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Fernando Santos foi eleito pela redação do Observador como a Figura do Ano do Desporto. E esteve na redação para responder aos jornalistas que o elegeram. Foi uma conversa aberta sobre como levou a seleção portuguesa ao seu primeiro título europeu, sobre o jogo do título, sobre a relação com os jogadores (Ronaldo, sobretudo, mas Eder também), sobre a sua carreira de jogador e treinador, sobre a paixão pela engenharia que quase levava a melhor sobre o futebol e, claro, sobre a sua fé. Mas também sobre temas atuais, como o Football Leaks e a polémica da fuga aos impostos de vários futebolistas ou o papel dos agentes no desporto atual.
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Lisboeta, 62 anos (10 outubro de 1954), Fernando Santos foi o primeiro campeão europeu pela seleção nacional. Mas até ao golo de Eder aos 104 minutos na final com os franceses a 10 de julho, no Europeu de 2016 em França, a sua carreira já ia longa. Jogador de futebol, destacou-se como defesa central. Começou nos juniores do Benfica, passou pelo Operário, mas foi no Estoril que se destacou. Ainda se transferiu para o Marítimo, mas voltaria ao Estoril para jogar e exercer a sua profissão de engenheiro eletrónico, licenciatura tirada no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa em 1977. De jogador passa a treinador no ‘seu’ Estoril: esteve sete anos à frente da equipa e guiou-a até ao escalão principal do futebol português após duas subidas de divisão. De lá sai para o Estrela da Amadora e depois dá o salto para o FC Porto onde consegue o pentacampeonato. Começa então um vaivém entre Portugal e a Grécia: que incluem primeiro o AEK e o Panatinaikos, depois o Sporting, de novo o AEK, a seguir o Benfica (tornando-se assim um dos poucos treinadores a treinar os três grandes do futebol português), o Paok e finalmente a seleção grega que leva ao Euro 2012 (quartos de final) e ao Mundial 2014 (oitavos). É então que aceita trocar definitivamente (?) a Grécia por Portugal e aceita substituir Paulo Bento como selecionador.
A primeira pergunta vem de fora, de um ex-jogador que o conhece bem: Jorge Andrade. O Jorge pergunta: porque é que o Fernando é tão rezingão de manhã?
Em primeiro lugar, bom dia… [Risos] Para ver se me passa a rezinguice. Não sei, não sei. Eu tenho mau acordar, tenho. Gosto muito de dormir e, portanto, quando acordo é uma chatice para mim. Tenho ali um período difícil.
Ainda o Jorge Andrade que pergunta a seguir: e porque é que é também tão rezingão à tarde?
[Risos] Não, não sou. Isso tem a ver com a parte profissional. Na parte profissional sou um bocadinho rezingão. Quero perfeição, quero que eles [jogadores] façam sempre bem. Acho que é a minha obrigação tirar o melhor deles, puxar por eles.
Acho que isto é um “defeito de fabrico”. Reconheço aquilo que são os meus defeitos. E, enquanto jogador, o meu grande defeito era ser muito calão. Gostava muito pouco de trabalhar. Percebi que isso no futebol era impossível — quem não trabalha, não pode chegar longe. Podes ter talento, podes ter todas as qualidades, mas se não trabalhares, dificilmente podes chegar longe. E como eu tinha esse defeito, achei que era algo que eu nunca poderia permitir aos meus jogadores. Mas acho que não sou rezingão — antes pelo contrário.
Confesse lá: tendo em conta esse seu mau-feitio, o que é que lhe apeteceu dizer ao Ronaldo quando ele começou aos saltos e a dar ordens para dentro do campo na fase final do jogo com a França?
Nada. Só me apetecia rir. Quer dizer, não me apetecia rir, porque estava um bocado apertado. Faltavam uns minutos e estava um bocadinho apertado. E eu queria era ganhar o campeonato da Europa, não é? Mas depois de ver as imagens, dá-me uma certa vontade de rir. No bom sentido. Porque acho que aquilo retrata muito bem o que era o espírito daquela equipa, do grupo, o que era a ambição, o que era a união que existia entre todos nós. Filmaram o Cristiano. Mas se tivessem filmado todo o banco, perceberiam que os outros estavam no mesmo estado. Toda a gente estava a gritar. O que é perfeitamente normal. Era um momento único e histórico para o nosso país. Mas também o era para nós, que estávamos lá. Acho que era o extravasar de um sentimento que eu acho que só fica é bem. Ao contrário do que já ouvi em alguns comentário, só fica bem. Porque ele não fez nada demais — antes pelo contrário -, ele e os outros o que fizeram foi tentar dar força àqueles que estavam lá dentro. E, ao fim de 120 minutos, toda a força que chegasse era muito importante. Só me deu satisfação.
Acabou de dizer que era um jogador um bocadinho calão. Fez a carreira, pelo menos enquanto sénior, praticamente toda no Estoril — houve um ano em que jogou no Marítimo. Como defesa, era um jogador mais semelhante ao Bruno Alves, mais durão, ou mais fino de pés como o Ricardo Carvalho?
Era mais Ricardo Carvalho. [Risos] Joguei quase sempre a central, com algumas passagens pelo meio-campo — com o Jimmy Hagan jogava principalmente no meio-campo –, era um jogador com alguma qualidade técnica. Quando comecei a jogar, joguei primeiro no Operário e depois no Benfica. E a minha ida para o Benfica coincidiu com a entrada na faculdade. Nunca é fácil conciliar isto. O objetivo principal era fazer o meu curso de engenharia. E isso foi sempre influenciando negativamente — entre aspas! — o lado do futebol. A minha aplicação não era total. Era um bocadinho convencido, também. Um bocadinho presunçoso, porque sabia as minhas qualidades. Era muito rápido e, então, achava que não valia a pena treinar as outras coisas.
Aliás, tenho uma história fantástica com o Jimmy Hagan — acho que foi o único que me conheceu verdadeiramente. Isto foi na segunda fase em que o Hagan voltou ao Estoril. Nessa altura eu já estava a trabalhar no Hotel Palácio e só treinava de vez em quando com a equipa; nos outros dias treinava à tarde, sozinho. Então, fui treinar, dei duas voltas ao campo e, depois de as dar, comecei a pensar: “O que é que eu estou aqui a fazer sozinho, a correr feito parvo?!” Fui para a cabine. E disse ao roupeiro: “Olha, se o velho perguntar o que é que aconteceu, diz-lhe que eu fartei-me de treinar, andei aqui uma hora a correr e tal!” E quando eu ia para tomar banho, olho para trás e estava o homem [Jimmy Hagan] a olhar para mim. “O senhor não treina?”, perguntou ele. Respondi-lhe: “Oh mister, estive uma hora a correr! Fartei-me de correr…” E ele: “Não esteve não, que eu estive a ver o senhor atrás das árvores. Come on, come on!”. Resultado: estive uma hora a subir bancadas, para cima e para baixo, para cima e para baixo, para cima e para baixo. [Risos] E como ele sabia que eu me cortava um bocado, subiu para os pinheiros e ficou lá a ver se eu treinava ou não. Ele conhecia-me bem.
Mas acabei por fazer uma carreira interessante. Não aquela que podia ter feito. Mas joguei 10 anos na I Divisão — muita gente diz que eu nunca joguei, mas joguei mesmo. E depois, a partir do momento em que optei por ter uma outra profissão paralela, obviamente que a partir daí a minha continuidade no futebol estava sempre presa àquilo que era a minha vida profissional. E é por isso que tudo o que me aconteceu na vida foi um pouco por acaso. Chegar a treinador é apenas um exemplo.
Conciliou durante algum tempo duas profissões…
… algum tempo não, 17 anos…
Queria perguntar-lhe porquê? Estava indeciso em escolher uma, treinador ou engenheiro? Gostava muito de engenharia? Ou foi uma questão monetária?
Sim, primeiro a monetária. Dava-me um certo jeito. Tinha comprado a mobília a prestações e dava-me um certo jeito pagá-la. [Risos] Essa foi uma primeira questão. Depois, porque em determinado momento da minha carreira percebi que dificilmente ia atingir um patamar que me proporcionasse aquilo que eu precisava. Mas também porque tinha acabado o meu curso e achava um desperdício não o aproveitar. E ainda porque houve uma situação familiar com a minha mãe, que adoeceu em 1980 por causa de um assalto que teve em Espanha — eu estava no Marítimo nessa altura –, e o médico que a acompanhou, um psiquiatra, disse-me que era importante que eu estivesse perto e que a acompanhasse. Isto tudo acontece na minha vida ao mesmo tempo. E não aconteceu por acaso; não há coincidências.
Quanto estava no Marítimo, o Estoril tinha descido de divisão e o presidente da altura convidou-me a voltar ao Estoril enquanto jogador. Disse-lhe: “Olha, que tu não tens dinheiro para me pagar, mas se me arranjares emprego, eu vou.” Quer dizer: eu é que queria ter os dois empregos. Eles comprometeram-se comigo e é assim que eu regresso ao Estoril, no início da época de 1980. Mas passado um ou dois dias, continuava só a jogar e não tinha emprego. E disse: “Acabou, não jogo mais!! Fui para a porta do Hotel Palácio e sentava-me lá todos os dias num cadeirão. A secretária dele vinha falar comigo e dizia-me: “Então? O senhor Zé Bonito diz para você ir treinar…” E respondia-lhe: “Não, enquanto não me arranjar emprego não saio daqui! Não vou para lado nenhum…” Até que um dia, passado pouco tempo, em novembro, foram-me dar um bilhete de avião para eu ir para Madeira. “Para a Madeira? Então vim da Madeira e vou para a Madeira outra vez!?”, disse eu. Afinal, era para ir fazer um estágio no Madeira Palácio e começar mais tarde a trabalhar no Hotel Palácio, no Estoril, onde entraria a 5 de janeiro de 1981. A minha vida a partir daqui ficou cruzada entre o futebol e hotel.
Com toda a sinceridade: se hoje deixasse de ser treinador, a primeira coisa que fazia era voltar para o hotel. Uma das coisas que mais gostei de fazer foi trabalhar naquela área. Acho que, depois, foi uma questão de gosto pelas duas profissões que tinha e fui tentando sempre conciliar. Foi muito difícil para a minha família. Foram 17 anos sem férias, porque o tempo de férias que tinha no hotel guardava-o para as pré-épocas, as segundas-feiras — que eram o meu dia de folga no futebol — eram passadas no hotel e, portanto, foi um pouco difícil, mas fiz sempre com prazer. E por isso é que estou aqui hoje.
O Fernando passou pelo Estrela da Amadora. O Mourinho também, tal como o Jesus. É um clube fetiche?
O Estrela — e o Estoril também — não são clubes com uma massa associativa forte, porque a maioria das pessoas são dos dois grandes clubes de Lisboa. E isso faz com que estes clubes tenham muitas vezes dificuldades de sobrevivência económica. Mas, por outro lado, têm o lado positivo de serem muito vistos. Havia muito a tendência de se ir ver o Estoril e o Estrela. Fetiche? Sim, de alguma forma, sim. O Mourinho passou lá com o Manel Fernandes, adjunto do Manel, e depois eu e a seguir, mais tarde, o Jesus. Era um clube muito interessante. Tinha algumas condições de trabalho, aproveitava muito bem jogadores desta zona — assim como o Estoril –, e isso fazia com que fosse um clube onde era bom trabalhar e onde se tinha forte probabilidade de poder dar o salto. Nunca pensei nisso, sinceramente nunca pensei chegar onde estou agora, não porque não tivesse essa ambição, mas porque a minha vida era mais engenharia. Mas percebo que esses dois clubes [Estoril e Estrela da Amadora] me ajudaram muito.
Uma pergunta do Rui Miguel Tovar: onde é que estava no dia 14 de dezembro de 1986?
[Hesitação] Caaatorze… de dezembro… mil novecentos… hmmm… e oitenta e seis? Não tenho ideia, não…
Uma ajuda: foi o dia dos 7-1 do Sporting ao Benfica.
Devia estar a jogar. Se calhar devia estar a perder também seis ou sete em Torres Vedras! [Risos] Não estava de certeza a ver o jogo, porque treinava o Estoril. Não tenho nenhuma recordação desse jogo.
Tem vários jogadores na seleção que viram recentemente os seus nomes envolvidos numa mega-investigação sobre evasão fiscal. Tendo em conta que se tratam de modelos para várias gerações, isto preocupa-o? Do ponto de vista do exemplo que devem dar. E outra pergunta, ligada a esta: tem dinheiro em “offshores”?
Não, não tenho. De certeza. [Risos] Para já, é muito importante que se clarifiquem todas estas situações. Se partimos logo do pressuposto que as pessoas são culpadas, é um bocadinho… enfim. Portanto, acho que devemos ter alguma atenção, porque é preciso perceber se tudo é legal ou não é. Essa é a questão fundamental. E acredito naquilo que os meus jogadores dizem. Há que esperar, com serenidade, pela resolução dessas questões. Não devemos interpretá-las logo de uma forma muita rápida. É um dos ensinamentos que aprendi na minha vida: não julgues muito rápido, para não seres julgado tu. É um dos lemas que sigo, o de não ser muito rápido a julgar. Mas isto é a minha filosofia. Cada um tem a sua. Tinha um amigo meu que sempre me dizia: “Cuidado quando apontas um dedo. Porque se olhares bem para a tua mão, tens três a apontar para ti.” E ainda por cima está alguém lá em cima [Deus] que vê isto tudo, o que é uma chatice. Portanto, tenho algum cuidado sempre nestas questões, gosto que as coisas aconteçam naturalmente. E depois tecerei os meus comentários.
Quase todos os jogadores, ou mesmo todos os jogadores, vão partilhando nas redes sociais reações, fotografias, durante os treinos, durante as competições. Como é que vê isso, essa atividade tão intensa nas redes sociais? E pergunto-lhe também: alguma vez teve que dizer a algum jogador “vê lá se te acalmas, é tempo de trabalhar, guarda o telemóvel”?
Hoje em dia é quase impossível conseguirmos isso. É a evolução natural; uns entendemos que é uma evolução positiva, outros que é menos positiva. Mas a sociedade é assim. Cada vez mais os meios de informação são importantes e fundamentais. E quando chegas a este escalão, a este nível, obviamente que os jogadores têm também muita gente que trabalha e que os envolve, gente que acha que isto é importante para eles, para as suas carreiras. Eu acho que é um exagero quando não conduz a coisas positivas. Mas isso é a minha opinião e sempre a transmiti a eles. Eu tenho uma relação muito próxima com os meus jogadores. Tento separar muito bem a via pessoal e a via profissional. Tenho uma abertura muito grande para lhes dizer aquilo que penso, em relação àquilo que é o treino, o lado profissional em que eu sou o treinador e eles os jogadores. Depois, na outra vertente pessoal, trocamos muitas vezes opiniões sobre esses assuntos. Desde que isso não interfira com aquilo que é o meu trabalho no dia-a-dia, quando estão comigo, no treino, nas palestras, na análise dos adversários, tudo aquilo que tem a ver com a estratégia que quero montar para um jogo, eles são livres, fazem o que quiserem e o que entenderem que é correto. Desde que isso não possa, de alguma maneira, interferir ou criar problemas no seio da equipa. Se não criar, por mim está tudo bem.
Uma pergunta de um dos nosso leitores no Facebook, Pedro Eça. Apesar de ter mais quatro anos de contrato com a Federação, vê como uma possibilidade voltar a treinar um clube? Se sim, em que Liga e porquê?
Neste momento não é o meu foco. Já tive esse objetivo, em tempos pensei isso — quando estava na Grécia –, que era altura de voltar a treinar um clube. A partir do momento em que aceitei este compromisso de estar com o presidente [da FPF, Fernando Gomes] mais quatro anos, a partir do momento em que aceitei, o meu foco está na Seleção. Não vou dispersar sobre o que é que qualquer dia me pode acontecer, o que desejo ou não desejo. O que eu desejo, sei: é estar na Rússia, em 2018. E desejo, lá, no Mundial, fazer o máximo para conseguir um resultado positivo. É nisso que eu estou centrado e não mais do que isso.
Durante os anos de crise esteve entre a Grécia e Portugal. Notou alguma diferença na forma como portugueses e gregos lidaram com os cortes e a austeridade? E isso afetou o futebol de alguma forma? Ou é uma área que está completamente à parte e não sente essas dificuldades?
O futebol não está à parte de nada. O futebol é composto por pessoas, com famílias, que têm os mesmo problemas. Quando afeta, afeta todos. Estas crises que aconteceram, quer aqui, quer na Grécia — mais fortes e mais pronunciadas na Grécia –, afetaram muito aquilo que eram os clubes, o desempenho dos clubes, os jogadores, as suas famílias. São países diferentes, culturas completamente diferentes, formas de análise completamente diferentes. Mas com uma base importante, que acho que levou a que Portugal e Grécia conseguissem ir sobrevivendo. Ainda ontem falava disso com um amigo meu. Acho que não reparámos ainda no que temos sobrevivido e como é que temos conseguido ultrapassar tudo isto, com tanta crise que tivemos neste últimos anos. Eu acho que a base fundamental, o apoio fundamental, foi a família. Foi o pilar fundamental — pelo menos na Grécia — que segurou as pontas naqueles momentos muito difíceis, em que o desemprego andou à volta dos 30%. As pessoas começaram a encostar-se em casa dos pais, ou dos avós, ou dos tios e dos sobrinhos, e onde comia um, comiam dez, e as coisas foram funcionando. E isso, eu acho que é um aspeto fundamental. É uma coisa que une muito este dois países.
Depois, há muita diferença. Culturalmente somos muito diferentes. Uma diferença muito substancial é que, enquanto nós somos muito pessimistas, mais fechados, eles são um povo muito aberto. Não é um povo tão tradicionalmente europeu como nós. Isto faz com que o sofrimento tenho sido muito, mas aparentemente não. Se fosse à Grécia há uns anos, percebia isso. Mesmo nos momentos mais difíceis, percebia que as pessoas continuavam na rua, nos cafés. Eu costumava dizer aos meus amigos — que quando lá iam me diziam que os cafés estavam sempre cheios: “Pois estão. A única diferença é que eles bebiam dois cafés quando se sentavam na esplanada e agora bebem um copo de água. E só bebem porque a água é de borla, se fosse a pagar não a podiam beber.” Felizmente para a Grécia, as coisas estão a querer melhorar um pouco. É aquilo que eu sei através dos meus amigos.
Quanto ao futebol, e a pergunta era essa, sim, foi muito afetado. Principalmente lá. Porquê? Porque ao contrário dos clubes portugueses, que vinham numa fase em termos de organização estrutural diferente — já havia as SAD –, lá continuam a ser os mecenas à frente dos clubes. E depois houve a questão dos impostos. Há oito ou nove anos, todos nós, treinadores e jogadores, tínhamos um vencimento mensal e depois havia um prémio de assinatura que era taxado a 20%. De repente tudo mudou e passou tudo ao Plano Geral. E passar ao Plano Geral é passares de 20 para 50% — se incluísse a Segurança Social, chegava aos 65%. Imaginas o que é que isto custou aos clubes? Um exemplo: o Olympiacos em 2000 comprou ao FC Porto o Zahovic por dois milhões de contos. Hoje, o Olympiacos não pode comprar ninguém. Isto só para dizer o que era o peso que tinham esses clubes há 10, 15 anos, e o peso que tem hoje. Eles hoje só vendem. Comprar, deixaram de ser compradores.
Hoje, os agentes têm um peso demasiado excessivo no futebol e sob os jogadores? De que forma é que isso acaba por condicionar a relação entre treinador e jogador? Alguma vez, quando quis falar com um jogador, foi preciso um intermediário?
Não sei, não tenho agente. Nunca tive. Estou à vontade. Não quero com isto dizer que não ache que os agentes são — ou foram, a partir de determinado momento — importantes. São importantes na gestão da carreira dos jogadores. Agora: nenhum treinador tem que falar com um agente. Acho que tem um papel importante em relação ao jogador, na colocação do jogador, e isso parece-me importante. Mas não tem interferência nenhuma direta naquilo que é a relação do jogador com o treinador. Naquilo que eu conheço, tenho a certeza absoluta que não. Não faria sentido que isso pudesse acontecer.
Mas perdeu-se ou não alguma “magia” no futebol com este peso excessivo dos agentes sob os jogadores? Por exemplo: na Seleção falou-se do peso do Jorge Mendes.
Mas isso é normal. Se em Portugal o principal agente é o Jorge Mendes, é normal. Às vezes quando eu convoco um jogador dizem: “Ah, é do Jorge Mendes!” Claro que é. Então o que é que eu vou fazer!? Não o convoco só porque é do Jorge Mendes? Não pode ser. Até podia ser do Manel, do Joaquim ou do António. Convoco os jogadores pela sua qualidade, por aquilo que eles me podem trazer à equipa; não pelo nome do seu agente. Nenhum treinador irá fazer isso. Agora: na gestão da carreira do jogador o agente é muito importante, porque faz um trabalho que os treinadores e os jogadores não fazem. Os treinadores e os jogadores não se vão oferecer aos clubes. Quem é que faz esse trabalho? São os agentes, que os vão tentar colocar aqui, que os tentam “transacionar” de alguma forma, e nesse aspeto eles são fundamentais. E também, depois, para a gestão da imagem, dos sites e de todas essas coisas. Essa gestão é fundamental. O agente não é tão negativo como muita gente quer apontar.
Se há essa importância, porque é que nunca teve agente?
Nunca aconteceu. Muitas vezes tenho pensado nisso: se voltasse atrás, ao passado, não sei se não teria optado por ter alguém. Podia ter estado noutros caminhos. Porque o agente tem isso: abre outras portas e essas coisas podem acontecer. E é um papel importante. Não aconteceu. Como treinador, saí do FC Porto diretamente para a Grécia. No fundo, quase que tive um agente, mas era um ex-jogador meu [Jasminko Velić, ex-Estrela da Amadora], que me convidou a ir para a Grécia e eu fui. A partir daí foi sempre assim. Como tive uma grande relação com todos os meus jogadores, quando voltei para Portugal, um deles, o Nikolaidis, foi para presidente do AEK. O AEK estava falido, ia acabar, ele telefonou e disse-me: “Mister, tens que me vir ajudar. Eu vou para presidente e tu vais para treinador. E vamos dar a volta a isto.” Epá, ‘tá bem, vamos embora. E levei-os à Liga dos Campeões. Depois, vim para o Benfica. E quando saí do Benfica, o Zagorakis — que era o capitão da Grécia que venceu aqui o Euro’2004, para mal dos nossos pecados — foi para o PAOK como presidente e disse-me que só eu é que podia dar a volta àquilo. E fui. Andei sempre nisto.
Católico assumido, praticante. Mas às vezes explode, como naqueles oitavos-de-final do Mundial de 2014.
Sim. Eu sou Santos, mas não sou santo. São coisas diferentes.
Mas já explodiu mais vezes do que naquele momento.
Siiiiim. Acho que já tive pior feitio. [Risos] Isso foi algo que aconteceu, sem nenhuma razão. Mas acabei por, no TAS, resolver o problema. E penso que o resolveram com justiça. Inclusivamente, acho que eles me queriam dar um castigo de zero jogos. A minha convicção é esta por uma razão muito simples: como sabe, se recorrer ao TAS, depois da decisão estar tomada o que se pode vir a fazer é tentar a redução da pena para metade — mas já na FIFA. Acho que eles perceberam — nunca entendi bem porque — que a FIFA não o iria fazer. E então, no acórdão, reduziram imediatamente a pena para dois jogos. Deram quatro e reduziram para dois. Ou seja, cortaram a hipótese da FIFA dizer que não. E ficou resolvido, claro.
Agora: o que aconteceu foi que era uma tremenda injustiça, aquilo que estava a acontecer durante o jogo. Estávamos no intervalo entre o jogo e o prolongamento. Os jogadores deles [Costa Rica] estavam dentro do relvado e os meus não. E os árbitros não nos deixavam entrar em campo para deitar na relva. Eles têm razão num aspeto: no fim do jogo, quando fui expulso, eu devia ter ido para o balneário. E não fui. Porquê? Porque fui dar ao meu adjunto o nome dos jogadores que iam marcar as grandes penalidades. E quando eu lhe estou a dar o nome dos jogadores que iam marcar, ele disse-me que dois jogadores não queriam marcar. Não se sentiam bem. E naquele momento esqueci-me completamente que tinha que ir para o balneário. É verdade. Fui falar com os meus jogadores. Em vez de sair diretamente, demorei dois minutos. E foi aqui que eles pegaram, porque eu não cumpri a ordem de saída.
Mas há um episódio giro: quando fui ao julgamento no TAS, o meu advogado — que era bom, por acaso [risos] — conseguiu que, antes da audição, se apresentasse o vídeo com todos os lances que estavam marcados nos autos. Um deles, é um momento em que eles [árbitros] dizem que eu estou a protestar muito. O que aconteceu é que naquele minuto quem estava a protestar era o treinador deles [Costa Rica], não era eu. Estava no meio-campo a protestar. Aí, os árbitros tiveram azar. E há outro lance, já perto do final do jogo, em que dizem que eu estou a tratar muito mal o árbitro principal, a chamar muitos nomes e a ofender e tal. E realmente eu estou as gritos. Mas estou a dizer “Karnezis, Karnezis, Karnezis”, que era o meu guarda-redes. Faltavam três minutos para acabar. E o Karnezis foi atrás da bola, que tinha saído. E em vez de pôr a bola imediatamente em jogo, não, foi para a baliza outra vez e deu a bola a um colega, para ir marcar. E eu estava a gritar para ele — e a dizer algumas asneiras também, mas em português. [Risos] Quando eles [TAS] foram confrontados com o vídeo, perceberam que eu não estava sequer a falar para o árbitro. E quando os árbitros foram confrontados com isso, diziam que não, que eu estava a ofender e o que o outro treinador não disse nada. Ora, quando eu ouvi isso, pensei: “Já foram!” [Risos]
O que é que se passou entre si e o Mourinho por causa da camisola rasgada ao [roupeiro] Paulinho no Sporting?
Nada. Somos bons amigos. Falamos com muita frequência. Temos uma relação muito boa. Mas claro que há sempre um momento em que às vezes as coisas não correm tão bem, não é? E obviamente que naquele dia houve ali um pequeno desencontro, mas isso é perfeitamente normal. Há sempre um momento de tensão nestas coisas. Acontece na vida de todos nós. Mas na nossa, de treinadores, estamos mais expostos e essas coisas tomam um peso diferente. Não acredito que haja aqui alguém que nunca tenha tido um desencontro com ninguém, por mais pequeno que seja.
Esta geração é capaz de ser das primeiras que jogou mais futebol com os polegares do que com os pés. Ou seja, muito mais na consola do que no campo. Isto altera a maneira como os jogadores de hoje jogam? Ou o futebol no campo será sempre o futebol no campo e o que se faz na consola não passa para as quatro linhas?
Não. A consola, quanto muito, podia ajudar os treinadores. Os jogadores, não. Com eles é na prática, é impossível jogar na consola. Agora: o que mudou? O que mudou no futebol é o treino. Hoje há uma melhoria no treino, das condições de trabalho nos clubes, nas academias, não tem nada a ver com o passado. E isso é que faz com que a evolução dos jogadores seja diferente. Mas o futebol de rua — o tal que se está a perder — é sempre fundamental. A criatividade, o talento, a qualidade, essas coisas estão na rua.
Quando diz “são mais de consola”, não é verdade. Porque no meu tempo nós jogávamos à bola na rua porque não havia academias. Ninguém punha os filhos na academia aos seis anos. Hoje toda a gente quer que os seus meninos sejam o Ronaldo. Querem logo que eles sejam jogadores. No meu tempo jogava-se na rua, nas sarjetas. Mas, no fundo, era uma forma também de jogar. Esta, é uma forma mais acompanhada e pode ajudar. Com algum risco, porque na minha opinião se exagera essa fase de crescimento das crianças entre os seis e os 13 anos. Quer-se muito ensinar logo como é que se joga o futebol. Não é “à bola” — porque “à bola” eu acho que eles devem jogar e vão-se desenvolver física e tecnicamente. Muitas vezes a questão é que se quer que o menino logo com seis anos perceba o que o conceito do jogo, tem que jogar assim, tem que jogar assado, pela esquerda, pela direita. Se conseguíssemos juntar estes dois vetores [rua e academia] era muito interessante. Tê-los na academia, mas dar essa liberdade, que era a nossa liberdade da rua e que nos dava a criatividade.
A Playstation? Não pode ajudar em nada um jogador. Em nada. A um treinador eventualmente sim, porque começa a perceber um bocadinho o que é o jogo. Mas só se tiver algum jeito para isso. Quem não tiver talento para isso, nem com a consola lá vai.
Queria perguntar-lhe se em determinados momentos-chave costuma ouvir alguma música em especifico? Por exemplo: depois de ganhar um jogo ou após uma derrota? Ou no balneário antes do jogo?
Não, não tenho esse hábito.
Já agora: depois de ganhar um jogo, gosta de ir a algum restaurante em especifico?
Não, depois de ganhar o jogo gosto é de ir para casa. Ganhar ou perder, gosto de ir para casa. É um momento de interiorização sempre. Os treinadores têm isso. Mesmo quando ganham, fazem a análise, rebobinam o filme. Vamos sempre ver se não podíamos ter feito coisas diferentes, se há algo a melhorar. Agora, se perder… desaparece tudo à minha frente! [Risos] Quando eu chego a casa já nem está lá ninguém, nem cães, nem família. Está tudo para os quartos. Nem os cães têm autorização para ir para a sala comigo naquele dia. Que ninguém me diga nada. Quando ganho, os cães pelo menos podem ficar ao pé de mim e tal. É por isso que não ouço música, que não vou jantar: é um momento de interiorização, quero estar sozinho, pensar.
Um tema sobre o qual o Fernando costuma falar abertamente é o da fé. Assume-se como um homem católico e nunca teve problemas em dar o seu testemunho enquanto homem de fé em público. Pergunto-lhe: essa sua dimensão de católico teve um papel no balneário da Seleção?
Tem um papel na minha vida e não é só como treinador. Está no meu dia-a-dia, é como respirar. A minha fé faz parte da minha respiração. A primeira coisa que faço de manhã quando me levanto é agradecer o descanso e oferecer o dia. Tenho sempre uma conversazinha com Ele logo de manhã quando me levanto. E à noite. E ao longo do dia. Faço isso muitas vezes. Gosto muito de conversar com Ele — é um amigo porreiro que eu tenho e que, ainda por cima, ouve-me e nem me responde. Isso influencia.
Se influencia as estratégias e as táticas? Não, nem faria nenhum sentido. Vou dar um exemplo: na final do Euro, antes de ir para a palestra com os jogadores, estava a ler o Evangelho do dia e houve uma frase que saltou muito clara à minha frente. E disse: “Esta é a frase-chave e é assim que eu vou ganhar o campeonato da Europa!” E usei-a na palestra. “Neste jogo nós vamos ter que ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes”, disse eu aos jogadores. Era a chave exata para aquele jogo com a França, perante uma euforia muito grande da equipa francesa. Nós deveríamos ter essa simplicidade, mas ao mesmo tempo ser muito prudentes. Se conseguíssemos fazer isso, podíamos ganhar. Se isso pode influenciar, sim, pode. Agora: não influencia nem o treino, nem a estratégia, nem a análise, nem a relação com os meus jogares; isso não influencia nada. Tenho fé, mas não tenho fezadas. E não acredito em milagres caídos lá de cima. Nisso não acredito.
Esta pergunta foi enviada por Maria João Avillez. Para si, numa palavra ou numa expressão, o que é Deus?
O princípio e o fim.
O nosso leitor Francisco Gomes pergunta, no Facebook, o que é que sentiu na final do Euro 2016 quando o Cristiano Ronaldo ficou lesionado.
Como é que podia dar a volta àquilo. O meu primeiro pensamento foi esse. Houve um momento em que pensámos que ele ainda podia voltar, ele tentou, fez um esforço grande e, naquele momento, como a minha equipa tinha o objetivo de vencer aquela final, eu só pensava como é que podia dar a volta à situação. A primeira medida que tomei foi mudar a estratégia — estávamos a jogar 4-4-2 e passámos a jogar 4-3-3. A nossa estratégia para aquela final passava pelo Cristiano Ronaldo, porque ter o melhor do mundo e não o aproveitar seria um bocadinho anormal, penso eu, e portanto naquele momento foi isso, como mudar a estratégia e usar outras armas. Foi isso que fiz. E também me lembro naqueles minutos a seguir pensar: “Venha o intervalo depressa, para eu poder explicar melhor aos meus jogadores como é que vamos ter de jogar, como é que vamos abordar o adversário… Era só nisso que eu estava concentrado.
Se a questão era mais no sentido de ter tido medo, nunca tive medo. Não tive medo nenhum, sou pouco emocional. Posso dizer umas asneiras e tal, mas não tem a ver com emoção. Não me tolda o raciocínio, isso não.
E podemos contar com o caneco em 2018?
Agora temos é de chegar a 2018, à Rússia. Neste momento dependemos exclusivamente de nós, isso é bom. Mas sabemos que, para alcançar o que queremos, temos de vencer todos os jogos até lá. Não podemos estar a pensar no que é que vai acontecer aos adversários, dependemos de nós e de vencer os nossos jogos. Não é uma situação nova para nós, quando eu cheguei isso estava em cima da mesa também, era preciso vencer os nossos jogos todos para podermos chegar diretamente, sem ter de recorrer a um playoff. É nisso que estamos focados, conseguir alcançar a presença na fase final do campeonato do mundo. E depois lá vamos definir a nossa estratégia, direi qual na altura certa.
O Rui Miguel Tovar pergunta se alguma vez deu uma bronca ao capitão Cristiano Ronaldo.
Dei logo no primeiro dia! Se não foi no primeiro, foi num dos primeiros, num jogo particular no Bessa. Como sabem, fui o último treinador dele em Portugal. Aliás, o único treinador português dele em Portugal, porque antes tinha sido o senhor Boloni. Eu lembro-me perfeitamente que perdemos esse jogo. Uma vergonha, perder um jogo particular. Uma vergonha. Eu nessa altura tinha mesmo mau feitio. E fomos jantar… Agora imagine, há bocado estava a dizer que tenho de ir para casa estar sossegado e tive de ir jantar com os jogadores… Já estava cego. E de repente começo a ouvir os miúdos, que eram aqueles mais novitos de 18, 19 anos, não era só o Cristiano, e aquilo era uma galhofa, uma gargalhada! Eles levaram um grito tão grande que nunca mais falaram, durante uma hora nem piaram. Ele muitas vezes conta isso, com uma certa graça. Agora, no jogo obviamente que às vezes temos de chamar os jogadores para aquilo que queremos fazer, não é?
Mas ele neste campeonato da Europa foi fundamental. Não só em campo, na qualidade de jogador, mas também como capitão. Eu já disse isto muitas vezes: aquilo que conduziu à vitória de Portugal foi o ‘nós’. Disso não tenho dúvida nenhuma. Eu estou incluído, eu e mais 60 e tal pessoas porque, durante 51 dias, éramos 70 pessoas em Marcoussis. E é muito difícil em 50 dias não verem cá fora nada, não haver nada que pudesse destruir aquele grupo. E isso, na realidade, é fruto de todo esse trabalho que fomos conseguindo, essa aglutinação que fomos fazendo. Depois, o Cristiano teve um papel importante porque quando o melhor do mundo se consegue integrar na perfeição neste esquema, todos os outros o acompanham, é perfeitamente natural, não é? Quando vemos o altruísmo deste jogador, que se sacrifica em prol da equipa, jogando muitas vezes na posição que não é habitual e que vocês muitas vezes aproveitaram para criticar, “devia jogar à esquerda, não devia jogar ao meio, porque é ali que ela joga”, e tal. O que é certo é verdade é que ele sempre o foi fazendo, e com naturalidade, com prazer.
É preciso perceber uma coisa que acho que poucas vezes se tem falado mas, no campeonato da Europa de 2016, 13 jogadores nunca tinham participado numa fase final. É muito diferente esta conquista do Euro porque nós não tínhamos uma equipa formada, não era uma equipa que jogava há cinco, ou seis, ou sete anos juntos, em que os jogadores todos estavam muito entrosados entre eles. Não! 13 dos nossos jogadores nunca tinham passado uma fase final mas, mais do que isso, 10 não tinham 10 internacionalizações pela equipa principal. Dois deles nunca tinham jogado na equipa principal num jogo oficial. E, portanto, isto foi um trabalho de 50 dias em que fomos construindo isso tudo. E quanto tens este exemplo do melhor, obviamente que para todos estes jovens que ali estavam este é um movimento aglutinador também. Nesse aspeto, ele teve um papel fundamental. Agora, no jogo a gente umas broncas dá sempre. O treinador também é para isso.
Queria fazer-lhe uma pergunta sobre aquelas conferências de imprensa às vezes intermináveis antes e depois dos jogos. Qual é a pergunta que mais detesta que lhe façam?
Naquelas mesmo a seguir ao jogo? Isso há várias que não fazem nenhum sentido, sinceramente. Não me levem a mal, mas algumas não fazem nenhum sentido, são para encher chouriços, como se costuma dizer. Eu gosto mais das conversas informais, como em Marcoussis, estar com os jornalistas todos, estarmos ali de uma forma informal a falar, a conversar, a trocar opiniões, com o respeito normal. Acho isso muito mais interessante.
A única coisa que mexe um bocadinho comigo são as perguntas que vêm inquinadas. Não é que sejam positivas ou negativas, isso é diferente e não me choca nada, antes pelo contrário, fazem-me refletir, pensar, quer a crítica, quer a pergunta, venha ela do lado positivo ou de uma análise negativa. Eu acho que o treinador tem a obrigação de pensar, não sou o senhor nem o dono da verdade, e tento perceber a opinião dos outros. Umas vezes concordo, outras vezes não concordo, umas vezes não voltaria nada atrás, outras vezes penso: “Se calhar têm razão, podia modificar ali, aqui ou acolá”. Depois há um tipo de perguntas que já vêm feitas, não é? E essas perguntas mexem um bocadinho comigo porque elas não são feitas com bom sentido, são com mau sentido. E essas mexem um bocadinho comigo.
E as críticas a Portugal jogar mal (pergunta colocada já fora da gravação)?
Isso é que não compreendo. Nem concordo. Não fomos pragmáticos, jogámos o que tínhamos de jogar. Aliás, o único jogo em que dizem que jogámos mal eu acho que foi o pior jogo. Aquele com a Hungria. Estivemos três vezes fora do Euro. Jogámos à parva. Só queríamos marcar.
https://www.youtube.com/watch?v=4IGCkzKy1rQ
Uma pergunta que toda a gente concordou fazer… Foi mesmo o Eder que os… ?
Foi mesmo o Eder que..?
O grande cântico durante os festejos do Euro.
Ah! [risos]. Eu ouvi, eu ouvi. Acho que, felizmente para ele, foi um momento fantástico para um rapaz que passou muito naquele momento. Aquele jogo a seguir à Bélgica, foi uma coisa tremenda o que se passou. Eu ainda hoje estou a perceber porque é que ele era tão patinho feito, quer dizer… Porque é que não se pensou um bocadinho? Compete-me a mim, e não aos adeptos, analisar aquilo que eu preciso numa equipa. Uma equipa precisa de jogadores com determinadas características e o Eder, naquele momento, era o único que reunia determinadas características que podiam vir a ser úteis à Seleção Nacional. Eu lembro-me que até se fez umas sondagens, umas votações nos jornais para escolher jogadores para irem à Seleção. O Eder não podia ir, tinham de ir outros! Uma coisa fantástica…
Eu acho que aquele momento foi fantástico para ele mas foi essencialmente fantástico para nós. Recordo-me bem que quando o chamei para ele entrar, achei que era um momento muito importante ele entrar no jogo naquele momento porque a minha equipa estava a ficar por cima, estava a ficar melhor, estava-me a faltar segurar só um bocadinho a bola na frente e, portanto, chamei-o e disse-lhe: “Olha, tu agora vais tentar segurar a bola de maneira a que a equipa possa subir, possa chegar mais perto da área da França porque a gente vai acabar por ganhar isto. E ele disse-me: “Não tenha problemas porque eu vou marcar o golo.” E eu disse-lhe assim: “Então olha, vai lá e marca lá o golo, quero lá saber. Marca que eu fico todo contente [risos].” E lá foi ele e marcou e eu fiquei todo contente! E vocês também.
Veja aqui o vídeo completo da entrevista: