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O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, intervém na sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, na Assembleia da República, em Lisboa, 19 de junho de 2024. RODRIGO ANTUNES/LUSA
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Centeno, melhor do que ninguém, estará consciente de que o Governo não conta com ele

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Centeno, melhor do que ninguém, estará consciente de que o Governo não conta com ele

RODRIGO ANTUNES/LUSA

"Desfaçatez". Ensaio presidencial de Centeno não comove o Governo (nem o PS)

Centeno disse que queria ser reconduzido como governador do Banco de Portugal. Mas entrevista do ex-ministro foi vista como tentativa desesperada de preparar candidatura a Belém. O PS tem dúvidas.

Um grande descaramento. Foi desta forma que o núcleo mais próximo de Luís Montenegro recebeu a entrevista de Mário Centeno ao Expresso, em que o ainda governador do Banco de Portugal assumiu o desejo de continuar no cargo por mais um mandato, quando é já há muito uma evidência que o antigo ministro das Finanças não tem a confiança política do Executivo para ser reconduzido como governador. Aliás, para os sociais-democratas ouvidos pelo Observador, não há grandes dúvidas: Centeno está a tentar vitimizar-se por antecipação para, dessa forma, alimentar uma pré-candidatura presidencial.

Já no início de abril, o Expresso sugeria que a ideia de Mário Centeno (que termina as suas funções no verão de 2025) continuar governador do Banco de Portugal era uma impossibilidade prática. Desde aí, nada mudou, confirmou o Observador junto de fontes próximas de Montenegro. Ora, Centeno, melhor do que ninguém, estará consciente de que o Governo não conta com ele para um segundo mandato, pelo que a insistência nesse cenário por parte do próprio só pode ser lida como uma forma de ganhar algum capital de queixa quando for afastado do cargo e alimentar uma narrativa que lhe permita ambicionar uma candidatura presidencial.

[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]

De resto, e esse facto também não passou despercebido, na mesma entrevista em que assumiu o desejo de continuar no Banco de Portugal, Mário Centeno não descartou uma eventual corrida à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, o que foi visto como sendo de uma enorme “desfaçatez”. “Já quis ser tudo. E vai continuar a querer”, ironiza um elemento da equipa de Luís Montenegro. “Nunca soube estar à altura do cargo. Não seria de esperar que tivesse aprendido a saber estar”, completa outra fonte do Executivo.

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A verdade é que a entrevista de Centeno já está a provocar alguns efeitos no setor. “Seria um escândalo não reconduzir Centeno”, afirmou José Maria Ricciardi ao jornal Eco. “O papel de Centeno, como ministro das ‘contas certas’ e como governador, com a solidez da banca, além do seu prestígio internacional… Se não o fizerem, será um saneamento político“, defendeu o antigo banqueiro. Para Montenegro ouvir.

Mas é pública e conhecida a antipatia política mútua entre Mário Centeno e Joaquim Miranda Sarmento, o ministro das Finanças que terá uma palavra a dizer neste processo, desde os tempos em que o primeiro era ainda governante e o segundo o homem das contas de Rui Rio. Daí para cá, o episódio da demissão de António Costa e a sugestão do socialista de deixar Centeno no lugar de primeiro-ministro, levando o nome a Marcelo Rebelo de Sousa, irritou profundamente os sociais-democratas — Luís Montenegro, então ainda líder da oposição, chegou a sugerir que, no lugar de Mário Centeno, teria apresentado a demissão.

A Comissão de Ética do Banco de Portugal saiu em defesa de Centeno, mesmo admitindo que os efeitos desse caso poderiam causar “danos” à imagem do Banco de Portugal. No mesmo dia, nesse novembro quente de 2023, os eurodeputados do PPE, da família política de PSD e CDS, escreveram a Christine Lagarde, do Banco Central Europeu, questionando a independência do português. António Leitão Amaro, hoje ministro da Presidência, foi ainda mais claro, dizendo que Mário Centeno tinha perdido “legitimidade e condições objetivas para ser governador do Banco de Portugal”.

Atendendo ao contexto, é difícil imaginar um cenário em que Luís Montenegro escolha reconduzir Mário Centeno — é tão difícil imaginar que não é sequer alimentado como hipótese académica. Por outras palavras: a porta está mesmo fechada. Pelo que a entrevista do ainda governador do Banco de Portugal, por ter surgido num contra-ciclo evidente, causou ainda maior estupefação. Aos olhos dos sociais-democratas, sobra a única explicação razoável: Mário Centeno quer pôr-se na posição de mártir político para ganhar pontos junto da opinião pública.

Centeno, melhor do que ninguém, estará consciente de que o Governo não conta com ele para um segundo mandato, pelo que a insistência nesse cenário por parte do próprio só pode ser lida com uma forma de ganhar algum capital de queixa quando for afastado do cargo e alimentar uma narrativa que lhe permita ambicionar uma candidatura presidencial

Socialistas também não estão inteiramente convencidos

Entre alguns elementos do PS ouvidos pelo Observador, o gesto de Mário Centeno foi percecionado da mesma forma. “Também tenho vontade de ser muita coisa. Mas é preciso mais”, comenta com o Observador um destacado socialista. Existe inclusivamente quem aponte dois pecados no percurso de Centeno e que lhe complicam as contas presidenciais: ter sido número dois de António Costa, não fazendo dele um verdadeiro protagonista, e ter ocupado apenas cargos executivos, quando o perfil para ocupar o Palácio de Belém é necessariamente diferente.

Além disso, há um problema político bem maior. Mário Centeno dificilmente teria capacidade de agregar e liderar uma frente de esquerda para tentar derrotar o candidato da direita — algo que não acontece desde que Jorge Sampaio conseguiu a reeleição, em 2001. Daí para cá, o PS tem tido muitas dificuldades em organizar-se em torno de uma única candidatura e a esquerda tem-se fragmentado por vários presidenciáveis. “A falta de capacidade para agregar a esquerda seria um problema. É evidente”, nota a mesma fonte socialista.

A somar a isto, existe a própria vontade de Pedro Nuno Santos. O líder socialista já garantiu que o PS, ao contrário do que vem acontecendo, vai mesmo apoiar ativamente uma candidatura à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa. Um cenário de frente esquerda seria, em teoria, do agrado do líder socialista, mas é difícil imaginar como é que Centeno teria condições políticas para liderar essa plataforma comum — logo ele, que ficou conhecido como o ministro das cativações para os então parceiros de ‘geringonça’ e era apresentado sistematicamente como um obstáculo à concretização das medidas acordadas entre PS, Bloco e PCP.

Em contrapartida, o estatuto de pai das ‘contas certas‘ e a ideia de que Centeno pode ganhar alguma tração junto do eleitorado mais moderado — instrumental para vencer as eleições — pode ser um trunfo para o ainda governador do Banco de Portugal. No PS, sobretudo junto da ala mais ao centro, já há quem o defenda abertamente, como Ascenso Simões, João Soares ou Adalberto Campos Fernandes. “Daria um excelente Presidente da República se tiver disponibilidade e vontade para isso”, sintetizou o antigo ministro da Saúde, que manteve com Centeno um debate público precisamente à boleia das cativações e que celebrizou a frase “somos todos Centeno”.

Afastados os dois candidatos favoritos no universo socialista — António Costa e António Guterres –, Mário Centeno e António Vitorino — escolhido recentemente pelo Governo para presidir ao novo Conselho Nacional para as Migrações e Asilo — são as figuras que vão surgindo em melhores condições políticas para enfrentar os candidatos da direita nas próximas eleições, ainda que consistentemente a uma distância considerável nas intenções de voto. No último estudo de opinião, da Intercampus para o Negócios e CM, Centeno estava abaixo dos 5%. Se quiser de facto avançar — e existe, no PS, quem jure que tem tudo pronto para o fazer — o ainda governador do Banco de Portugal tem de dar corda aos sapatos.

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