As saídas de membros da Iniciativa Liberal nos últimos tempos são vistas por vários dirigentes como “normais” e “naturais” para a fase de crescimento em que o partido se encontra. A justificação de que o “saldo é positivo” ganha força com os números de entradas de novos filiados desde que Rui Rocha é presidente, mas a narrativa desagrada aos descontentes, que reconhecem estar “cansados” da forma como são criadas “barreiras para todas as pessoas que pensam de forma diferente”.
Paulo Carmona, ex-candidato a vice-presidente da IL e coordenador do núcleo de Sintra, abandonou a IL pouco depois de um grupo de 13 membros da ala conservadora ter optado pelo mesmo caminho. Na nota que divulgou internamente para fundamentar a saída disse estar “cansado e triste” com a vida interna do partido e destacou a “falta de tentativas de apaziguamento e de serenidade por parte de quem ganhou a Convenção num partido dividido a meio”.
Garantiu que não existe oposição interna desde que os liberais elegeram um novo líder, altura em que foi derrotado como número dois de Carla Castro (com 44% dos votos), criticou o “agitar constante do espectro duma suposta oposição interna” que assegura que se “dissolveu” — escreveu que “apenas existem opositores e críticos, que sempre houve”.
A saída de Carmona acontece poucos dias depois de Carla Castro ter decidido deixar a vice-presidência da bancada parlamentar da IL por se ter sentido posta de parte no que toca às decisões do grupo parlamentar. Um dos críticos da direção ouvidos pelo partido, não apoiante de Carla Castro, não tem dúvidas na hora de culpar a corrente de Rocha: “Encostaram-na, deram-lhe um lugar de fachada e não foi considerada”.
Direção garante que entraram 372 membros e que saíram 90
Ainda antes da opção de Carla Castro — que o grupo parlamentar reconheceu que poderia ter “consequências e leitura política” pelo momento em que estava a ser tomada — e do anúncio de saída de Paulo Carmona, Rui Rocha já tinha desvalorizado a saída de pouco mais de uma dúzia de membros: “Por cada militante que saiu tivemos dezenas que entraram. Continua a haver um forte interesse das pessoas na IL, uma adesão às nossas propostas. Temos tido um movimento de adesão”.
Em resposta oficial, a Iniciativa Liberal refere que desde a Convenção em que Rui Rocha foi eleito tem 372 novos membros e “cerca de 90 pediram desfiliação, dos quais 37 sinalizaram o motivo”. O partido assegura que “as entradas de membros estão em ritmo normal face ao histórico do partido em períodos não eleitorais”.
Entre os dirigentes da IL ouvidos pelo Observador há um alerta — que vai no sentido do que disse Rui Rocha (“As pessoas queriam mudar a matriz do partido e não aconteceu, a minha própria moção de estratégia garante que a continuidade existe”) — para que não se misturem as águas: uma coisa é a saída de Carmona; outra o virar de costas dos auto-intitulados “liberais clássicos”.
Um conselheiro nacional alinhado com a direção explica que o grupo protagonizado por Nuno Simões de Melo e por Mariana Nina (que conseguiu quatro lugares no Conselho Nacional) tinha uma “convicção altamente ideológica” que dificilmente caberia na IL. Para este liberal, é até “natural que encontrem outra plataforma partidária onde possam vingar as suas ideias” porque “quando se quer ter convicções a 100% numa determinada linha e ser inflexível é muito difícil estar numa IL que sempre assumiu os três pilares de liberdade”.
Já Paulo Carmona, que deixou o gabinete parlamentar para ser candidato na lista de Carla Castro, é visto como “uma pessoa que deu muito à sociedade” e que “correu um risco” ao fazer uma “aposta de visibilidade” num partido. “Apoiou um projeto, uma ideia, mas ser militante de base não é a mesma coisa. Acaba por abandonar as amarras a que um partido obriga.”
Diversos dirigentes da IL apontam para a ideia de que o número de abandonos que têm sido tornados públicos nos últimos tempos é “insignificante”. Um dos membros da Comissão Executiva fala em “normalidade” e argumenta que “as entradas e saídas fazerem parte do dia a dia do partido”. Outro dirigente sublinha que as desfiliações são encaradas com a “naturalidade” de “alguém que se cansa de um projeto e opta por sair”.
O tema não tem gerado uma preocupação acrescida dentro da IL, principalmente porque o partido se escuda nos resultados das sondagens, que apontam para um crescimento relativamente às últimas eleições, e para o crescimento do partido em termos de novos membros. E a ideia é que há um “saldo positivo” e que as saídas foram o resultado de “projetos pessoais que não vingaram”.
“Há cada vez menos hipóteses de coesão e de sarar feridas”
Do lado dos desalinhados, as opiniões dividem-se entre os que acusam a direção de um “ataque constante” em que os membros são “vilipendiados” e aqueles que consideram que houve precipitações em “atirar a toalha ao chão”. “Acho que as pessoas deviam ficar para mudar as coisas por dentro. Não é por saírem que projeto fica melhor. Quando se acha que o rumo não está bem tem de se ajudar a mudar por dentro”, realça um conselheiro nacional da IL, que justifica as saídas com “cansaço” acumulado e com a ideia de que não há “mudança, por muito ligeira que seja”, na forma de conduzir o partido.
“As pessoas que pensam de forma diferente encontram muitas barreiras e não há interesse em que participem. Ficam os ‘yes man’”, sublinha o mesmo crítico interno. Um outro conselheiro nacional desalinhado com a atual direção olha para as saídas como um “mau sinal” por se tratar de “pessoas inteligentes e com pensamento crítico” que “ajudaram o projeto a crescer”. E recorda uma das maiores divergências internas levantadas por quem saiu: “O tema da famosa ‘ideologia de género’ desvirtua completamente a Iniciativa Liberal, que, no seu primeiro manifesto, afirmava recusar engenharias sociais.”
Para os críticos de Rui Rocha, o partido corre o risco de ficar “menos diverso” e “claramente mais pobre”. “O clima de crispação que se vive internamente é brutal”, diz um ex-membro da Comissão Executiva, que considera que foi dado mais do que tempo à nova direção para reerguer as pontes e que não foi dado qualquer sinal nesse sentido. “Tudo o que se questiona é mal visto”, desabafa ao Observador um opositor do atual líder do partido.
A forma como a direção conduz o partido é colocada em causa, as opções da linha política nacional são questionadas internamente e uma ex-dirigente acredita que “há cada vez menos hipóteses de coesão e de sarar feridas internas”. “Há colagens de rótulos de ‘carlista’ ou ‘rochista’ e há uma liderança que não sabe unir e que deixa que fossos que estão cavados sejam ainda mais cavados”, lamenta a mesma fonte.
Para a atual direção do partido, a leitura dos críticos internos não podia estar mais errada. Com saídas mais ou menos mediáticas, a linha de Rui Rocha insiste que o partido atingiu o seu “número mais alto de sempre de membros” e assegura, numa resposta oficial ao Observador, que “mantém a sua identidade e coerência”. “Temos o projeto ideológico muito bem definido”, remata-se.
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