A poucas horas do debate entre os sete candidatos à Presidência da República, a grande pergunta é se Marcelo Rebelo de Sousa está infetado ou não? Isto porque já não há dúvida que terá de participar no debate à distância, depois de a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo ter recomendado que ficasse em casa até se perceber o porquê de um teste positivo no meio de três testes PCR negativos.
Marcelo Rebelo de Sousa, que realiza testes com regularidade, teve um teste PCR negativo no domingo, um teste rápido (teste de antigénio) negativo durante o dia de segunda-feira, um teste PCR positivo na segunda-feira à noite e dois testes PCR negativos já esta terça-feira, conforme indicado no site da Presidência da República. Isto significa que se trata de um falso positivo ou de falsos negativos?
Vasco Ricoca Peixoto, médico interno de Saúde Pública, não tem dúvidas que se deve considerar o teste positivo como correto. Por um lado, os falsos positivos são extremamente raros. Por outro, sabe-se que o Presidente esteve em contacto com duas pessoas infetadas: Salvador Malheiro, presidente da Câmara Municipal de Ovar, e um membro da Casa Civil, no dia 4 de janeiro. O que não é impossível é que o Presidente tenha tido uma doença ligeira e que a quantidade de vírus no organismo já esteja a diminuir e por isso seja indetetável.
Como se explica um teste positivo no meio de três negativos?
Um dos testes realizados por Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos dias foi um teste rápido (teste de antigénio), na segunda-feira. No mesmo dia, recebeu o resultado de um teste PCR: positivo. A diferença entre os dois testes justifica-se pelo facto de o teste PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) ser capaz de detetar quantidades mais pequenas de vírus e, por isso, ser também mais fiável na detetação de uma infeção com SARS-CoV-2. Mas não é o teste rápido que está a causar a maior confusão.
De teste em teste até ao positivo que ditou o fim da campanha para Marcelo
A baixa carga viral também pode justificar o facto de o teste PCR de domingo ter dado negativo e, passado cerca de 24 horas, o teste ser positivo. Isto porque desde que entramos em contacto com o vírus até ele se começar a replicar e produzir cópias suficientes para ser detetado podem passar vários dias. Assim, no domingo podia ainda não haver uma quantidade de vírus suficiente para ser detetável, mas na segunda-feira sim. Não quer dizer que tenha sido infetado nesse intervalo, muito pelo contrário. O pico da carga viral pode acontecer entre o quinto e o sétimo dia depois do contacto de risco e Marcelo Rebelo de Sousa esteve em contacto com dois casos positivos uma semana antes de testar positivo.
Os dois testes negativos, já esta terça-feira, depois do teste positivo na segunda-feira à noite é que podem gerar alguma confusão. Quando alguém tem um teste positivo é considerado que está infetada, afirma Vasco Ricoca Peixoto. As razões são simples: os testes PCR são muito fiáveis e os falsos positivos extremamente raros. Como as pessoas que têm teste positivo não têm indicação para fazer um novo teste, não se sabe se poucas horas depois podem testar negativo, como aconteceu a Marcelo Rebelo de Sousa.
O médico interno de Saúde Pública justifica que quando não há razão para suspeitar de um teste não há razão para o repetir. Situações suspeitas seriam uma pessoa que vive num monte isolada e não teve contacto com ninguém testar positivo ou uma pessoa que teve em contacto com pessoas infetadas e desenvolveu sintomas testar negativo. Em ambos os casos justifica-se a repetição do teste.
Porque é que surgem testes falsos positivos? Ainda que seja uma situação muito rara pode acontecer e dever-se a uma contaminação da amostra (durante a recolha com a zaragatoa ou no laboratório) ou a outra falha no procedimento. Mas Vasco Ricoca Peixoto assegura em relação a Marcelo: “A probabilidade de um falso positivo é muitíssimo pequena, especialmente depois do contacto com pessoas positivas”.
Como se explicam os dois testes negativos depois do teste positivo?
“É mais provável um falso negativo do que um falso positivo”, diz o médico interno de Saúde Pública. “É por isso que não recomendamos fazer um novo teste depois de se ter tido um teste [PCR] positivo, porque aumenta o risco de ter um teste falso negativo”, alerta o médico, explicando as orientações de Saúde Pública nestes casos. Mas, como refere várias vezes ao Observador, no caso do Presidente da República (ou outro órgão de soberania) e tendo em conta o impacto que pode ter numa atividade democrática (campanha, debate e eleições presidenciais), pode justificar-se adaptar as orientações.
Mas, então, o que pode justificar os testes negativos depois do positivo? A primeira hipótese é tratar-se de um falso negativo, ou seja, por alguma falha na recolha da amostra com a zaragatoa, no acondicionamento ou na análise laboratorial, o resultado ser negativo apesar de a pessoa estar efetivamente infetada. Outra hipótese é a carga viral da pessoa ser baixa (não detetável), apesar de estar infetada.
Esta segunda hipótese ganhou força depois do segundo teste negativo de Marcelo Rebelo de Sousa, diz o médico interno de Saúde Pública. Se o pico da carga viral tiver sido esta segunda-feira, sete dias depois do contacto com as pessoas infetadas, a carga viral (quantidade de vírus) pode ter começado a diminuir depois disso e já não ser detetável nos testes seguintes. Com uma carga viral baixa e sem apresentar sintomas, Vasco Ricoca Peixoto considera que a probabilidade de o Presidente contagiar outras pessoas é baixa.
O médico acrescenta ainda que não é comum que uma pessoa tenha subidas e descidas acentuadas na carga viral, ou seja, é muito improvável que um novo teste realizado esta terça-feira venha a dar positivo.
Marcelo foi considerado um contacto de baixo risco?
Assim que soube, no dia 6 de janeiro de manhã, que tinha estado em contacto com uma pessoa infetada — um membro da Casa Civil —, Marcelo Rebelo de Sousa ficou em “isolamento profilático preventivo, aguardando as diligências das autoridades de saúde, que estão a proceder à análise de risco”, conforme informou a Presidência da República. O contacto foi considerado de baixo risco e, nesse mesmo dia, o Presidente fez um teste que teve resultado negativo para o SARS-CoV-2.
Depois de conhecido o resultado positivo de Marcelo Rebelo de Sousa, esta segunda-feira, os candidatos à Presidência da República apressaram-se a entrar em contacto com as autoridades de saúde para saber que medidas deveriam adotar. André Ventura, por exemplo, optou por ficar em isolamento até receber o resultado do teste — que esta terça-feira mostrou ser negativo — e Ana Gomes cancelou a presença na reunião do Infarmed, na manhã desta terça-feira.
Acabo de ter contacto de Casa Civil PR. Amanhã serei contactada por autoridades saúde. Seguirei obviamente recomendações que me fizerem. Seguirei on line reunião Infarmed. Ignoro se debate RTP com todos candidatos será mantido. Sinto-me muito bem.
— Ana Gomes (@AnaMartinsGomes) January 11, 2021
O último debate de Marcelo Rebelo de Sousa aconteceu no sábado, 9 de janeiro, com Ana Gomes, na RTP1, e a embaixadora é a única que se encontraria dentro da janela de risco. Todos os outros debates com Marcelo aconteceram mais de 48 horas antes da recolha da amostra do teste que viria a ter um resultado positivo, ou seja, antes do período em que, à partida, estaria infeccioso. Isto considerando que o Presidente não teve nem sequer um sintoma ligeiro relacionado com a Covid-19 antes do teste.
Para a avaliação de risco de Ana Gomes têm ainda de ser considerados outros fatores como: tempo de exposição, distanciamento entre os candidatos (mínimo de dois metros) ou arejamento do espaço. Mais de 15 minutos é considerado um contacto de alto risco, diz o médico ao Observador — e os debates duraram cerca de meia hora.
“Somos infecciosos desde 48 horas antes do aparecimento de qualquer de qualquer sintoma”, diz Vasco Ricoca Peixoto. Ou, caso não tenham existido sintomas, como parece ser o caso do Presidente, “desde 48 horas antes da recolha do teste que venha a dar positivo”.
O que deve fazer se for um contacto de baixo risco? E se o risco for alto?
Depois do contacto com o membro da Casa Civil infetado e depois de as autoridades terem informado que era um contacto de baixo risco, Marcelo Rebelo de Sousa pôde retomar a atividade normal, com a indicação de se manter vigilante aos sintomas nos 14 dias que se seguiram a esse contacto. Se o Presidente tivesse sido considerado um contacto de risco alto, a atenção aos sintomas, por muito ligeiros que fossem, deveria ser ainda maior.
Marcelo não vai ficar em isolamento, mas avisa que campanha terá “limitação grande”
Houve uma altura em que era possível contactar as pessoas em isolamento profilático todos os dias para avaliar o aparecimento ou evolução dos sintomas, mas os recursos são poucos e este contacto permanente deixou de ser possível. Para Vasco Ricoca Peixoto, o que não poderia falhar era o primeiro contacto, tão cedo quando possível, com os contactos de alto risco. Mas, admite o médico, neste momento há primeiros contactos a demorar vários dias. Se estas pessoas não estiverem devidamente isoladas durante este período, podem andar a contagiar outras pessoas.
Vasco Ricoca Peixoto acredita que com Marcelo Rebelo de Sousa, ou casos semelhantes, o contacto com as autoridades de saúde e o inquérito epidemiológico não se atrasa. E ainda bem que assim é, diz o médico. Ainda que defenda que devia ser assim com todos os cidadãos — porque é a medida mais eficaz para evitar contágios —, é muito importante que o chefe de Estado, ainda para mais em plena eleição presidencial, tenha acesso rápido a todos os cuidados de saúde.
Vasco Ricoca Peixoto defende que precisamos de uma excelente comunicação por parte das autoridades de saúde e governantes, de explicar às pessoas claramente o que devem fazer para que valorizarem sintomas, testar e identificar rapidamente os contactos de risco. “Se isto funcionasse na perfeição não teríamos de fazer confinamento geral.”
Que sintomas podem ter escapado a Marcelo?
Quem tem febre (alta ou não), perda de olfato ou perda de paladar, não tem dúvidas que deve entrar em contacto imediato com as autoridades de saúde por se tratar de um caso suspeito de Covid-19. Mas a tosse, nariz entupido, dores de cabeça (mantida), dores de garganta, náuseas ou diarreia são mais vezes desvalorizados e podem, no entanto, ser sintomas de Covid-19, especialmente quando houve contactos de risco.
Marcelo Rebelo de Sousa diz não ter tido qualquer sintoma antes do teste positivo, mas o médico interno de Saúde Pública diz que é comum as pessoas desvalorizarem sintomas ligeiros. Por isso, o médico alerta: não se deve desvalorizar nenhum sintoma.
Se tem o nariz entupido e tosse ou uma dor de cabeça persistente e acha que está apenas constipado, o médico interno de Saúde Pública defende que é o suficiente para ser um caso suspeito de Covid-19 e entrar em contacto com a linha SNS24 ou com um médico. Vasco Ricoca Peixoto recorda as recomendações das autoridades alemãs para justificar isso mesmo: deve ser considerado qualquer sintoma de infeção respiratória aguda de qualquer gravidade.
Claro que se esteve em contacto com uma pessoa infetada, se esteve num espaço fechado e pouco ventilado a conversar com outras pessoas, se esteve a conversar com uma pessoa a menos de dois metros por mais de 15 minutos (mesmo no espaço exterior), deve ainda mais ter em atenção a possíveis sintomas e contactar as autoridades de saúde se for necessário. Vasco Ricoca Peixoto garante que a avaliação feita pelos profissionais de saúde pública serve exatamente para isolar apenas as pessoas que têm de ser isoladas.
Infetados devem avisar contactos como vez o Presidente
Vasco Ricoca Peixoto diz que não podem haver dúvidas: se a pessoa tiver sintomas compatíveis com uma infeção respiratória, mesmo que pense que é uma simples constipação, deve entrar em contacto com um profissional de saúde e isolar-se.
Se lhe for recomendado fazer um teste pode começar logo a elaborar a lista das pessoas com quem esteve nos dias anteriores (desde 48 horas antes do aparecimento do primeiro sintoma) e até avisá-las da sua situação. Se vier a ter teste negativo, todos ficam descansados. Se os contactos vierem a ser considerados de baixo risco, retomam a vida normal. Mas se estiver infetado e os seus contactos forem de alto risco ganhou umas horas (ou dias) no isolamento profilático e poderá ter evitado uns quantos contágios.
O rastreio de contactos é a medida de maior eficiência, com a menor perturbação”, diz o médico.
Há milhares de contactos e inquéritos epidemiológicos em atraso, por isso o médico interno de Saúde Pública defende que as pessoas devem ser uma parte ativa da redução dos contágios, não só em termos das medidas preventivas (como uso correto de máscaras, distanciamento físico, higiene das mãos, etc.), mas também isolar-se sempre que tiveram um contacto de risco ou apresentem sintomas e avisar as pessoas com quem estiveram em contacto. A Casa Civil não só divulgou na página oficial da Presidência da República como entrou em contacto, pelo menos, com Ana Gomes, o contacto de maior risco.
Com dois testes negativos, faz sentido haver debate esta terça-feira?
Com dois testes negativos depois do teste positivo e considerando que Marcelo Rebelo de Sousa não terá tido sintomas até agora, Vasco Ricoca Peixoto não descarta que o Presidente tenha estado infetado, mas neste momento terá uma carga viral tão baixa que não é detetável e que representa um risco mínimo de contágio.
A RTP manteve sempre a possibilidade de realização do debate com os sete candidatos presentes, aguardando a decisão do delegado de saúde, mas a ARS LVT recomendou a Marcelo Rebelo de Sousa que permanecesse em isolamento até que se percebesse porque é que testou positivo na segunda-feira — e se poderá ainda estar num período infeccioso.
Vasco Ricoca Peixoto também compreende a importância da realização do debate apesar das situação atípica, mas recomendou que, caso Marcelo viesse a estar presente, seria preciso “reforçar as distâncias [4-5 metros entre candidatos] e as medidas de prevenção de contágio [como boa ventilação do estúdio]” e seria preciso “garantir que comunicamos adequadamente [com os cidadãos] que é uma situação de exceção”.
Atualizado às 20 horas com a recomendação da ARS LVT de que Marcelo permanecesse em casa.