A Diabetes tipo 1 é uma doença autoimune que se desenvolve silenciosamente ao longo de muitos meses ou anos, mesmo antes do início do aparecimento dos sintomas clínicos. A sua incidência está a aumentar cada vez mais e, de entre os afetados, destacam-se as nossas crianças e jovens. Que importância assume, assim, o diagnóstico precoce? A que sintomas devemos estar atentos? A genética tem um papel no meio de tudo isto? João Filipe Raposo, Diretor Clínico e Pedagógico da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), ajuda-nos a compreender melhor estas e outras questões.

A diabetes tipo 1 é uma das doenças crónicas mais comuns da infância e a sua incidência está a aumentar anualmente nos países europeus. Conseguimos perceber a causa?

A diabetes tipo 1 é uma doença autoimune. É uma doença crónica porque, na verdade, até este momento não temos nenhuma cura. Mas a causa da diabetes tipo 1 é o facto de o nosso corpo deixar de reconhecer as células que produzem a insulina, que estão no pâncreas. O nosso corpo deixa de as reconhecer como suas e vai destruí-las. E a este tipo de doenças, onde acontece este processo, chamamos de doenças autoimunes. Sabemos que não é só a diabetes tipo 1 que está a aumentar. Todas as doenças autoimunes estão a aumentar e isto, provavelmente, está relacionado com alguma explicação genética e a sua relação com o nosso ambiente.

João Filipe Raposo, Diretor Clínico e Pedagógico da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP)

E a que sintomas devem os pais e cuidadores ficar atentos?

Os sintomas são tipicamente beber muitos líquidos, urinar muito, ter muita fome, emagrecer, ficar mais irritável, ter mais dificuldade de concentração, ter dores de barriga. Ou seja, na verdade, estamos a falar de crianças e jovens que até um determinado momento estão perfeitamente saudáveis e que muito rapidamente podem apresentar estes sintomas. Diria que, em poucas semanas, desde o aparecimento dos sintomas poderão ficar mesmo doentes e as famílias só nesta fase, já muito sintomática, é que os levam até um serviço de saúde e aí é feito o diagnóstico, tipicamente levando a um internamento muito prolongado.

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Que papel assume, neste sentido, o diagnóstico precoce? É fundamental?

Nós temos aqui dois níveis. Um lado é o estarmos atentos aos sintomas e, portanto, nunca deixarmos passar qualquer sinal. Na dúvida, mais vale tentarmos esclarecer se não estamos aqui numa fase inicial de diabetes. E aqui ainda estamos a falar dos primeiros sintomas. Mas hoje, ao fazer o diagnóstico precoce, o que desejamos é não chegar sequer a apresentar estes sintomas. A participação em programas de rastreio é fundamental. Nesta altura a maior parte dos países ainda só tem programas piloto de rastreio, mas nós gostaríamos que, depois de chegarmos à conclusão do benefício destes, tivéssemos condições de rapidamente os adotar em termos nacionais

E a nível de tratamento?

O tratamento passa pela utilização de insulina, de múltiplas injeções de insulina, ou pela tal utilização de dispositivos que têm o nome de bombas de insulina. Para a identificação precoce da diabetes tipo 1, nas fases em que ainda não há sintomas, em que os níveis do açúcar no sangue ainda não estão elevados, começam a aparecer agora tratamentos que parecem levar à travagem deste processo de destruição e que, portanto, vão permitir que o estado da criança não evolua ou sequer chegue a níveis elevados de açúcar no sangue, bem como sintomas. Esses tratamentos começam a ser aprovados agora. Há um tratamento aprovado nos Estados Unidos, há outros em processo de aprovação, já com experiência na Europa, mas há mais tratamentos também já em fase de ensaios clínicos, o que permite aumentar muito a esperança de que quem for diagnosticado nestas fases precoces de vir a  ter acesso a tratamentos inovadores e eficazes.

O desenvolvimento de novas terapias que retardam por alguns anos o aparecimento da doença veio destacar o papel crítico do sistema imunitário na patogénese da diabetes tipo 1 e abriu caminho para outros alvos e intervenções imunológicas que estão atualmente em investigação. Poderia falar-nos um pouco sobre isto?

Para quem já vive com a diabetes tipo 1, pode ter também a esperança de que existe inovação, no sentido de colocarmos células que produzem insulina outra vez a funcionar no seu corpo. Há aí uma janela e uma oportunidade que se avizinha no horizonte onde, provavelmente, conseguiremos colocar estas tais células a produzir insulina, sendo que estas pessoas também vão necessitar depois do mesmo tipo de tratamento que trave a destruição imunológica. Agora, nas fases precoces, a investigação permite-nos conhecer vários mecanismos em que podemos intervir e começam a existir tratamentos. Nós estamos cada vez a conhecer melhor a resposta imunológica das pessoas e  a conseguir identificar quais são os alvos e que terapêuticas podemos utilizar para que essas reações sejam travadas ou que não sejam tão intensas. Neste momento a terapêutica permite atrasar o aparecimento da doença em alguns anos. Isso pode parecer pouco para quem não a tem, mas pode ser muito significativo para quem a vai ter. Todos os ganhos são ganhos e podem representar avanços significativos na vida destas pessoas. O conhecimento está a aumentar e, portanto, aquilo que nós estamos a tentar identificar é que, quanto mais cedo esta resposta imunológica for usada, mesmo estas terapêuticas que neste momento aparentemente só o atrasam, provavelmente, no futuro, poderão mesmo evitar o aparecimento da doença.

Falando na genética, que papel tem, ou pode ter, na incidência desta doença?

Sabemos que há genes que são protetores e genes que são facilitadores das doenças autoimunes e alguns mais específicos para a diabetes tipo 1. Mas, na verdade, esta análise genética só por si não é suficiente para identificar o processo já em curso da diabetes tipo 1. Só nos identifica uma população em risco. Nós sabemos que a genética nos dá esta predisposição para ter doenças autoimunes, nomeadamente diabetes tipo 1, mas também há pessoas que estão mais protegidas geneticamente de evoluírem para diabetes tipo 1. Agora, na verdade, falta-nos ainda conhecer quais são os fatores que num ambiente nos vão despoletar esta reação imunológica. Não é específico de um único tipo de vírus, não é específico de um único tipo de bactéria, não é específico de um único tipo de alimento e, portanto, esta é uma área onde o conhecimento ainda não nos ajuda.

Qual acredita ser o impacto que a Diabetes tipo 1 acaba por ter não só na saúde das nossas crianças e jovens, mas também na própria vida social, escolar e familiar?

Estamos a falar de uma doença que tem um peso significativo pela altura do seu diagnóstico. Apesar de poder aparecer em qualquer idade, a maior parte dos casos continuam a ser tratados na idade pediátrica. Estas crianças sentem o peso de uma doença que as torna diferentes das outras, sentem o estigma de viver com a diabetes. A família, ao sentir o peso, a reação de culpabilidade, sente que há aqui algo que eles não controlaram e que, eventualmente, poderiam ter controlado. O peso em termos de saúde mental é muito maior no que diz respeito à criança ou ao jovem e às famílias. Principalmente pelo facto de não ser curável, pela necessidade de múltiplas decisões no dia-a-dia para que a doença seja bem gerida, para que os resultados sejam os melhores, pela necessidade de intervir continuamente na vida da criança e do jovem. Uma criança, ou um jovem, que tem diabetes tipo 1 e não tem o auxílio da tecnologia tem que acordar, bem como a sua família, uma ou duas vezes durante a noite para verificar se a sua diabetes está bem controlada. E isto todos os dias da vida. Acho que isso transmite bem uma pequena parte do que é viver com diabetes tipo 1.

De que forma é que poderíamos agir no sentido de minimizar este impacto tanto nas crianças como também nas próprias pessoas que as rodeiam, na família, nos agentes escolares?

Há um papel que tem a ver com a organização do nosso sistema de saúde. Temos excelentes profissionais nesta área, mas as pessoas, essas crianças, esses jovens e depois os adultos que têm diabetes tipo 1, devem ser acompanhados por equipas de saúde que estão devidamente treinadas. Há um papel da comunidade em geral, devemos estar atentos para compreendermos melhor o que é a diabetes tipo 1. Percebermos que muitas das coisas que fazemos no sentido de ajudar, às vezes, servem para aumentar o estigma. Tentarmos minimizar o impacto da doença, que não significa de todo desvalorizar. Importa saber que a doença existe, que é tratável, que se vive com ela e que todos nós podemos facilitar a vida das pessoas com diabetes e dos seus familiares, com uma adaptação mínima do nosso comportamento perante estas pessoas.

Precisamos de minimizar o impacto da doença no sistema de saúde ou, por outro lado, o sistema de saúde ainda precisa de ser alertado para as necessidades que esta doença traz consigo?

Quando falamos de diabetes tipo 1 temos de ter a noção de que precisamos ainda de grandes investimentos. As notícias recentes sobre o processo de aquisição e distribuição de bombas de insulina são um exemplo, mas precisamos que cheguem rapidamente a todas as pessoas com diabetes tipo 1 que desejam esta tecnologia e estão disponíveis para a aceitar. Precisamos ainda de investir nas equipas de saúde para que sejam capazes de realmente colocar esta tecnologia e de a utilizar no melhor sentido. Estamos a falar de investimentos financeiros, tecnológicos, de recursos humanos e do tempo disponível que estes recursos humanos têm, mas estamos a falar também de um sistema de saúde que tem que ser mais eficiente na disponibilização e na introdução da inovação. Precisamos ainda de desenvolver uma estratégia para diabetes tipo 1 e de garantir a monitorização dos resultados, para sabermos que estamos a funcionar bem e cada vez melhor.

Conteúdo produzido pelo Observador com o apoio da Sanofi.