu não admitir o delito de rebelião contra Carles Puigdemont pedido pela Justiça espanhola. Assim, os três juízes responsáveis pela detenção deixaram-no em liberdade sob fiança, determinada no valor de 75 mil euros. A argumentação jurídica para a libertação tinha como base o não cumprimento do requisito de “violência” em relação à rebelião independentista. Ou seja, as ações do político espanhol não tipificavam o crime.

O tribunal alemão aceitou somente o procedimento por desvio que fundos públicos, que a Justiça espanhola incluía na sua petição. Como se tratava de um crime menor, os juízes consideraram que o risco de fuga também diminuía. Em Madrid, o Ministério Público espanhol admitiu, perante a decisão alemã, que não tinha como recorrer e retirou, mais uma vez em julho de 2018, o mandado de detenção internacional que visava o líder independentista.

Após a emissão de um novo mandado, Puigdemont entrega-se às autoridades belgas

Em maio de 2019, o ex-presidente do governo regional da Catalunha é eleito eurodeputado e meses mais tarde acaba mesmo por receber uma acreditação para poder entrar no Parlamento Europeu. Com o cargo o político conseguiu usufruir, durante algum tempo, de imunidade parlamentar.

Em outubro do mesmo ano, entregou-se voluntariamente às autoridades belgas e foi ouvido em Bruxelas após a reemissão de um mandado de captura internacional, recusando no entanto entregar-se a Madrid. Acabou por sair em liberdade e sem fiança, mas ficou sujeito a várias medidas cautelares.

As autoridades belgas determinaram que teria de comunicar a sua residência, dar conta das suas atividades, estar sempre à disposição das autoridades judiciais e pedir autorização em caso de querer abandonar o país, as mesmas condições que já lhe tinham sido impostas aquando da primeira ordem de detenção europeia anos antes.

Puigdemont entra no Parlamento Europeu e já está pronto para assumir mandato de eurodeputado

A reativação do mandado de detenção internacional não foi um acaso, ocorreu depois de o Supremo espanhol ter determinado penas de prisão aos ex-vice-presidentes da Generalitat. Como explica o El País, a sentença impactou diretamente o ex-presidente Carles Puigdemont e todos os líderes fugitivos, já que o Ministério Público espanhol solicitou a reativação do mandado de detenção internacional e europeu contra Puigdemont que Pablo Llarena, o juiz do caso, retirou em julho de 2018, depois de a Alemanha ter recusado entregar o ex-presidente por rebelião. É a terceira vez que um mandado internacional contra o catalão é reativado desde a sua fuga de Espanha em 2017.

Parlamento Europeu decide levantar imunidade parlamentar aos eurodeputados catalães

Conquistada através da eleição ao Parlamento Europeu, a imunidade parlamentar de Puigdemont foi colocada em causa em março de 2021, depois de uma grande maioria do hemiciclo europeu ter votado a favor do seu levantamento, medida que foi confirmada a 30 de julho do mesmo ano pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em maio de 2021, os três eurodeputados independentistas apresentaram um pedido de medidas provisórias para que a sua imunidade fosse restaurada numa base preventiva, que o Tribunal Geral da UE aceitou numa primeira decisão a 2 de junho do mesmo ano, mas que foi posteriormente revogada, considerando a entidade judicial europeia que não corriam o risco de serem presos.

Carles Puigdemont é detido pela segunda vez, desta vez na Sardenha, Itália

A segunda detenção teve lugar em setembro de 2021, já após ter perdido imunidade parlamentar europeia, na Sardenha, Itália. O ex-presidente do governo da região autónoma da Catalunha foi detido na sequência de um mandado internacional de captura emitido pelo juiz Pablo Llarena do Supremo Tribunal de Espanha. No dia seguinte foi libertado sem quaisquer medidas cautelares a serem aplicadas.

Ex-presidente do governo da Catalunha Carles Puigdemont detido em Itália

O político catalão foi detido pelas autoridades italianas, por agentes à paisana, à chegada ao aeroporto de Alghero, cidade onde iria assistir a uma receção institucional relacionada com as funções de eurodeputado.

A notícia foi confirmada pelo seu advogado, Gonzalo Boye, no então Twitter, agora X. “O Presidente Puigdemont foi preso ao chegar à Sardenha, onde se deslocava como deputado europeu”, escreveu na rede social. No entanto, Boye alegava que o mandado de detenção europeu, de 14 de outubro de 2019, se encontrava suspenso “por imperativo legal, segundo estabelece o estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia”.

Justiça europeia devolve imunidade parlamentar aos três eurodeputados independentistas

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) voltou, em maio de 2022, a conceder imunidade parlamentar aos três eurodeputados independentistas catalães procurados pela justiça espanhola, entre eles Puigdemont.

O tribunal sediado no Luxemburgo suspendia, assim, a execução das decisões tomadas em março de 2021 pelo Parlamento Europeu, quando este órgão votou pelo levantamento da imunidade aos três líderes pró-independência catalães procurados pelo sistema judicial espanhol.

Justiça europeia devolve imunidade parlamentar a ex-presidente catalão Carles Puigdemont

O vice-presidente do TJUE aceitou as medidas provisórias solicitadas pela defesa que considerava que a concessão da imunidade era “justificada”, dado que os seus clientes corriam o risco de ser presos. Prova disso era o que tinha acontecido com Puigdemont na Sardenha, em Itália, enquanto desempenhava funções de eurodeputado.

Mais uma volta e a imunidade parlamentar do independentista cai outra vez

O mesmo tribunal que a devolveu, voltou a retirar a imunidade parlamentar a Carles Puigdemont e deu luz verde a novos mandados europeus. A decisão do TJUE remonta a julho do ano passado. Nessa altura, Pedro Sánchez, primeiro-ministro de Espanha, colocou em cima da mesa a hipótese de uma amnistia.

Poucos meses depois, em novembro de 2023, o juiz espanhol Manuel García Castellón aceitou investigar Puigdemont e só em fevereiro de 2024 é que o Supremo Tribunal espanhol abriu um processo contra o líder pró-independência por terrorismo, o que não o impediu de concorrer às eleições catalãs de maio passado.

Lei de amnistia é aprovada, mas Supremo espanhol decide que Puigdemont não é elegível

Chegamos a 2024 e Espanha já aprovou a lei da amnistia e que esta seja aplicada aos independentistas catalães. Em junho passado, o Ministério Público espanhol pediu ao Tribunal Supremo do país para retirar a ordem de detenção do separatista catalão Carles Puigdemont e para lhe aplicar integralmente a lei de amnistia que tinha sido recentemente aprovada pelo parlamento.

Ministério Público espanhol pede ao Supremo para aplicar amnistia a Puigdemont

A decisão do Supremo Tribunal foi negativa. Considerou que a lei não era aplicável ao caso de Puigdemont por considerar que o seu crime de desvio de fundos tinha afetado os interesses económicos da UE e que tinha obtido um benefício patrimonial.

Supremo arquiva processo de terrorismo contra Puigdemont

Em julho, o Supremo Tribunal arquivou o processo contra o independentista por terrorismo. Apesar de ainda ter processos em aberto e um mandado de captura, Puigdemont anunciou que estava a caminho de Espanha, com a intenção de assistir ao debate de investidura de Salvador Illa à presidência do governo regional da Catalunha.

A investidura de Illa põe fim a 14 anos consecutivos de executivos independentistas na Catalunha, durante os quais a região passou por um processo de tentativa de autodeterminação que culminou com uma declaração unilateral de independência falhada em 2017.

12. O regresso a Espanha e a nova fuga

Sete anos depois de fugir para a Bélgica, o político catalão faz sua primeira aparição em Espanha esta quinta-feira. Discursou perante uma multidão perto do Arco do Triunfo, em Barcelona e lamentou a “duríssima repressão” que os independentistas viveram nos últimos sete anos, criticando o PP e o Vox. Depois do discurso, fugiu e está ainda a monte.

Esta manhã, a polícia da Catalunha deteve um agente que, segundo a imprensa espanhola, será o proprietário do carro em que o independentista fugiu após discursar. Os Mossos D’Esquadra detiveram mais tarde um segundo agente suspeito de ter ajudado Carles Puigdemont a fugir.