910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

The Road To The Turkish Referendum
i

Recep Tayyip Erdoğan é Presidente da Turquia há nove anos

Getty Images

Recep Tayyip Erdoğan é Presidente da Turquia há nove anos

Getty Images

Entre o Ocidente e a Rússia, o jogo perigoso de Erdoğan. A ameaça de vetar a adesão de Finlândia e Suécia à NATO é a sério ou bluff?

Presidente turco tem mantido um equilíbrio precário entre Rússia e Ucrânia, com vista ao longo-prazo. Agora, ameaça vetar adesão de Finlândia e Suécia à NATO. Será para levar a sério ou é tudo bluff?

    Índice

    Índice

Maio de 2016. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, falava numa conferência sobre a segurança dos Balcãs quando revelou o teor de uma conversa privada que teve com o secretário-geral da NATO: “Vocês estão ausentes do Mar Negro. O Mar Negro tornou-se quase num lago russo”, terá dito Erdoğan a Jens Stoltenberg, de acordo com o relato feito pelo próprio. “Se não tomarmos uma ação, a História não nos perdoará”, acrescentou perante os participantes da conferência. 

Há seis anos, o líder turco implorava à Aliança Atlântica para que aumentasse a sua presença na região para servir de contrapeso aos russos. O contexto era de tensão entre Ancara e Moscovo: a guerra na Síria intensificara-se, com os dois países em lados opostos da barricada (a Rússia a favor do Presidente Bashar al-Assad, a Turquia contra), e o ano anterior tinha até sido marcado pela ação turca de abater uma aeronave militar russa na Síria.

Mas o afastamento entre os dois países seria suavemente esbatido ao longo dos anos seguintes. De tal forma que, chegados a 2022, Erdoğan tem capital político suficiente junto da Rússia para se assumir como um país neutral face à guerra na Ucrânia, tentando mediar um acordo de paz. O esforço ainda não está a trazer resultados positivos para Ancara — mas já lá vamos. Antes disso, é impossível ignorar o novo papel que a Turquia tenta ocupar no panorama internacional, com Erdoğan a anunciar que poderia vetar a adesão da Suécia e da Finlândia à NATO.

Como explicar, porém, que em apenas seis anos o líder turco tenha passado de pedir robustez da Aliança face à Rússia para uma posição em que pode agora servir os seus interesses relativamente à NATO? E logo numa altura em que a Rússia tenta conquistar mais território em torno do Mar Negro?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A questão curda a servir de entrave à entrada da Suécia na NATO

Primeiro veio o torcer do nariz. “Estamos a acompanhar os desenvolvimentos com a Suécia e a Finlândia, mas não temos pensamentos favoráveis [à adesão]”, afirmou Erdoğan aos jornalistas, na passada sexta-feira, a propósito das intenções reveladas pelos governos sueco e finlandês de se juntarem à NATO. Dois dias depois, o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlüt Çavuşoğlu, vinha por àgua na fervura ao dizer que a Turquia necessitava apenas de “garantias de segurança” e que, caso fossem dadas, não colocaria entraves a essa adesão.

Mas eis que, esta segunda-feira, Erdoğan voltou a endurecer o tom: “Nenhum destes países tem uma atitude clara em relação a uma organização terrorista”, disse, referindo-se ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK na sigla original). “Como é que podemos confiar neles?”

Dois dias depois, surgiu a primeira ameaça a sério: Ancara bloqueou a fase inicial do processo, de acordo com informações de uma fonte ao Financial Times. “Não estamos a dizer que eles não podem ser membros da NATO”, comentou um delegado turco ao jornal. “Estamos apenas a dizer que temos de estar na mesma página.” A Turquia exige a extradição de 30 “terroristas” do PKK para mudar de posição.

A demonstrator shows a victory sign during the demonstration

Manifestação pró-curda em Malmö, na Suécia. Ancara acusa o país de acolher membros do PKK

LightRocket via Getty Images

Para Aaron Stein, investigador do Foreign Policy Research Institute e especialista em política turca, os ziguezagues das tomadas de posição pública de Ancara nesta matéria explicam-se pelas “tensões dentro do sistema”, entre o Presidente Erdoğan e os burocratas do aparelho de Estado. Em geral, o académico desvaloriza-as, porque diz que a posição geral é a mesma: “Veem a Suécia como um poder hostil.”

Em causa está a posição do governo sueco face ao PKK e, em particular, às YPG. O que significam todas estas siglas? Bom, vamos por partes. O PKK é há muito definido como um dos principais inimigos do Estado turco. Inicialmente proponentes da criação de um Estado curdo independente da Turquia, o PKK defende hoje mais direitos para a minoria curda. Só que, a par dessa evolução ideológica, o PKK também passou de movimento armado para grupo terrorista — é assim classificado não apenas pela Turquia, mas também pela União Europeia e pelos EUA.

E é aqui que entra a Suécia, como explica ao Observador Berk Esen, professor de Ciência Política da Universidade Sabancı, na Turquia: “Este conflito dura desde a década de 1980 e, por várias razões, a Suécia acabou por se tornar um refúgio para alguns membros do PKK que fugiram da Turquia e acabaram por se fixar ali.” Aaron Stein, por outro lado, invoca a perseguição política a alguns dos seus membros como razão para Estocolmo lhes ter concedido asilo. E acrescenta outro ponto: “A Suécia tem tido uma política de apoio às YPG”, diz, referindo-se às Unidades de Proteção Popular curdas, que têm protagonizado parte da resistência militar contra as forças de Assad (e, a partir de certa altura, contra o Estado Islâmico) no norte da Síria. A Turquia classifica também as YPG como terroristas, pela sua ligação histórica ao PKK, por ver em ambas ameaças à sua coesão territorial, caso os curdos consigam fundar um Estado autónomo.

"A Suécia tem em vigor um embargo à venda de armas à Turquia. Portanto, Erdoğan pode dizer ‘Como podemos estar na mesma aliança militar e pagar, de certa forma, a defesa de um país que se recusa a vender-nos armas’?”
Berk Esen, professor de Ciência Política na Turquia

A questão curda, porém, não é o único entrave a esta adesão da Suécia — e, por arrasto, da Finlândia — à Aliança Atlântica. “A política externa sueca tem sido muito crítica da Turquia, em parte por razões justificáveis como as violações de direitos humanos”, aponta o professor Esen (episódios como a prisão preventiva de magistrados e a limitação da liberdade de expressão de líderes religiosos sustentam as decisões de instâncias internacionais a este respeito).

“Mas, além disso, a Suécia tem em vigor um embargo à venda de armas à Turquia. Portanto, Erdoğan pode dizer ‘Como podemos estar na mesma aliança militar e pagar, de certa forma, a defesa de um país que se recusa a vender-nos armas’?” Os dados estão lançados. Irá a Turquia fincar o pé até ao fim ou poderá a sua posição ser mais flexível, como tem demonstrado face à guerra da Ucrânia?

Uma Turquia “em cima do muro” face a Ucrânia e Rússia

Uma no cravo, outra na ferradura. Esta parece estar a ser a estratégia turca face à invasão russa, ora agradando a Kiev — como quando classifica a “operação militar” como guerra e quando fornece drones Bayraktar ao exército ucraniano — ora a Moscovo — não impôs qualquer sanção à Rússia e acolheu vários oligarcas desde o início da guerra.

Como atacam os drones topo de gama que ajudam a Ucrânia e se tornaram um símbolo da resistência

Ao mesmo tempo, Ancara não esconde que tem como objetivo servir de mediador entre os dois lados e, possivelmente, promover um cessar-fogo ou até mesmo um acordo de paz. O porta-voz do Presidente, Ibrahim Kalin, tem liderado esses esforços, tendo já conseguido um encontro entre os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, ainda em março, e entre várias delegações — que incluíram o empresário sancionado Roman Abramovich como intermediário.

Turkish President Erdogan's Visit To Ukraine Russian President Vladimir Putin Receives Turkish President Erdogan

Erdoğan com Zelensky e Putin. A Turquia tem tentado mediar a guerra na Ucrânia

dia images via Getty Images

Porquê esse súbito interesse? Por um lado, há um elemento de relações públicas. “Se Erdoğan conseguisse acabar com a guerra, aumentaria o seu estatuto diplomático. Como líder autocrático que é, necessita disso”, resume o professor Esen. Aaron Stein acrescenta outro ponto: “Os turcos achavam que a guerra ia ser rápida e que a Ucrânia ia cair. Assim, convinha-lhes ser os mediadores, porque teriam mão no processo de paz e poderiam defender os seus interesses no Mar Negro.”

À medida que ficou claro que Kiev não seria tomada e que a guerra estava para durar, Ancara teve de se adaptar. “Continuam a ser oficialmente neutrais, mas estão a tomar passos inesperados, como a aplicação da Convenção de Montreux”, aponta. Em causa está um Tratado de 1936 que prevê que a Turquia possa fechar os estreitos do Bósforo e de Dardanelos a navios militares em caso de conflito, o que impede os russos de reforçar a sua frota de guerra no Mar Negro. Ao mesmo tempo, “estão a agilizar as vendas dos drones Bayraktar [ao exército ucraniano]”, acrescenta Stein. “Sei que estão a colocar a Ucrânia em primeiro lugar na lista de fornecimento e a acelerar a produção, mas a Turquia não assume o crédito disso, sublinha que é um negócio de uma empresa privada com a Ucrânia.” A empresa, porém, pertence ao genro do Presidente Erdoğan.

É uma posição “em cima do muro”, mas com os pés “para o lado da Ucrânia”, considera o investigador. E há várias razões para isso, que vão desde os laços económicos — a Turquia importa grande parte do seu trigo da Ucrânia e é o maior investidor estrangeiro no país — até ligações históricas, como aos tártaros da Crimeia. Bem como a preocupação de garantir que o Mar Negro não se torna no tal “lago russo” para que Erdoğan avisava em 2016 — situação mais próxima de acontecer agora que Moscovo tenta estender a ofensiva em direção a Odessa.

“A situação em Idlib [na fronteira com a Turquia] é muito delicada”, aponta Berk Esen. “Se Putin atacar civis em Idlib, centenas de milhares de refugiados vão dirigir-se para a Turquia.” É por isso que o Presidente russo, diz o professor, “tem a mão à volta da garganta de Erdoğan em Idlib”.

Mas, se assim é, porque não apoiar abertamente a Ucrânia? Porque antagonizar os russos significaria pagar um preço demasiado alto. Quase metade de todo o gás natural consumido na Turquia vem da Rússia, bem como 17% do petróleo e outra grande parte do trigo essencial ao país. A isso somam-se os turistas russos: 4,7 milhões por ano. Algo impossível de ignorar num país que enfrenta uma grave crise financeira — e que tem eleições para o ano.

A tudo isto soma-se a situação na guerra da Síria, onde ambos os países estão envolvidos. “A situação em Idlib [na fronteira com a Turquia] é muito delicada”, aponta Berk Esen. “Se Putin atacar civis em Idlib, centenas de milhares de refugiados vão dirigir-se para a Turquia.” É por isso que o Presidente russo, diz o professor, “tem a mão à volta da garganta de Erdoğan em Idlib”.

Turquia, o “rebelde dentro da NATO” que acaba por beneficiar Moscovo

Se neste equilíbrio difícil entre Ucrânia e Rússia a Turquia tem pendurado os pés “para o lado de Kiev”, a verdade é que continua também a servir os interesses de Moscovo. Aaron Stein reconhece-o num ponto: “Os russos não estão interessados numa verdadeira mediação e estão a usar a Turquia para promover os seus pontos de vista”, diz. Basta relembrar que a primeira vez que a Rússia falou no propósito de “desnazificar” a Ucrânia foi, precisamente, durante negociações.

É por isso que o investigador não tem dúvidas em afirmar que o processo de mediação turco não está a correr bem a Ancara. “A Turquia é a maior perdedora desta situação”, decreta, destacando como o prolongamento do conflito não beneficia uma solução de paz promovida por Erdoğan.

Turkish President in Germany - Cologne

A Turquia de Erdoğan já assumiu publicamente que pode vetar a adesão de Finlândia e Suécia à NATO

picture alliance via Getty Image

Talvez por isso, os turcos fazem agora um braço-de-ferro na questão da NATO, tentando extrair concessões da Aliança. Afinal, o porta-voz Ibrahim Kalin chegou mesmo a dizer que, “quando tudo isto tiver terminado, haverá uma nova arquitetura de segurança mundial”. “O governo de Erdoğan está a jogar um jogo a longo-prazo, tal como a Hungria de Viktor Orbán”, aponta o professor Esen. “As garantias de segurança destes líderes dependem da sobrevivência dos seus próprios regimes.”

Para isso, procuram “explorar crises, de forma a aumentar a sua posição de negociação com o Ocidente”, afirma, tal como Erdoğan fez no passado com a crise de refugiados de 2015, em que a Turquia aceitou acolher grande parte dos refugiados sírios em troca de um pacote de ajuda económica da União Europeia. O grande alvo para a Turquia são os Estados Unidos, atualmente de relações esfriadas com Ancara. “Tínhamos boas relações com Obama e com Trump e não tínhamos dificuldades em conversar. Conseguimos o mesmo com o senhor Biden? Não”, queixou-se recentemente o Presidente turco. Ao colocar entraves à adesão de finlandeses e suecos à NATO, Erdoğan chama a atenção dos norte-americanos, que nos próximos dias se desdobrarão em conversas com os turcos.

“Cada vez que a Turquia bate o pé, toda a gente diz ‘O Erdoğan está a negociar, ele age como se estivesse num bazar turco’, mas isso é uma treta. A Turquia tem princípios firmes, agarra-se a eles e exige concessões do outro lado. E quando não lhas dão, ele também não cede.”
Aaron Stein, investigador do Foreign Policy Institute Research

Mas, perante o cenário atual, qualquer estratégia que implique confrontar o Ocidente acaba, indiretamente, por ajudar a Rússia. E a NATO é o novo palco onde esse equilíbrio se joga: “Ao agir como rebelde dentro da NATO, a Turquia, à semelhança da Hungria, acaba por beneficiar a Rússia, porque pode enfraquecer a Aliança”, aponta Esen. “Com esta posição face à Finlândia e à Suécia, a Hungria tem agora margem para também se opor. E esse seria um ótimo negócio para Putin. A Turquia é muito mais valiosa para ele dentro do que fora da NATO.”

Turkish President Erdogan Meets Hungarian PM Orban To Talk Syria And Migration

Se a Hungria alinhar com a Turquia de Viktor Orbán (à direita), Suécia e Finlândia podem ter o processo de adesão à NATO ainda mais complicado

Getty Images

A grande dúvida que resta é se Erdoğan irá acabar por ceder nesta questão ou se poderá mesmo vetar a adesão dos nórdicos à NATO, num processo que exige unanimidade de todos os seus membros. Berk Esen diz que é impossível prever, mas admite que a solução para a Aliança possa estar em descobrir “qual é o preço de Erdoğan”. “Ele é um líder egoísta. Se conseguirem satisfazê-lo a um nível pessoal, talvez ele abandone a ideia de vetar esta adesão”, afirma.

Aaron Stein, porém, não está tão otimista. “Cada vez que a Turquia bate o pé, toda a gente diz ‘O Erdoğan está a negociar, ele age como se estivesse num bazar turco’, mas isso é uma treta. A Turquia tem princípios firmes, agarra-se a eles e exige concessões do outro lado. E quando não lhas dão, ele também não cede.”

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.