Um aplauso de pé de alguns segundos. Foi assim que a primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska, foi recebida esta quinta-feira de manhã na Nova School of Business and Economics (SBE), em Carcavelos, onde decorre a nona edição das Conferências do Estoril. A mulher do Presidente ucraniano deu uma palestra de alguns minutos sobre o impacto dos quase mil dias do conflito iniciado pela Rússia em fevereiro de 2022. E apontou para duas ideias: a Ucrânia vai continuar a resistir à ofensiva e a comunidade internacional não deve ficar “paralisada” perante a Rússia.
Antes do discurso, à entrada da Nova SBE, Olena Zelenska foi recebida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O Chefe de Estado cumprimentou efusivamente a primeira-dama ucraniana, que também saudou o Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, um dos intervenientes do painel da Conferências do Estoril. Durante a sua intervenção, a mulher de Volodymyr Zelensky agradeceu aos dois líderes por terem estado presentes na cimeira da paz, em Davos, na Suíça, que teve lugar no passado mês de junho.
Os elogios não se ficaram por aqui. Olena Zelenska enalteceu Portugal, que caracterizou como um país “quente e acolhedor”: “É um grande privilégio estar aqui”. Da parte da tarde, a primeira-dama esteve reunida novamente com o Presidente da República no Palácio de Belém, mas à porta fechada. Antes do encontro e perante as câmaras, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a ser efusivo na saudação é até beijou na cara Olena Zelenska, tendo-a deixado surpreendida. Nenhum dos dois prestou declarações depois do encontro, que contou com uma delegação de mulheres ucranianas que acompanharam a sua primeira-dama.
Um tema que poderá ter estado em cima da mesa e que Olena Zelenska não deixou de mencionar no discurso na Nova SBE tratou-se num dos pontos em que o marido mais tem insistido e que se converteu numa nova frente diplomática: o “plano da vitória”. A ser posto em prática, terminaria com a guerra na Ucrânia e com uma “paz justa” que não beneficiaria o Kremlin.
O plano de vitória e uma futura cimeira de paz, à semelhança da que aconteceu na Suíça em junho e com a presença da Rússia, é uma das maiores esperanças atuais da Ucrânia, que atravessa uma fase difícil no campo de batalha. Ainda que Kiev continue a controlar partes da província russa de Kursk na sequência de uma ofensiva bem-sucedida no verão, as tropas de Moscovo têm conseguido conquistar várias localidades do Donbass.
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E o futuro avizinha-se pouco animador para a Ucrânia. Primeiro, as temperaturas gélidas do inverno que se aproximam não permitirão grandes avanços no campo de batalha. Segundo, existe a possibilidade de, daqui a duas semanas, Donald Trump vencer as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. O magnata já prometeu que terminaria a guerra em 24 horas, o que pode levar a cedências territoriais do lado ucraniano. Daí que Olena Zelenska tenha referido em Carcavelos que a paz é uma ideia distante quando um invasor “ainda” ocupa partes de um país invadido.
As lições de Olena Zelenska e os contraste com a Rússia e a comunidade internacional
Desde que a invasão na Ucrânia começou, esta é a segunda vez que Olena Zelenska vem a Portugal. Da primeira, abriu a edição de 2022 da WebSummit com um discurso virado para a tecnologia e a forma como a Rússia a estava a utilizar “ao serviço do terror”. A fase do conflito não poderia ser mais diferente, dado que a Ucrânia estava a conseguir fazer avanços significativos no terreno; agora é a Rússia que está na ofensiva. Esta quinta-feira, a primeira-dama foi mais incisiva e crítica do Kremlin, destacando que, por causa da guerra, o país aprendeu “algumas lições valiosas”.
“A guerra obriga a redefinir-se as prioridades”, sublinhou Olena Zelenska. Uma dessas lições foi a adaptação às mudanças no dia a dia dos ucranianos, exemplificando que já não conseguem apanhar aviões e “chegar a Portugal em apenas quatro horas”: “A resiliência ganhou um novo significado. Há que ter determinação para viver durante um conflito com balanço e esperança”. Diante da mudança radical do quotidiano da população, Olena Zelenska lembrou que “um míssil pode atingir a Ucrânia em 30 segundos e tirar a vida de famílias. Cria momentos de terror”.
Outra lição importante que os quase mil dias de guerra ensinaram em particular à liderança ucraniana é que “algumas decisões críticas devem ser tomadas em segundos”. Olena Zelenska aproveitou novamente para frisar que enquanto a Ucrânia tem de ser rápida a reagir não vê esse assertividade e essa rapidez na defesa da Ucrânia e do direito internacional. E avisou que a “paralisia” pode originar a “divulgação de narrativas russas pode perpetrar atos de violência” de Moscovo.
Em relação à Rússia, a mulher de Volodymyr Zelensky também referiu que a Ucrânia aprendeu uma importante lição — que deve ser estendida a outras partes do globo. Segundo a primeira-dama ucraniana, Kiev percebeu que as ameaças russas são para ser levadas a sério e não um “exercício de retórica”. Ao longo dos últimos anos, o Kremlin “foi ameaçando e negando o direito da Ucrânia existir”, tendo passado à ação. Inicialmente, em 2014, Vladimir Putin ordenou a anexação da Crimeia e iniciou um conflito apenas no leste ucraniano com o recurso a milícias em Donetsk e Lugansk. Oito anos depois, invadiu o país e tinha a intenção de tomar a capital em três dias.
A primeira-dama também realçou ainda, no seu discurso, o que considera ser o “mais triste” desde o início da invasão: “A deportação sistemática de crianças ucranianas para a Rússia”. “Foram mais de 19 mil crianças retiradas”, precisou, lamentando que tenha havido “inação”, nomeadamente das “organizações internacionais”, em relação à temática: “É doloroso e testemunhamos isso a acontecer”.
Ainda que defenda a realização de iniciativas como a que ocorreu esta quinta-feira na Nova SBE, Olena Zelenska tentou dar outra lição às pessoas que a assistiam: “Devemos usar o pensamento para catalisar a ação global. Devemos envolvermo-nos em discussões substanciais, mas com desfechos tangíveis”. Ou seja, a primeira-dama ucraniana sugere que, apesar de haver vários fóruns em que existem condenações à Rússia, muitas vezes não são colocadas em prática.
Ciente de que a situação geopolítica pode não estar a favorecer a Ucrânia, a primeira-dama da Ucrânia avisou que “nenhum crime” cometido pela Rússia é “distante” — e todos representam uma “ameaça” para a Humanidade. Para evitar essas ameaças, é preciso “ação”, sendo que só assim é que possível “moldar o nosso futuro”. “Se nós nos comprometemos com a ação, podemos trazer a paz”, rematou Olena Zelesnka.