Quando foi entrevistado pelo Observador no verão de 2016, Evangelos Venizelos já dizia que o terceiro resgate era um memorando sem fim à vista e uma autêntica derrota nacional. Dois anos depois, diz que o governo de Alexis Tsipras aceitou tudo o que a Europa ditou e o resultado é um “memorando permanente para a dívida”.
Evangelos Venizelos, foi ministro de oito pastas diferentes ao longo de duas décadas, mas foi como ministro da Defesa que a fase mais difícil começou, quando, depois de perder a eleição interna no PASOK para George Papandreou, aceitou integrar o seu Governo em 2009. Fez parte dos governos que pediram os dois primeiros resgates, foi o ministro das Finanças que negociou a reestruturação da dívida pública grega em 2012 e, mais tarde, foi vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de coligação de 2013, quando a Nova Democracia ganhou as eleições.
Agora na oposição, numa entrevista por email com o Observador, o antigo governante mantém as críticas ao Syriza e a Alexis Tsipras, acusando o atual governo de completa inaptidão para negociar e de ter arrastado o país para uma saída do programa sem qualquer rede de segurança — a chamada saída limpa — para criar a ideia de sucesso, uma narrativa que nenhum analista sério acredita, diz. “Esta não é uma história de sucesso”, diz.
A Europa diz que a Grécia recuperou a liberdade para tomar as suas próprias decisões, mas com todas as restrições em curso que impôs será mesmo assim?
O que os responsáveis europeus dizem publicamente é que a Grécia tem de respeitar os compromissos que assumiu em termos orçamentais, de mudanças estruturais, para aumentar a sua competitividade, e nas privatizações. É uma forma de relembrar a Grécia que a 10 de setembro os representantes da Comissão Europeia estarão novamente em Atenas. Há instrumentos de pressão fortes para que a Grécia cumpra o que acordou com os parceiros, com as medidas para a dívida uma importante alavanca nesse sentido. O que há é um memorando permanente para a dívida. Esta é a maior falha do atual governo grego, que não fez quaisquer reais negociações, apenas aceitou o acordo tal como ditado pelos parceiros europeus.
É de certa forma a continuação do programa, mas sem um memorando?
É um ‘programa depois do programa’, com condições rígidas, isto é, com um memorando, mas sem um empréstimo. Este é um programa de longo prazo, em que a primeira data chave é 2022, que é quando terminam as medidas orçamentais já detalhadas — um novo corte de pensões e a redução do mínimo de existência no IRS –, e o saldo primário anual de 3,5% do PIB. A segunda data fulcral é 2032, que é quando serão revistas as medidas necessárias para assegurar a sustentabilidade da dívida. A terceira data é 2060, quando se prevê que o pagamento dos empréstimos europeus deve terminar. No entanto, o compromisso de longo prazo de ter um saldo primário anual de 2,2% do PIB entre 2022 e 2060 já foi assumido. O mais complicado é que este esquema baseia-se na aceitação da previsão que a economia grega vai crescer cerca de 1% ao longo deste período.
Porquê uma ‘saída limpa’ em vez de um programa cautelar?
O nosso governo conseguiu um acordo para ter um programa cautelar em novembro de 2014 e foi decidido pelo Eurogrupo que essa seria a forma de a adotar depois do segundo programa. Mas entretanto aconteceu o seguinte: os parceiros europeus não quiseram negociar formalmente um programa cautelar porque não queriam voltar a pedir autorização aos seus parlamentos. Ficaram-se por criar uma almofada financeira que eles próprios controlam e que serve para cobrir as necessidades de financiamento até 2020. O governo grego não apresentou objeções porque queria usar a narrativa da ‘saída limpa’. Mas os mercados não estão a comprar esta história, nenhum analista que seja sério a aceita. Na prática, a ausência de um programa cautelar significa que os bancos gregos não têm financiamento direto do Banco Central Europeu e que a Grécia não pode beneficiar da última fase dos estímulos do BCE. Por isso, chegámos a um ponto em que a Grécia está fora do programa, mas na prática também está fora dos mercados.
O governo grego tem liberdade suficiente para decidir a sua política e decidir que medidas aplica, como alterar os cortes de pensões já aprovados para o próximo ano e que tinham sido matéria de acordo no Eurogrupo?
Qualquer mudança desse género exige o acordo dos parceiros no Eurogrupo.
Acha que Tsipras tem hipóteses de vencer as próximas eleições com o acordo que aceitou para o fim do programa?
Nas sondagens, o maior partido da oposição, a Nova Democracia, tem uma vantagem estável de mais de 10 pontos. Esta situação é o maior desafio para a área política do centro-esquerda e do centro progressista, isto é, a área do PASOK no espetro político, para que possa desempenhar um papel decisivo na derrota estratégica do Syriza e na implementação de um plano de reconstrução nacional.
Acha que a meta para o saldo estrutural é realista?
Esse objetivo é tecnicamente alcançável, mas não por um período de tempo tão longo e não com uma previsão de crescimento tão baixa. Tudo começa com o denominador da fração ‘dívida pública/PIB’.
Acha que é preciso reestruturar a dívida novamente ou é possível gerir uma dívida de 180% do PIB?
Em fevereiro de 2012, quando eu era ministro das Finanças, teve lugar a reestruturação radical da dívida pública grega com uma redução drástica do seu valor, em acordo com os parceiros europeus. Esta foi a maior intervenção numa dívida pública na história económica internacional. 80% cento da dívida pública grega está fora do mercado, detida pelos parceiros da zona euro e pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira/Mecanismo Europeu de Estabilidade [os fundos de resgate do euro]. Os encargos anuais com a dívida desceram para 60% em 2012. O país está a avançar devido à intervenção de 2012, que, no entanto, ainda acautelava mais intervenção no final do segundo programa em 2015.
A eleição do governo Tsipras-Kammenos e a crise secundária que foi criada em 2015 levou o país à beira do desastre e ao terceiro programa. Este novo enquadramento permitiu aos parceiros europeus adiar o novo pacote de medidas para a dívida, com condições muito severas. Este não foi um programa concentrado na fase inicial e radical como o de 2012, foi principalmente resultado da desconfiança criada pelo atual governo que chegou ao poder em 2015, com toda a conversa irresponsável e perigosa sobre a dívida. Em segundo lugar, deveu-se à completa inaptidão do governo para negociar. O atual governo atacou a reestruturação de 2012, mas agora depende dela.
Na sua experiência, o que falhou na Grécia para que o resgate demorasse oito anos a terminar e o que podia ter sido diferente?
A diferença entre a Grécia e os outros países que tiveram programas é que na Grécia houve uma crise secundária que aconteceu devido às perceções políticas e às práticas do governo nacionalista-populista do Syriza e do ANEL [Gregos Independentes, o parceiro minoritário da coligação governamental]. Nos outros países houve uma continuação das práticas do Estado. Não houve soluções anti-sistémicas que levaram a regressões dramáticas. O Governo de António Costa em Portugal não tem nada em comum com a experiência grega com o Syriza e o ANEL.
Considera que o caso grego é uma história de sucesso como alguns responsáveis têm vindo a afirmar?
Muito aconteceu. Houve um ajustamento orçamental impressionante graças aos grandes sacrifícios feitos pelo povo grego. Foram feitas várias mudanças estruturais. O país continua na zona euro e na União Europeia. No entanto, nos últimos três anos e meio, foram dados muitos passos atrás e poucos em frente, compensado apenas uma pequena parte dos sérios danos causados. Esta não é uma história de sucesso.