Texto publicado durante o Mundial 2022 atualizado depois de Diogo Costa se tornar o primeiro guarda-redes a defender três penáltis num Europeu esta segunda-feira, dia 1
Nem William Carvalho, colega de equipa de Diogo Costa na Seleção Nacional, conhecia o detalhe. “O Diogo é um excelente guarda-redes, temos três excelentes guarda-redes. Nos últimos jogos tem jogado o Diogo, como podia jogar qualquer um dos outros dois. Em relação ao facto de o Diogo ter nascido na Suíça…. Por acaso nem sabia”, atirou o médio do Betis, numa conferência de imprensa diária no Qatar, no Mundial de 2022.
Profundamente reservado, tímido no trato e sempre preocupado em resguardar a vida pessoal para esse mesmo propósito, o lado pessoal, a verdade é que Diogo Costa carrega no documento de identificação esse pormaior — nasceu na Suíça, país para onde os pais tinham emigrado e só viveu em Portugal a partir dos sete anos.
De Rothrist à Vila das Aves para fazer nascer um guarda-redes que queria marcar golos
Diogo Costa, cuja maturidade em campo até mascara os parcos 25 anos que tem, nasceu em setembro de 1999 em Rothrist, uma localidade no cantão de Aargau, no norte da Suíça, entre Basileia e Zurique. Francisco da Costa e Armanda Meireles, os pais do guarda-redes, mudaram-se para o pequeno país do centro da Europa durante os anos 90 e tiveram o único filho bem perto das margens do rio Aar.
O jogador do FC Porto viveu na Suíça até aos sete anos, tendo entrado na escola ainda em Rothrist e visitando Portugal apenas nas férias de verão. O divórcio dos pais, porém, separou a família e obrigou a atravessar fronteiras: Francisco ficou por terras suíças, onde ainda vive, e Armanda regressou ao Norte e à Vila das Aves acompanhada pelo filho. Mais de 15 anos depois, o pai de Diogo Costa está agora em Aarburg, bem perto de Rothrist, enquanto que o avô paterno do guarda-redes reside em Yvonand, um pequena localidade próxima do lago Neuchâtel.
Foi já em Portugal, quando chegou à vila avense, e acompanhado pela família materna que até aí só conhecia dos curtos períodos de férias, que o agora internacional português despertou para o futebol. Um dos principais responsáveis foi Vítor Mota, primo mais velho de Diogo e também ele guarda-redes — jogou no Bairro FC, da Associação de Futebol de Braga, até ao ano passado. “Ele era muito ligado à mãe e passávamos os dias a jogar futebol”, recordou Vítor, ao zerozero.
No AMCH Ringe, uma modesta associação desportiva da Vila das Aves, Diogo Costa deu os primeiros passos como jogador, como guarda-redes e como futuro talento — acompanhado, como já é sabido, por Vitinha, também ele formado no FC Porto. “O Vitinha e o Diogo Costa chegaram numa altura em que estávamos a renovar o espaço. Até porque nós éramos mesmo pobres, devíamos ser a equipa mais pobre do país”, contou Adílio Pinheiro, treinador do Ringe que orientou os dois atletas, ao Observador.
A convite do presidente da Associação de Moradores do Complexo Habitacional de Ringe, o técnico começou o sonho do clube no início do milénio. Numa das primeiras equipas de Petizes, a da geração de 2004, era clara a qualidade do plantel — exceto numa posição muito específica. “Nessa equipa faltava-me um guarda-redes. E foi o avô do Diogo Costa que me disse: ‘O meu neto anda a jogar aqui na praceta, leva-o lá ao Ringe’. O miúdo veio para aqui, começou a treinar e começo a ver nele algum talento. Pensei: ‘Este gajo, se quiser ser guarda-redes, dava-nos um jeitaço'”. Mas havia um problema: Diogo, o jovem Diogo, não queria ser guarda-redes.
“Ele chegou a casa e foi dizer ao avô que eu o queria pôr à baliza, que não queria ir mais a Ringe”, recordou Adílio Pinheiro que, para amenizar os receios do pequeno jogador, deixou desde logo a garantia de que podia atuar em qualquer posição, até porque já jogava bem com os pés. Mas foi surpreendido: “No treino seguinte, apareceu-me vestido de guarda-redes, todo almofadado nas calças e nos joelhos”, lembrou o treinador. Nasceu assim uma espécie de acordo de cavalheiros: Diogo Costa seria o guarda-redes do Ringe, mas jogava metade do tempo na baliza e a restante metade à frente. Até porque, como explicou o técnico, ele “queria era marcar golos”.
Mas ninguém disse que, para marcar golos, era preciso jogar mais à frente. “Fomos jogar a um torneio a Santo Tirso e ele era o mais velho, com sete aninhos. Estávamos a jogar contra miúdos de 11, 12 anos. O certo é que fomos lá e limpámos tudo, foi tudo a eito. E ele, guarda-redes, foi o melhor marcador do torneio, marcava golos de uma baliza à outra! Eu às vezes tinha de gritar ‘não marcas mais golos, se queres marcar vais à frente!”. Mas ele continuava, explicou Adílio Pinheiro.
Atributos ofensivos que Diogo Costa só esconde, atualmente, no capítulo dos golos — mas que o ajudaram a desenvolver a boa qualidade de passe de jogo de pés que até permitiram que fizesse uma assistência para Galeno na Liga dos Campeões, no jogo do FC Porto contra o Bayer Leverkusen. “Com o Diogo nunca tive dúvidas. Jogava de cabeça levantada, punha a bola onde queria. Não me admira nada o que ele faz agora com os pés”, concluiu o treinador. Do Ringe, o guarda-redes seguiu para a Casa do Benfica da Póvoa do Lanhoso, aterrando nas camadas jovens do FC Porto já em 2011 e sempre com o objetivo de seguir os passos de Vítor Baía, o ídolo.
De suplente a titular no FC Porto, de suplente a titular na Seleção: em menos de dois anos, Diogo Costa tornou-se indiscutível para todos
Diogo Costa agarrou a titularidade do FC Porto em 2021, atirando Marchesín para o banco de suplentes e potenciando até a saída do guarda-redes argentino para o Celta Vigo durante o verão. De lá para cá, depressa foi de diamante em bruto a certeza absoluta: foi um dos elementos fulcrais para a conquista do título em 2021/22, indiscutível para Sérgio Conceição e tornou-se voz de comando de uma equipa com referências como Pepe, Marcano ou Otávio.
O trajeto, naturalmente, levou-o até à Seleção Nacional. Depois de ser campeão europeu de Sub-17 e Sub-19 e chegar à final do Europeu Sub-21 — na famosa equipa dos Diogos do FC Porto, onde compartilhava o setor defensivo com Diogo Dalot, Diogo Queirós e Diogo Leite —, foi convocado pela primeira vez por Fernando Santos em agosto de 2021. Não se estreou na primeira chamada, tendo ficado no banco nas partidas contra a Irlanda e o Azerbaijão a contar para o apuramento para o Mundial do Qatar, e só cumpriu a primeira internacionalização já em outubro e num particular contra os qataris.
Já em 2022, porém, Diogo Costa foi o protagonista de um dos capítulos mais inesperados da história recente da Seleção. A 24 de março, em pleno Estádio do Dragão, foi o titular de Portugal contra a Turquia na meia-final do playoff de acesso ao Campeonato do Mundo. Cinco dias depois, na decisiva vitória contra a Macedónia do Norte, voltou a sê-lo. E a decisão estava tomada: Fernando Santos tinha abdicado de Rui Patrício, guarda-redes com mais de uma década de historial na seleção portuguesa e o titular no mítico Euro 2016, e preferia agora o jovem guardião do FC Porto.
Sem surpresas, Diogo Costa continuou a ser o titular na fase de grupos da Liga das Nações, foi convocado para o Mundial e é também a clara opção inicial no Qatar. O guarda-redes de 23 anos, o mais novo a ter representado a Seleção Nacional num Campeonato do Mundo, tornou-se um indiscutível para Fernando Santos. E está claramente ligado a dois dos momentos-chave daquela que é a prestação portuguesa, até agora, no Mundial.
Primeiro, aquele instante de arrepiar contra o Gana. Nos derradeiros segundos do primeiro jogo de Portugal no Campeonato do Mundo de 2022, já depois de João Félix e Rafael Leão terem anulado o empate de André Ayew e de Bukari ter encurtado novamente a desvantagem, Diogo Costa não reparou que tinha Iñaki Williams nas costas e procurou jogar com os pés. Teve sorte, foi apoiado por Danilo, evitou o golo e segurou a vitória mas não conseguiu esconder o desânimo já após o apito final — em imagens que se tornaram virais, com Cristiano Ronaldo a animar o colega de equipa e a pedir a Pepe que o ajudasse nessa tarefa. E Diogo Costa, dias depois, fez questão de recompensar.
Ainda na primeira parte da partida contra o Uruguai, quando o resultado estava ainda empatado sem golos, Bentancur passou por quase todos no corredor central e apareceu na cara do guarda-redes português — que, com uma mancha impressionante, parou o remate do médio do Tottenham, deixou as contas a zeros e abriu a porta à decisiva vitória portuguesa. “Foi neste momento que Portugal se qualificou para os oitavos. E sim, está certo, é uma defesa. Há que dar valor a este lance. Muito! Muito bem, Diogo Costa”, escreveu Iker Casillas no Twitter.
Nos oitavos da primeira fase final em que marcou presença com a Seleção Nacional, Diogo Costa defrontou a equipa do país onde nasceu, onde começou a falar, onde começou a aprender a ler e até onde, provavelmente, teve o primeiro contacto com o desporto onde agora é uma referência. Contra a Suíça, o guarda-redes português só não evitou um golo (vencemos por 6-1) daqueles que o viram dar os primeiros passos. Independentemente do destino e de só a futurologia ajudar a imaginar aquilo que poderia ter acontecido se Diogo tivesse ficado em terras suíças, tornou-se um herói dois anos depois e no Europeu da Alemanha.
Texto publicado durante o Mundial 2022 atualizado depois de Diogo Costa se tornar o primeiro guarda-redes a defender três penáltis num Europeu esta segunda-feira, dia 1