A quatro dias do Congresso do PS e a um mês das autárquicas, Fernando Medina não garante que vá a um terceiro mandato, mas insiste que — se for reeleito a 26 de setembro — fica até 2025. Em entrevista ao Observador, o presidente e candidato à câmara de Lisboa desvaloriza a presença do PS nas estruturas da Carris, o processo Tutti Frutti, bem como a presença de militantes do PS em órgãos sociais de empresas contratadas pela autarquia. São quase sempre, garante, “casos e casinhos” criados pelos adversários políticos. Reitera que o que queria mesmo era que António Costa se recandidatasse em 2023 à liderança do PS e ainda não sabe se continua no Secretariado Nacional do partido, o órgão de cúpula do partido. Garante ainda que vai falar no Congresso do PS. Sobre o quê, não abre o jogo.
Fernando Medina diz que nunca daria qualquer pelouro a Carlos Moedas, que acusa de imprimir um tom “lamentável” à campanha eleitoral. Admite conversar com Bloco de Esquerda e PCP, mas só depois das autárquicas: “Não há nenhuma conversa sobre isso. A coligação é com o Livre”.
A nível de gestão urbanística o autarca vai continuar a pedir conselhos a Manuel Salgado. antigo vereador e arguido em processo relacionados com o urbanismo na autarquia. Admite que, mesmo sem pandemia, não teria conseguido cumprir a promessa de criar seis mil habitações de renda acessível: “A vida é feita de contrariedades”.
[Pode ouvir aqui o Sob Escuta e ver aqui os melhores momentos da entrevista de Fernando Medina ao Observador:]
“Continuarei a ouvir Manuel Salgado”
O ex-vereador do Urbanismo Manuel Salgado foi constituído arguido num inquérito relacionado com a aprovação do Hospital CUF Tejo. Ele disse duas coisas contraditórias em duas entrevistas: em 2019 disse que “se fosse hoje” não teria aprovado a construção; noutra entrevista em 2021, depois de ser arguido, disse que se calhar aprovava. Em sua opinião, a aprovação desse projeto foi um erro ou não?
Não houve uma avaliação adequada do impacto visual daquela construção, aliás pela própria debilidade que a Câmara tem relativamente aos instrumentos de pré-cenarização do impacto. Se fosse hoje, possivelmente encontraríamos outra solução do ponto de vista da arquitetura para ter um menor impacto na vista a partir do miradouro.
Foram cometidos muitos erros desses na gestão de Manuel Salgado?
Não. Acho que é reconhecido que a cidade, na última década, nomeadamente durante a gestão de Manuel Salgado, teve um grande salto, quer do ponto de vista do que foi a qualificação do espaço público e requalificação da cidade, quer da qualidade da arquitetura no edificado privado. Acho que foram bons anos anos do ponto de vista da qualidade do que se fez na cidade de Lisboa.
Então vai continuar a tê-lo como seu consultor se for reeleito, apesar de ser arguido num processo relacionado com a Câmara?
Vamos ser claros sobre isso: vários dos processos que reapareceram agora, perto destas eleições autárquicas, são exatamente os mesmos que já tinham vindo a público há uns anos. E têm algo em comum. É que a generalidade deles são suscitados pro queixas de partidos da oposição, em particular do CDS — que, aliás, entrou, no meu mandato e no anterior, numa via de judicialização da vida política na cidade de Lisboa. Associo isso a uma fraqueza política. Houve uma fragilidade na tentativa de encontrar projetos capazes de conquistar e de afirmar uma nova visão sobre a cidade e, por isso, o CDS entreteve-se a apresentar queixas sucessivas sobre vários processos — Alcântara é um deles, Entrecampos é outro. Vários resultam dessas queixas. Em processos de urbanismo, o Ministério Público tem um poder acrescido face a outras áreas, que é o de avaliar a legalidade prévia e até interromper a realização de obras, como aconteceu no famoso caso do edifício do Largo do Rato. O processo do Hospital da CUF foi amplamente avaliado e escrutinado, e bem, pelo Ministério Público e não houve nenhuma instrução de interrupção de nada, como também não houve relativamente a Entrecampos. Por isso, aguardo com total serenidade o esclarecimento de todas essas matérias.
E, enquanto isso acontece, continuará a ter Manuel Salgado como seu consultor?
Continuarei a ouvir Manuel Salgado. Quando fiz essa afirmação, eu quis dar um sinal muito claro de confiança relativamente ao que a Câmara aprovou sobre um conjunto de matérias…
…e de desconfiança em relação á Justiça. Não acha que é uma afronta, logo que ele é constituído arguido, dizer que, independentemente disso vai continuar a ouvi-lo?
Conhece bem o que é o estatuto de arguido — e sabe distinguir bem a diferença entre arguido, acusado, condenado…
…o próprio Manuel Salgado deu tanta importância a isso que o levou a sair.
Sim, e eu decidi fazer este gesto para sinalizar a confiança que tenho relativamente a todas as matérias que acompanhei e conheço para dizer que mantenho essa confiança relativamente a Manuel Salgado nessa matéria e quis ser claro sobre isso.
Acha que é claro e transparente ter um consultor e não haver nenhum contrato que obrigue esse consultor a termos de confidencialidade e a não partilhar informações. Esta informalidade é boa, ainda por cima quando se está a falar de áreas como o urbanismo?
O meu objetivo, quando sinalizei isso, era fazer uma manifestação de confiança. Naturalmente que, se num próximo mandato, essa relação se vier a manter de forma regular ou permanente, ela deverá ser contratualizada. O meu objetivo à época não foi estabelecer nenhum contrato, foi fazer uma afirmação política de confiança. E ser inequívoco sobre isso.
Mas percebe que a informação privilegiada que eventualmente possa dar a Manuel Salgado pode ser utilizada se não houver esse contrato, mesmo que seja simbólico.
Espero que confiem que não se trata de nenhuma informação classificada ou reservada. Foi apenas uma sinalização política.
Mas o que é que Manuel Salgado faz concretamente? Aconselha-o? Tem acesso a informação privilegiada?
Não, não tem acesso a informação nenhuma. Aliás, temos falado muito pouco. Gosto de ouvir e de conversar sobre ele em particular sobre a dinâmica do espaço público.
[Pode ouvir aqui na íntegra o Sob Escuta com Fernando Medina:]
Kits comprados a empresa de ex-vereador do PS. “Campanha de casos e casinhos”
Para os kits dos centros de vacinação — que dão fruta, bolachas e água — a autarquia escolheu uma empresa por um ajuste direto de 425 mil euros, usando uma prerrogativa especial que existe durante a pandemia. Esta empresa tem nos órgãos sociais um antigo vereador do PS. Não vê aqui um problema?
Não vejo. Eu não conhecia o processo, nem a empresa — não sabia quem era, nem me preocupei em saber.
Alguém na Câmara sabia, porque a escolheu.
Isso é a sua insinuação: achar que alguém que escolheu porque sabia que havia um militante do PS na administração.
Não digo isso.
Mas conhece o mercado do fornecimento de refeições? O sistema está profundamente oligopolizado, basicamente em dois grandes grupos, que, aliás, fornecem a generalidade das instituições do país, seja escolas, hospitais ou outros. Irem buscar uma ligação com alguém que foi vereador da Câmara há mais de dez anos, é uma tentativa… Essa história mostra o quão negativa e tóxica se está a tornar a nossa vida pública, em que temos uma campanha feita de casos, de casinhos, de insinuações, de tentativas de manchar o nome e a honorabilidade das pessoas na praça pública. O que vejo é que os meus adversários têm sido muito mais ativos a procurar esse tipo de campanha do que a afirmarem uma visão alternativa, positiva, de futuro para a cidade. É uma insídia dizer que há um nexo de causalidade nessa matéria. Nem sei, aliás, se na empresa concorrente haverá alguém militante do PS ou de outro partido qualquer.
A Câmara nunca tinha contratado esta empresa.
A câmara tinha contratado já, múltiplas vezes, empresas do mesmo grupo, como aliás a própria notícia do Observador relata, num valor muito elevado e que resulta dos concursos públicos de fornecimento de refeições.
A Câmara admitiu que este tipo de contratação não era o melhor porque, nos kits seguintes, já não utilizou o ajuste direto.
O método preferencial é aquele em que se fazem concursos. Como sabe, demoram muito tempo e estão sujeitos a litigância e depois não se podem adjudicar a ninguém. A câmara teve, nesta mesma área, um conflito durante anos entre estas duas empresas, em que havia inúmeros processos em litigância e foi preciso recorrer a ajustes diretos até haver decisões dos tribunais. Quando é possível fazer-se concurso, faz-se e é desejável que se faça. Mas, quando os centros de vacinação arrancaram, a nossa grande preocupação, com franqueza, foi ter tudo a funcionar para servir as pessoas.
Mas sabe porque é que a empresa foi escolhida?
Não sei a razão por que a empresa foi escolhida. O que sei é que foi definido que haveria um kit para os centros de vacinação, agora quais seriam as empresas em concreto, desconhecia.
Como presidente da Câmara, preocupa-o que haja ligações partidárias que pesam na contratação pública no universo da autarquia?
Preocupa-me sempre que possa haver situações menos claras ou que haja influências espúrias em processos de contratação. E, obviamente, desenvolvemos todos os mecanismos e garantias que podemos. Agora, isso não me leva à situação em que estamos, com uma sistemática campanha de insídias e de calúnias.
Mas incomoda-o esse escrutínio?
O escrutínio não me incomoda nada, o que me incomoda é a forma como do escrutínio se passa para a insinuação e a afirmação de que estamos perante uma situação de corrupção, que é no fundo o que vocês estão a dizer.
Não, não é. É uma questão de a Câmara ter a cautela de, quando faz um ajuste direto de 425 mil euros tentar não ir a uma empresa onde nos órgãos sociais está um ex-vereador da Câmara, que já quando era vereador acumulava com um cargo na empresa-mãe. E a Câmara poderia tentar evitar isso precisamente para não ter situações como esta.
E se fosse um vereador de outro partido, podia? E se fossem colegas de direção de uma associação recreativa? E se fossem ambos da maçonaria? Qual é o critério?
Seguramente que entende que, se é alguém que exerceu funções na Câmara e que é do mesmo partido, deve haver uma preocupação de não permitir que se criem situações equívocas.
É sempre possível criar situações equívocas na base de qualquer critério. Aliás, a vossa criatividade e imaginação… Digo, aliás, muitas vezes nas minhas equipas: não se preocupem em tentar prever de onde virá o problema, porque o problema vem sempre de um sítio que nós não imaginamos qual é a história que vai ser inventada.
Mas as ligações partidárias são fáceis de prever.
Não, não é. Sabe se as pessoas se falavam, se davam, se saiu zangado? A ligação partidária é a única e a mais forte que se estabelece entre duas pessoas? E se nasceram na mesma terra? E se foram da mesma escola há 40 anos? O problema é que estamos a cair num tempo em que a vida pública está contaminada por um domínio de insinuação e de suspeita e de tentativa de calúnia que só tem duas consequências. Primeiro, diminui o nível de confiança dos cidadãos nas instituições, nos políticos e naqueles que estão na vida pública. E tem um segundo efeito, que é afastar as pessoas da vida pública. Sabe porque é que não é um problema de escrutínio? Porque o contrato é público, vocês tiveram acesso a toda a informação, é transparente. Os jornalistas chegam a todo o lado. Aliás, chegam quando não lhes é entregue a informação pronta a servir, depois de uma aturada investigação de adversários políticos muito preocupados com a transparência na vida pública.
Isso é que é uma insinuação…
…porque sei como é que as coisas são feitas…
…neste caso sabe mal, porque a notícia foi do Observador…
…não estou a referir-me a este caso. Estou a dizer que este contrato é público.
Mas isso não exime os responsáveis políticos de explicarem o que está por detrás das coisas.
Claro que não. E foi explicado. O que não se dá é o passo que quer dar, que é dizer assim: como aquele foi vereador há dez anos, não se podia fazer o contrato para não existir uma suspeição. A suspeição são vocês que a criam. E digo que fizeram a suspeição por ser militante, mas fariam a suspeição por outra coisa qualquer — não naquele contrato, noutro.
Porque o que os jornalistas querem é prejudicar os políticos?
Não são os jornalistas, não tenho nada essa ideia. Agora, acho que a vida pública está hoje muito contaminada por uma lógica de degradação, de insinuação e de tentativa de diminuir a honorabilidade de todos os que estão na vida pública. E eu rejeito frontalmente isso. Isso é insuportável e muito desgastante, principalmente para aqueles que são honestos e prezam a sua honra.
Houve buscas no seu gabinete aquando da operação Tutti Frutti, que investiga eventuais favorecimentos políticos em contratos do universo autárquico de Lisboa e que envolverão o PS e o PSD. Já sabe o que estava em causa?
Sei, porque fui informado. Estava em causa a atribuição de um apoio ao Rugby do Belenenses para a aquisição de um relvado para um campo. Tive ocasião de mostrar a minha surpresa, dado que se trata de um processo público que foi aprovado em reunião de Câmara por unanimidade, por todos os partidos políticos. Depois dessa altura, não soube rigorosamente mais nada.
“Ri bastante com a história do PS na Carris”
Vamos agora à secção do PS na Carris, que o levou a escrever um tweet muito indignado por causa da divulgação de um vídeo em que apelava à inscrição de novos trabalhadores nessa estrutura socialista. Há um dado que é factual: a secção do PS/Carris duplicou o número de militantes desde que a empresa passou para a gestão da Câmara. Foi coincidência ou os trabalhadores da Carris acham que se o PS estiver no poder têm algo a ganhar em serem militantes do partido?
Eu não escrevi nenhum tweet indignado. Aliás, tenho de dizer que eu ri bastante com essa história, porque achei a históriadivertida. O que se passou na Carris foi o processo de uma empresa que esteve praticamente às vias da sua destruição durante os tempos da troika. Foi perdendo trabalhadores, capacidade de operação, de investimento, tinha uma frota muito antiga e era tida como mal-amada. E houve um processo de litígio que envolveu a câmara de Lisboa e o Governo porque a Carris era propriedade do município de Lisboa até à nacionalização da mesma em 1975 e a câmara nunca deixou de reivindicar essa propriedade. Mas a Carris esteve entregue a uma empresa mexicana, com um contrato de concessão, que nada de bom trazia nem para a operação da Carris nem para a cidade e muito menos para os trabalhadores. Arrisco-me a dizer que o grande motor da simpatia dos trabalhadores da Carris, quer pelo PS, mas também por outros partidos à esquerda, decorreu aliás do combate que estes partidos sempre fizeram contra uma operação que iria redundar na destruição prática da empresa ou da sua fortíssima degradação como operadora de serviço público. E, por isso, que tenha havido simpatia dos trabalhadores por partidos que sempre defenderam que ela se mantivesse pública, com investimento, a crescer, a continuar a sua operação, isso parece-me natural para quem gosta da sua empresa e quer proteger o seu posto de trabalho. Estranharia e ficaria estupefacto é se tivesse havido uma adesão maciça de trabalhadores ao PSD ou ao CDS.
Está a fazer um historial, mas perguntámos sobre a secção do PS na Carris.
É bom recuar para perceber a dinâmica: foram muitos anos de combate. Ainda com António Costa presidente da câmara começou um processo de negociação com o Estado no qual a câmara de Lisboa sempre foi muito clara, dizendo o seguinte: nós não abdicamos da reivindicação dos direitos históricos da cidade à Carris. Porque uma cidade só pode ser bem gerida num tema central como a mobilidade se nós detivermos a capacidade de mandar sobre o principal instrumento da gestão da mobilidade de uma cidade que são os autocarros. Porquê? Porque controlamos a via pública, temos a Polícia Municipal e temos a semafórica. Além disso, temos recursos para pagar as áreas de serviço público que atualmente o Estado não paga. Houve um grande debate com o secretário de Estado Sérgio Monteiro sobre como é que se faria a participação da câmara na gestão Carris e também no metropolitano, que era também da câmara municipal de Lisboa e passou para o Estado nas nacionalizações de 1975. Foi um debate muito rico e prático, mas o então primeiro-ministro no final do debate em conversas com o então presidente da câmara toma a decisão e entende que as câmaras municipais não devem ter empresas em gestão direta de operações de autocarros. E avança em véspera das eleições com a operação da concessão, sabendo que a opinião do PS e da câmara municipal de Lisboa, era contra. Aliás, eu cheguei a escrever aos candidatos à operação de concessão, informando-os de que a câmara não abdicava dos seus direitos de propriedade e iria sempre contestar aquelas operações. Ainda assim, houve esse concurso. E, por isso, este foi um processo que motivou uma grande guerra política.
Mas deixe-me voltar ao caso da secção do PS.
Volto. Eu só quero é contar a história.
Já percebi que não acha que foi coincidência, nem expectativa de arranjarem emprego, mas que foi gratidão.
Não tem a ver com gratidão, mas sim com trabalhadores que estiveram envolvidos num processo de luta pela defesa da sua empresa, pela continuidade de um serviço público e do qual foi um processo conflitual muito longo. E obviamente que eu ficaria surpreendido era se visse apoio ao PSD e ao CDS.
No vídeo que estava a referir filmado no jantar de Natal da Carris em 2019, disse esta frase: “Estamos ao mesmo tempo a contratar mais pessoas, mais trabalhadores. Espero, aliás, que os possamos convencer da nossa estratégia e que venham a ser trabalhadores do PS e da secção do PS da Carris”. Não lhe parece uma forma de caciquismo político?
Caciquismo político? (Risos) Foi sobre as reações a essa frase que, aliás, eu ri. Então um dirigente partidário, numa reunião e num encontro estritamente partidário querer dizer que quer que o seu partido tenha mais militantes é visto com estranheza?
Que também é o patrão de alguma forma daqueles trabalhadores.
E o que é que isso tem? Aliás, vejam a forma como a frase é dita. “Espero que possamos convencer as pessoas” do mérito da proposta política. Mas não é isso que todos os partidos fazem. Qual é a surpresa? Qual é a incorreção nisto? Estamos a entrar no domínio da bizarria, desculpem dizer-vos. Estranho seria se um dirigente partidário do PS apelasse a que vão militar no PSD para fazerem alguma operação estranha.
Mas na empresa pode haver militantes de outros partidos.
Claro que pode. Qual é a frase?
“Que venham a ser trabalhadores do PS e da secção do PS da Carris.”
Um encontro partidário, com um dirigente partidário, com militantes partidários.
O facto de ser um encontro partidário justifica esse apelo?
Como é evidente. Vamos lá ver uma coisa: o que seria profundamente errado era eu enquanto presidente de câmara me dirigisse aos trabalhadores da Carris na minha função de autoridade e dissesse isso. Isso seria inadmissível, alvo de toda a censura. Agora eu enquanto dirigente partidário, num jantar de militantes do PS…
Mas é o presidente da câmara de Lisboa, que gere a empresa.
Ouça uma coisa. Eu estou a falar num encontro de militantes do PS.
Mas não deixa de ser o presidente da câmara.
E depois? Dizer que espero que hajam pessoas que possam ver mérito naquilo que nós estamos a fazer e adiram ao PS? Qual é a censura disto? Qual é a incorreção disto? Eu quando vi, não pude deixar de rir.
Se se puser na pele de um trabalhador da Carris, que vê o presidente da câmara num vídeo ou num jantar ao lado ou que os outros vão dizer a apelar que se inscreva no PS, não está a utilizar a posição que tem de “patrão” daqueles trabalhadores para os convencer a aderir ao partido?
Não. Porque eu não menorizo a inteligência das pessoas e qualquer pessoa que trabalhe na Carris ou em qualquer empresa do município ou na CML sabe que isso não tem qualquer tipo de influência sobre a progressão que as pessoas têm nas suas vidas.
Mas acha que não pode criar essa dúvida?
Não. Se vissem o secretário-geral do PS fazer no Congresso do PS um apelo para que todos se empenhem para que o partido aumente a sua base de militantes, vê algo de estranho nisso?
Mas não é a mesma coisa?
Não é?
Não. Estamos a falar do presidente da câmara de Lisboa, que gere a uma empresa, a dizer a militantes do partido…
Não percebo isso. Há uns trabalhadores que se inscrevem no PCP, outros no Bloco de Esquerda, outros em nenhum. Grave seria se alguém fosse condicionado por uma escolha partidária, mas isso ninguém acusou. E porquê? Porque não o podem fazer. Nem na Carris nem em nenhuma outra empresa do município. Nem na câmara municipal de Lisboa. Facilmente comprovam as militâncias diversas que existem, a todos os níveis na direção da câmara municipal de Lisboa e de empresas da CML.
Por si, não exerce esse tipo de influência?
Claro que não. Como é evidente, não.
“Se candidatura utilizou fotografia que não é pública, é errado”
Utilizou fotografias tiradas pelo fotógrafo da autarquia na conta de Instagram que tem associada à sua candidatura. A CNE disse que podia violar o princípio da igualdade e que era uso de meios públicos. Continua a utilizar imagens do fotógrafo da câmara no Instagram da candidatura?
Não conheço essa queixa da Comissão Nacional de Eleições.
Não é uma queixa. Nós falámos com o porta-voz da CNE que disse que, perante as circunstâncias, seria um violar do princípio da igualdade.
O que a CNE disser, aquilo que me parecer razoável conformo-me. Aquilo que não me parecer razoável, recorrerei ao Tribunal Constitucional. E que o TC disser, eu acatarei sem reservas.
Tem o hábito de usar fotos do fotógrafo da câmara nas suas redes sociais?
Não sei. A estrutura da campanha é completamente separada da estrutura da câmara municipal. Não tem qualquer ligação com essa estrutura. As pessoas que estão a trabalhar na campanha, estão a trabalhar na campanha. Se há fotografias que são de utilização pública…
Não é o caso. São fotografias que ainda não tinham sido publicadas pela câmara municipal.
Não lhe sei dizer isso. Tudo o que a Comissão Nacional de Eleições disser, é seguido. Mesmo as coisas que eu acho absurdas e irrazoáveis.
Como esta?
Essa não conheço.
Se isso acontece seria errado?
Tudo o que não for de domínio público, sim. Tudo o que for de domínio público, não. E há muitas coisas que são de domínio público. Gostaria de dizer uma coisa para esclarecimento da massa de twitters muito preocupados com esta questão dos meios. As minhas contas, nomeadamente as contas de Facebook, por exemplo, são prévias a eu ser presidente da câmara. São contas pessoais que eu utilizei e que utilizo. A de Facebook vem desde 2011.
Mas que agora é usada.
É. É uma conta pessoal e nunca foi uma conta institucional.
Que está associada à sua campanha.
Está. É a conta Fernando Medina. Quando quiserem contribuir para que se crie um livro de obrigação legal sobre como se gerem contas, eu seguirei o que vier determinado. Não me preocupa particularmente.
Festejos do Sporting. “É uma evidência que não correu bem”
O país está a sair uma onda de casos de Covid que começou depois dos festejos do Sporting. O relatório da IGAI mostrou que a câmara participou de todas as decisões. Arrepende-se de ter concordado com aquele modelo de festejos?
Não. Aliás, defendi publicamente que houvesse festejos organizados. Por uma razão: o cenário que nós estamos confrontados não era haver ou não haver festejos, era haver um mínimo de organização nos festejos ou eles serem completamente espontâneos.
Mas correu bem?
Claro que não correu bem. É evidente que não correu bem e já o disse várias vezes.
Portanto, se fosse agora, não teria concordado.
Teria concordado em organização de festejos.
A PSP avisou antes.
Aquilo que a PSP avisou antes foi sobre modelos preferíveis em matéria de segurança. Mas vamos recuar. Eu sempre defendi que houvesse festejos organizados em detrimento de deixar tudo sem organização. Não estávamos em estado de emergência, os números da pandemia eram muitíssimo baixos à época e por isso o cenário provável era de uma manifestação espontânea na cidade de Lisboa com uma concentração de pessoas no Marquês de Pombal. De uma concentração de pessoas sem organização. Eu disse: perante este cenário, acho que deve haver um modelo organizativo. E obviamente que é muito difícil de se fazer porque envolve quer a dimensão segurança, mas também a dimensão de procurar espalhar as soluções.
Precisávamos de várias horas para explicar tudo.
É preciso recuar. Sempre tivemos abertura a qualquer modelo. Ponham-se deste lado: organizar festejos em pandemia é uma coisa de uma dificuldade muito grande e por isso eu convoquei todas as entidades para a câmara de Lisboa, e tive a iniciativa de o fazer, para ouvir a sensibilidade relativamente aos vários modelos. E percebi que ninguém tinha uma solução mágica e fácil para resolver a equação. E das várias soluções que foram apresentadas houve três cenários. O primeiro era o de festejos dentro do estádio. Foram feitas as contas, que tenho pena que não venha no relatório, que é a avaliação de saúde dos vários cenários, e o cenário que a DGS colocava era: dentro do estádio cabem 2500 pessoas. E a minha pergunta foi: e as restantes como é que se faz? Como é que se gere a aglomeração de pessoas? Segundo cenário, que era o preferido pela PSP: repetir o cenário que se utilizou nos últimos festejos do Benfica e vedar um grande perímetro entre a Fontes Pereira de Melo, Joaquim Augusto de Aguiar, Avenida da Liberdade, Duque de Loulé e haver revista de pessoas à entrada. Do ponto de vista de segurança, tem provado ser um muito bom cenário. Mas utilizando os espaçamentos das pessoas, aquele cenário daria 5 a 6 mil pessoas lá dentro. A minha pergunta é a mesma: e as restantes? É assim que vamos dar ao terceiro cenário.
A pergunta é só se lhe parece que correu bem ou não?
Claro que não. Essa é uma evidência. Disse isso no dia a seguir. E fui claro em dizer onde é que eu achava que não tinha corrido bem. E o sítio onde começou a correr mal é um sítio sobre o qual a câmara não tinha nenhuma responsabilidade para intervir.
“Sou livre de poder manifestar a minha preferência sobre quem dirige o meu clube”
Os desenvolvimentos dos últimos tempos do Benfica já o fazem perceber agora porque é que não devia ter apoiado Luís Filipe Vieira?
Também já falei sobre isso. O apoio que dei foi a título pessoal, não foi institucional.
Não voltará a apoiar um presidente do Benfica ou vai?
Isso será uma decisão pessoal minha que tomarei em cada momento, assim o entenda. Sou um cidadão livre de poder ter um clube e de poder manifestar a minha preferência sobre quem eu quero para dirigir esse clube.
Julgo que é sócio do Benfica. Essa solução de Rui Costa parece-lhe boa? Apoia esta solução?
Não me vou pronunciar sobre isso.
Promessa falhada na habitação. “A vida é feita de contrariedades”
Vamos agora às propostas. Prometeu 6.000 habitações de renda acessível, mas na verdade não foram construídas mais de 800. O que é que falhou?
Nós conseguimos atribuir mais de 1200 habitações em regime acessível, que consistem em 800 habitações atribuídas e 400 subsídios municipais de arrendamento. E temos em desenvolvimento o pipe line de projeto: uns em construção — é muito visível aqui muito perto de nós na zona de Entrecampos, onde estão em construção várias centenas de fogos; outros em projeto, que estão a ser desenvolvidos; outros em processo de concurso de concessão. Fora isso, fizemos um trabalho muito importante que faz subir os números muito, em que nós no total deste mandato, no conjunto deste programas, entre habitação acessível e apoiada — habitações para grupos mais desfavorecidos ou classes médias — atribuímos um total de quase três mil casas.
Estamos a falar da renda a acessível.
Mas convém não esquecer as outras. Também foram reabilitadas, também foram atribuídas e responderam a necessidades sociais.
Mas a sua promessa era sobre arrendamento acessível. Foi este número, os 6.000, que não conseguiu atingir. A questão é: porquê?
Várias razões. A primeira das quais porque a via que escolhemos para ser a mais rápida foi fazer concessões a privados para poderem eles fazer a construção das habitações. Não tenho nenhum preconceito ideológico nem nenhum estigma quanto à participação dos privados.
Essa solução não agradou ao Tribunal de Contas.
Isso foi um problema com o Tribunal de Contas em que tivemos mais de dois anos a dirimir com o TdC essa matéria. E, aliás, tive oportunidade de mais do que uma vez em público dizer: mais do que a que a questão do conteúdo das diferenças, é importante que as instituições públicas sejam capazes de arbitrar essas diferenças e estabilizar o modelo porque as necessidades de habitação não pararam. Essa foi a principal razão. A linha que achávamos que era a mais rápida foi a que se transformou em mais lenta. A segunda razão tem a ver com a pandemia. Nós, desde o início da pandemia, que todas as atenções e todas as baterias da CML estão concentradas em fazer o quê? Tudo aquilo que não estava no nosso programa eleitoral. Fala de uma promessa relativamente a seis mil casas, eu posso falar-lhe de tudo aquilo que não esteve no nosso programa eleitoral, desde os apoios às famílias vulneráveis, à abertura dos centros para as pessoas sem-abrigo, às mais de 3,5 milhões de refeições entregues a casa das pessoas, à testagem gratuita, aos centros de vacinação. Nada disso está no programa eleitoral e foi feito.
É verdade, mas teve dois anos e meio de mandato em que não houve pandemia. E conseguiu 800. Sem pandemia, ia conseguir no ano e meio que faltava a mais 5.200?
Não. Não conseguiria chegar.
Então foi um pouco irrealista esta promessa que fez?
Não foi irrealista. A vida é feita de vontades, de contrariedades e da nossa energia e criatividade para contornar essas contrariedades e continuar no caminho certo. As coisas não correram como nós pretendíamos no ritmo de implementação das concessões. Muito bem, nós adaptamos o modelo já aprovamos novas, com novas concessões. Vamos ver como é que funciona, vamos avançar. Ao mesmo tempo, algo que não estava no mandato: adquirimos prédios à segurança social e reabilitámos. Saímos daqui [no Saldanha] e podemos ir ver 100 casas prontas que já estão atribuídas a famílias e a jovens que vão ter essa habitação e que não teriam se nós não tivéssemos tido essa iniciativa. E é assim que a vida vai avançando e progredindo.
Mas que ainda não estão lá a morar.
Ainda não estão lá a morar, mas já estão atribuídas.
Quando é que isso vai acontecer?
Já foram atribuídas, agora vão ser ocupadas ao longo dos próximos meses. Há um período, as pessoas têm as suas vidas para se desvincular dos contratos que têm para poderem entrar. É um processo negociado com as pessoas para poderem entrar.
Tenciona entregar casas durante o período de campanha?
Não. Não vou entregar nenhuma casa, mas fico muito contente com estas já estarem entregues.
Em algumas casas da renda acessível Lisboa gastou 376 mil euros por fogo. Isto não é um preço um bocadinho exagerado?
Não. Esse número…
Aconteceu no 106, aqui perto, da Avenida da República.
Esse número tem a ver com o valor utilizado na aquisição do imóvel e depois na sua reabilitação e foi escolhido um valor [para a notícia] que é um valor anormalmente alto face aos outros valores que nós temos. Ver as coisas dessa maneira é uma forma, aliás, de depreciar uma iniciativa e um programa que eu acho a todos os títulos incorreta. Porque não usaram a média das casas que nós fazemos? Sabe quanto a autarquia gasta com uma casa? Não tiveram curiosidade de ir ver? É que isso é um dado que mostra outra realidade. A casa fica propriedade do município, vai servir muitas gerações de pessoas. Em média uma casa construída pela câmara de Lisboa em terrenos nossos custa cerca de 150 mil euros. A câmara deve ou não construir casas? O que se passou no caso da Segurança Social foi que nós entendemos que não era possível admitir que o Estado fosse, em plena crise de habitação na cidade de Lisboa, colocar uma quantidade de prédios nas zonas de nobres de Lisboa à venda contribuir para essa mesma especulação dos prédios. E por isso, decidimos comprar esses prédios. E fizemos muito bem. Decidimos reabilitar esses prédios e foi uma excelente decisão.
Mas não valia mais aplicar esses valores, que são elevados, para requalificar mais casas
Depende, umas sim, outras não. Por exemplo, reabilitar casas nos bairros históricos é um valor muito superior a construir novas na zona de Entrecampos. E não devemos reabilitar casas no centro histórico? Sim, reabilitamos e fazemos isso. Há umas mais caras, outras mais baratas, O conjunto da política que foi ter habitações para a classe média a preços que as pessoas podem pagar e adquirir os prédios da Segurança Social para esse objetivo foi uma excelente decisão que defendo e que fica como uma das marcas deste mandato, aliás à vista de todos.
As ciclovias também estão a ficar como marca do seu mandato em Lisboa, houve uma polémica grande com a da Avenida Almirante Reis que, afinal, depois de feita teve de ser revertida, dando de novo mais espaço aos carros. O que falhou?
O modelo não estava bem, foi adaptado, corrigido e está a funcionar muito melhor. Quando e estudava no ISEG, um dos edifício tinha uma frase do Bento Jesus Caraça que é “se não receio o erro é porque estou sempre disposto a corrigi-lo” e eu partilho muito dessa visão que ele tem. Temos de fazer as coisas com base na visão que temos e acho essencial a cidade de Lisboa ter uma rede ciclável. Isto faz com que tenhamos investido muito em criar uma rede de ciclovias segregadas, seguras, pela cidade, começando pelas estruturantes. E a da Almirante Reis é absolutamente essencial.
E já acabaram com as experiências no local?
No caso da Almirante Reis, sim. Aquela é a solução definitiva.
“Não há nenhuma conversa com PCP e BE para coligações pós-eleitorais”
Vamos ter agora eleições, depois delas pode precisar de ajuda para governar, se não tiver maioria. Há quatro anos o PCP não quis negociar um apoio, e na altura disse que até teria desiludido muitos eleitores a agir assim. Este ano João Ferreira já voltou a mostrar disponibilidade de um compromisso. Tem medo que na altura de negociar o PCP volte novamente atrás? Já estão a ter conversas sobre isso?
Não, não há nenhuma conversa sobre isso. Cada um está empenhado, cada um tomou a decisão de fazer candidaturas autónomas, o PS também, fizemos a coligação com o Livre e agora cada um apresentará a sua proposta.
Mas caso seja necessário, prevê que tudo correrá bem?
Podemos combinar uma entrevista para falar disso a seguir às eleições…
Acha que ainda é cedo para isso?
Acho. Este e o momento de cada um apresentar as suas propostas para a cidade e tentar convencer os lisboetas da bondade delas.
E não tem preferências entre os dois parceiros de esquerda? Tem uma experiência com o BE nos últimos quatro anos e com o PCP não. Isso coloca o BE em vantagem para negociações futuras?
Primeiro vamos fazer a fase da campanha e ver o que a noite das eleições reserva e a correlação de forças.
Era capaz de atribuir um pelouro a Carlos Moedas?
É uma pergunta de resposta fácil: não tem nenhuma justificação a atribuição e pelouro ao PSD mais a mais com o estilo de campanha e a forma como se tem posicionado no debate político da cidade que acho bastante lamentável.
“Pedro Nuno Santos não vai sair do PS. O Congresso não é a derradeira hipótese de falar”
Este fim de semana tem o congresso do PS, vai falar só sobre Lisboa ou também sobre o partido e sucessão de António Costa?
Irei estar, vou falar e deixo a surpresa para o congresso.
Já disse que espera que António Costa seja recandidato em 2023. Ele também já disse que só tomará a decisão aí. Caso nessa altura decida não avançar já não será tarde demais para se organizar a sucessão para as legislativas desse mesmo ano?
Espero que António Costa seja candidato em 2023. Ficarei muito satisfeito com isso.
Nem quer pensar noutra hipótese? Não há nenhuma melhor, é isso?
Acho que a melhor solução e a que defendo é que António Costa seja candidato em 2023.
Pedro Nuno Santos já fez saber que não vai discursar neste congresso do PS. A reunião perde por não ter ali a voz do ministro das Infraestruturas?
Acho que vai intervir quem quiser intervir. É um Congresso aberto.
Tem pena de não ouvir Pedro Nuno Santos nesta altura? Faz falta?
É uma opção dele. Ele não saiu do PS. Está a colocar a questão como se o Congresso fosse a derradeira hipótese de ouvir Pedro Nuno Santos.
Já tem na cabeça o que vai fazer no seu futuro político: três mandatos em Lisboa ou admite a dada altura mudar de vida?
Se merecer de novo a confiança dos lisboetas para ser presidente da Câmara de Lisboa, exercerei o mandato até ao fim. Não há nenhuma circunstância política que me faça não exercer o mandato até ao fim, tirando qualquer circunstância de saúde pessoal que me impeça e que espero que não aconteça. É com esse sentido de dedicação e de compromisso com a cidade que está construída esta plataforma política alargada, não só de partidos mas de muitas centenas de independentes da esquerda à direita e da equipa profundamente renovada (há seis independentes nos primeiros dez lugares da lista).
As pessoas podem ter um projeto e esse pode exigir mais ou menos tempo. Da mesma forma que gostaria que António Costa se mantivesse para lá de 2023, já podia ter tomado essa decisão. Não tomou?
Não.
[Veja aqui a entrevista a Fernando Medina na íntegra:]