É um guerrilheiro de primeira água política doublé de governante. Dizem que a primeira condição suplanta a segunda e que o fervor do combate o preenche mais que o labor com as secretarias regionais do seu Executivo. A verdade é que — “grão a grão” — Miguel Albuquerque, 57 anos, liderou a Câmara do Funchal por três mandatos, desafiou Jardim, perdeu por uma unha negra. Insistiu, veio a ganhar o PSD/M meses depois contra cinco “companheiros” e, a seguir, ganhou o governo. Nas próximas eleições, daqui a alguns meses, pode vir a ser vítima do cansaço do jardinismo e do enjoo da cor alaranjada que há trinta e muitos anos tinge a ilha. Também se fazem apostas. Ele sorri: não acredita. Instintivo, apressado, lutador, impaciente, nunca se deu por vencido. Desta vez também não.
Como classifica a expectativa política com que muitos olham hoje, aqui na Madeira, o seu adversário, presidente da Câmara do Funchal? Há algum desalento no PSD, há cansaço no seu eleitorado? Como se explica que se fale com verosimilhança política de Paulo Cafofo?
Uma coisa são as eleições autárquicas. Outra, completamente diferente, as eleições regionais. O PSD/Madeira está mobilizado para vencer as eleições regionais. E vai vencê-las. Até porque as expectativas relativamente ao ainda presidente da Câmara do Funchal, dia após dia, estão a ser completamente defraudadas. Não cumpriu a palavra com os funchalenses: disse antes das eleições que ia exercer o mandato para que foi eleito. Mas logo violou o compromisso, abandonou as suas funções e a gestão do Funchal está caótica: o Funchal está sujo, o urbanismo paralisado e o trânsito infernal.
Eu falava de cansaço, são quase 40 anos…
As pessoas são lúcidas e não querem mudar para pior. O Governo vai cumprir todos os seus compromissos, a recuperação económica está em curso, em todas as áreas, o desemprego baixou substancialmente, baixamos os impostos, relançamos obras estruturais, reforçamos os apoios sociais. No momento certo, o que há para decidir é o futuro, quem tem mais capacidade para governar a região e quem tem fibra, coragem e determinação para defender os madeirenses e porto santenses naqueles que são os seus direitos e expectativas.
Pelo seu histórico, pelo perfil dos seus dirigentes, pela sua fraqueza e submissão relativamente ao poder central, as pessoas sabem que não podem contar com o PS/Madeira. O PS está cheio de soberba, confundindo eleições autárquicas personalizadas com as regionais, com características muito próprias…
São muito personalizadas, é um facto. Mas esperava-se mais e melhor do PSD.
Podia ser melhor: mas, como já disse, não confundamos as eleições. As pessoas já perceberam que o PS/Madeira não precisa de um cozinhado de cambalachos e cálculos interesseiros para a tomada do poder. Uma agência de comunicação não faz um programa, não consolida uma doutrina, nem uma boa governação. O PSD sempre esteve habituado a lutar: quanto mais difícil é o combate, mais o partido se une e mobiliza. Em 2019 não será diferente.
Não será porque que justamente Miguel Albuquerque é, como já mostrou – e foi o único a fazê-lo no PSD/M – um homem de combate mais que um governante? Às vezes não coincide.
Coincide. O centro-direita em Portugal tem muitas vezes vergonha de o ser. Submete-se à cartilha idiota do “politicamente correcto” e aos dogmas da esquerda, porque é cómodo viver no limbo. Não ter chatices. Não combater. Sou um homem livre. E não tenho medo de defender e combater por aquilo em que acredito.
Toda a gente já percebeu – mesmo que não queira admitir – que este governo da “geringonça” é um embuste e que a dita “reversão da austeridade” não passa de uma fraude. No ano passado tivemos o maior aumento de impostos em Portugal – quase 35% do PIB e o menor investimento público da OCDE, menos de 1,5% do PIB. Esta é a verdade. Mas há uns que fazem que não notam. Como dizia Churchill, “vão dando de comer ao crocodilo na esperança de serem devorados em último lugar…” Os serviços públicos estão em colapso aí no continente – atente-se o que se passa na saúde – e os portugueses vão pagando mais e mais impostos. O País não se reforma, não cria riqueza, e a única coisa que interessa é “jogar para o lado” para a esquerda se manter no poder. Sou um governante que vou cumprir o que prometi ao povo. Vou defender, com sentimento de dever cumprido, o projeto do PSD/M, o único que garante um futuro de estabilidade e progresso à Madeira.
Para ir para o terreno tem de levar alguma coisa na mão: há três temas da sua governação que a oposição não cessa de lhe “atirar à cara”. Falemos deles: a questão do hospital, a solução dos juros da dívida, o subsídio de mobilidade. Comecemos pelo hospital, projeto considerado de interesse comum, o que pressupõe que a Republica financie metade — passa o tempo e tudo permanece encalhado.
O Hospital da Madeira não vai ficar encalhado.O primeiro-ministro António Costa, quando esteve na Madeira no último mês de Maio, no dia 21, prometeu publicamente a todos os madeirenses e porto santenses que o Estado iria comparticipar no valor da obra de construção e equipamentos em 50%. Disse-o publicamente. Foi difundido por todos os órgãos de comunicação. A resolução do Conselho de Ministros, todavia, não veio refletir a palavra dada do senhor primeiro-ministro – algo inacreditável – uma vez que contempla o financiamento em apenas 13%.
Todos os partidos com assento parlamentar, com exceção do PS/M, obviamente ficaram perplexos com o desplante. Esperamos que a palavra dada seja reposta em sede de especialidade no Orçamento. Mas, entretanto, porque com a saúde das pessoas não se brinca e esta é uma infraestrutura demasiado importante para a Madeira, na última quinta-feira o Conselho de Governo Regional já deliberou apoiar o projeto e abriu concurso público internacional para a obra.
Qual o ponto de situação sobre as taxas de juro da divida da Madeira à República, cuja descida o levou a reclamar para Lisboa outras condições no pagamento dessa mesma dívida?
Quanto às taxas de juro, esta é também uma vergonha que não é resolvida. Quando veio em campanha eleitoral à Madeira em 2015, o agora primeiro-ministro afirmou que era injusto e descabido a região estar a pagar uma taxa de juro pelo empréstimo ao Estado muito superior àquela que o Estado Português está a pagar à troika – 3,375% a região autónoma; 2,5% o Estado português – uma vez que ambos os empréstimos foram contraídos em circunstâncias de emergência semelhantes. Não fazia sentido, nem faz, o Estado estar a ganhar dinheiro à custa da Madeira. Apesar da promessa, nada é resolvido. O Estado recebe a mais da região 12 milhões de euros por ano, numa atitude agiota inqualificável, pois esse dinheiro a mais devia ser injetado no Serviço Regional de Saúde, onde faz muita falta.
E agora a questão do subsídio de mobilidade. Pelo que sei toda a gente aqui na Madeira, com mais ou menos burocracia, recebe esse subsidio, isto é, paga o bilhete por inteiro e depois acaba sempre por receber a diferença. Além de que o preço para cá nunca esteve tão baixo, ao contrário dos preços pagos pelos continentais para virem à Madeira.
Há duas questões cruciais, ambas relacionadas com a mobilidade. Primeiro, o sistema está desde há mais de dois anos à espera de revisão e não é revisto pelo Governo PS, justamente, naquele aspeto que mais prejudica as famílias. Um casal que tem um ou dois filhos a estudar em Lisboa, sobretudo nas alturas de “pico”, do Natal, Verão, Páscoa e fim do ano – muitas vezes não tem rendimento disponível para adiantar 600 ou mais euros (quando se trata de um filho) ou mil euros (quando se trata de dois filhos) para adiantar dois ou três meses, antes de ser ressarcido. Esta é uma situação angustiante, sobretudo, para as famílias de médio ou baixo rendimento, que muitas vezes ficam impedidas de ter os seus filhos em casa durante o período das férias, sobretudo no Natal.
O Governo a que presido fez agora um acordo com as agências e, através de um fundo por nós contratado, procedemos a esses adiantamentos para os estudantes para quatro viagens por ano. Mas a situação mantém-se para os outros madeirenses e porto santenses, que são obrigados a adiantar verbas exorbitantes do seu bolso para viajarem dentro do mesmo país, dentro de território nacional. O governo da República não parece afligir-se com esta situação e os deputados do PS/M eleitos para a Assembleia da República tiveram o topete de votarem contra uma resolução da Assembleia Legislativa da Madeira que propunha uma solução para os residentes da Região pagarem apenas 86 euros.
Tem criticado muito a TAP. Demasiado, dizem muitos. Considera que tem razão?
A TAP é uma companhia, com maioria de capital público, 50%, que pratica preços astronómicos para a Madeira, prejudicando o seu turismo e os seus residentes. Para destinos europeus e outros destinos turísticos extra-europeus a companhia pratica preços muito mais acessíveis. Para Madeira e Porto Santo, porém, os preços são exorbitantes.
Tenho imensos amigos em Lisboa, Porto, Guimarães, Algarve, que não conseguem visitar a Madeira pois os preços da TAP são altíssimos. Ou seja, devido a uma política comercial surrealista, ela prejudica o turismo nacional e a mobilidade dentro do território nacional. E, enquanto isto, o Estado e o governo, que tem a maioria do capital e, obviamente, administradores nomeados, não intervém e nada faz para pôr cobro a este autêntico escândalo. Para não falar dos atrasos e voos cancelados por razões “operacionais” – perto de 90 desde o início do ano. Ou seja, um regabofe no qual o governo não se mete. Porquê? Porque não quer ou não lhe interessa.
Não percebo se me está a dizer que o governo socialista de António Costa, movido pelo empenho de que a Madeira mude de laranja para rosa, pode estar a atrasar o cumprimento dos compromissos com a região?
O PS e o governo da “geringonça” estão possuídos de hubris e, devido à arrogância e soberba do poder , consideram poder fazer tudo o que entendem. Considera ainda que tudo pode ser manipulado e disfarçado, adiando deliberadamente as questões essenciais para a Madeira mas imputando ao Governo Regional a culpa da sua não resolução. Julgo que estão muito equivocados. Aqui na Madeira as pessoas não se deixam enganar facilmente. E se algumas delas estiverem distraídas, nós aqui estamos para denunciar as injustiças e a utilização dos poderes do Estado para fins partidários e eleitorais.
A política às vezes não casa bem com o cansaço. Não admite que os madeirenses queiram simplesmente mudar?
Admito que os madeirenses não querem mudar para pior, não querem ser mandados por marionetas do governo de Lisboa e não suportam ser discriminados nem injustiçados por viverem numa ilha. Não apreciam líderes que vivem do simulacro e da conversa fiada. E ainda menos estão dispostos a abdicar da sua autonomia política tão duramente conquistada.
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fala da região consigo? Interessa-se pela Madeira e pelas suas circunstâncias? São “companheiros” no PSD, conhecem-se, ele esteve cá muito recentemente. Como é a sua relação política com ele?
Tenho ótima relação pessoal e institucional com o Presidente. Já denunciei, ainda na sua recente visita, inclusive com documentos, a utilização reiterada dos poderes do Estado por parte deste governo da República para a prossecução de fins eleitorais e partidários. É algo nunca visto. O Presidente é eleito por sufrágio universal e, com base nessa legitimidade reforçada, deverá exercer os seus poderes de influência para garantir o regular funcionamento das instituições e o normal relacionamento institucional entre os governos. Por outro lado, deve assegurar que as competências da região, no quadro autonómico, são preservados da nova investida centralista deste governo.
Insisto: em que termos abordou com o Presidente da Republica os dossiers que o afligem?
Falamos de todos os dossiers. E o Presidente é um homem muito inteligente e muito bem informado, conhece há muitos anos a região e o seu povo. Conhece a força e o carácter madeirense. Quando esteve agora no liceu do Funchal foram os próprios estudantes que lhe falavam com preocupação das dificuldades dos adiantamentos e preços exorbitantes das passagens; no Porto Santo, foi abordado por diversos populares sobre a falta de ligações ao território continental. A popularidade do Presidente continua em crescendo. Estivemos sempre no meio da população e até tivemos ocasião de visitar e provar as célebres “lambecas” (gelados) do Porto Santo.
A Câmara Municipal do Funchal, onde está Paulo Cafofo, é vista como o grande altar da oposição, mas sobretudo como o melhor trampolim para chegar ao poder da região.O que aliás, de certo modo, começou consigo, quando por três vezes liderou a autarquia da capital da Madeira. Em Lisboa, o modelo foi muito parecido: Jorge Sampaio, Pedro Santana Lopes, António Costa passaram pela Câmara antes de Belém ou São Bento.
Não é um padrão, nem um requisito.
Ultimamente apercebi-me da subida de tom da suas críticas a Lisboa, de que esta nossa conversa é uma prova. Lembra-me até uma espécie de surpreendente encarnação sua do jardinismo. Pergunta delicada: porque o faz? Dá votos, traz-lhe vantagens internas, compensa eleitoralmente?
Não há guerra. Gosto de Lisboa e tenho imensos amigos em Lisboa. A minha disputa é com o centralismo atávico de um governo que insiste em discriminar a região. Não fui eleito para me submeter a quem quer que seja, mas para defender o que é justo para a Madeira e os madeirenses, e para esta parte atlântica de Portugal secularmente esquecida e ostracizada. Não peço impossíveis. Reclamo princípios – como o da continuidade territorial e da coesão social e económica, que são alicerces essenciais de um Estado de Direito e de um País justo, cosmopolita e próspero. Sonhar com uma Madeira melhor é um crime? Claro que não! Reclamar o que é justo é uma alucinação? De modo algum! O que eu acho é que Portugal tem demasiadas pessoas acomodadas… que depois se queixam. Não é de todo o nosso caso.
Seja. Mas o certo é que encontro hoje algumas nuances na forma e no conteúdo do seu discurso político: no início, quando chegou ao governo, houve um corte com o jardinismo. Hoje parece que Alberto João Jardim ressuscitou através de si. Tanto que Miguel Albuquerque foi buscar Pedro Calado, um gestor com provas dadas mas também um simpatizante “jardinista”, para seu vice-presidente. Concorda que o seu gesto pode suscitar leituras políticas?
Sempre fui autonomista. Nunca reneguei a obra monumental do dr. Alberto João Jardim no progresso e desenvolvimento da Madeira. Pedro Calado é um ótimo político e gestor que trabalhou comigo oito anos na Câmara do Funchal. Os pseudo-consensos das nossas pseudo-elites a que levaram nos últimos anos? Sim, a que levaram? São um péssimo exemplo para o nosso povo. Detesto rotativismos, abomino o “nim”. Em política devemos saber o que queremos e executá-lo em conformidade. Neste aspeto, sou como os americanos, que detestam a hesitação em matérias essenciais.
A Madeira está no cerne da futura política atlântica do nosso País. Em Portugal não se pensa em termos geopolíticos, não se reflete na futura projeção atlântica portuguesa no novo contexto mundial. Prefere-se discutir as tricas diárias sem lastro nem consequências. É pena.
Continua a insistir que vai ganhar ? Não parece preocupado.
Não. Pelo contrário: estou bastante entusiasmado! Até porque o PS nunca percebeu uma coisa…
…qual?
Um partido, numa ilha, tem sempre de defender os ilhéus. Ora, o PS aqui nunca o fez. Nunca houve um discurso combativo ou reivindicativo. Nem uma retórica política consequente com a prática: na defesa da Madeira e dos madeirenses, no aspeto das iniquidades, no princípio da coesão. Isso nunca foi feito.
Mas o PS nunca governou — nem sozinho, nem em coligação. Nunca ocupou espaço político relevante, não sei se terá influenciado por aí além a sociedade civil madeirense.
Praticaram política na Assembleia, no partido tinham quadros, sempre tiveram quadros que são pessoas conhecidas. O que sucede é que nunca se conseguiram afirmar na Madeira! E por alguma razão…
Continua a tocar piano todos os dias?
Todos os dias. Toco à hora do almoço. Vou a casa, almoço num quarto de hora e sento-me ao piano uns minutos. Toco de improviso ou sem ser de improviso. Jazz, clássico, outras coisas, o que me apetecer na altura. Hoje, de repente, veio-me à cabeça o “Prometido é Devido” do Rui Veloso e toquei.
Para as rosas é que já há menos tempo, não é? Sente a falta delas ou quando corta com as coisas, sejam elas quais forem, corta mesmo?
É verdade. Plantei algumas na Quinta Vigia. Sinto a falta delas; mas as de má qualidade ou infetadas, não só corto, como arranco a planta para não propagarem as maleitas às roseiras saudáveis…