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Manifestantes protestam durante uma ação do movimento Climáximo, entre o Príncipe Real e a Assembleia da República, por forma a assinalar os cinco anos do Acordo de Paris através do seu "enterro" simbólico, em Lisboa, 12 de dezembro de 2020. Em 2015, 196 países assinaram o Acordo de Paris para tentar impedir que as alterações climáticas tornassem a vida no planeta insustentável, tendo como objetivo a redução das emissões de gases de efeito estufa e impedir um aumento de temperatura média global para além dos dois graus neste século. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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Membros da Climáximo "enterram simbolicamente" o Acordo de Paris, a 12 de dezembro de 2020, em frente à Assembleia de República

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Membros da Climáximo "enterram simbolicamente" o Acordo de Paris, a 12 de dezembro de 2020, em frente à Assembleia de República

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Fim do gás, dos aviões e um serviço público de renováveis. O que pede a Climáximo e o que é possível alcançar?

A Climáximo defende metas exigentes para a redução das emissões de gases com efeito de estufa — tão exigentes que são irrealistas. Entre todas as medidas, o que faz sentido e até onde podemos chegar?

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“Estão a destruir tudo o que amas”, “o Governo e empresas declararam guerra à sociedade e ao planeta” e “eles estão a matar-nos”. Estas são algumas das frases inscritas nas faixas dos manifestantes apoiados pela plataforma Climáximo nos protestos que realizaram em Lisboa nos últimos dias, respetivamente na sede da REN, na rua de São Bento, na 2.ª circular junto ao edifício da Galp ou durante um evento dedicado à aviação na Feira Internacional de Lisboa (FIL).

Os alvos são escolhidos de acordo com as ações que defendem, como o fim da exploração de combustíveis fósseis e eletricidade 100% renovável, fim dos jatos privados e redução do número de voos, e uma maior justiça climática e social. As iniciativas deste grupo, que se apresenta como um movimento anticapitalista pela justiça climática, já incluíram ações dirigidas a elementos do Governo, como os ovos com tinta verde atirados ao ministro do Ambiente e da Ação Climática Duarte Cordeiro; contra os luxos dos ultrarricos, quando encheram os buracos de um campo de golfe com cimento; ou contra as petrolíferas, como quando se colaram à porta do edifício da Galp, em Lisboa.

Francisco Ferreira, que também teve a sua quota de desobediência civil em nome do ambiente quando era jovem, considera, em declarações à rádio Observador, que este tipo de ações em Portugal “não é nada de novo”, mas que, “nestas ações mais extremas de alerta, o importante é balancearmos o conteúdo e a forma“, para não se correr o risco de a ação ser contraproducente ou criar uma imagem negativa junto da opinião pública.

As exigências dos ativistas do clima fazem algum sentido?

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O pior é não explicarmos o que está em jogo — porque as palavras de ordem têm de ser rápidas e porque nas entrevistas há uma simplificação da realidade —”, lamentou o presidente da associação ambientalista Zero no podcast “A História do Dia”. O Observador compilou neste especial o que é exigido pelos manifestantes e, com a análise de Francisco Ferreira, que é também professor e investigador na Universidade Nova de Lisboa, tenta explicar até que ponto essas exigências poderão ou não ser concretizáveis, dividindo as reivindicações nas três principais campanhas da plataforma Climáximo.

Ativistas não querem que o gás faça parte da transição energética

 O que exigem?

As reinvindicações da Climáximo começam logo pela forma como nos referimos ao gás que nos chega em navios ou gasodutos: o chamado ‘gás natural’. O grupo lembra que o gás é tão natural como o petróleo e que ambos são explorados, muitas vezes, nos mesmos depósitos no subsolo. Apesar de o adjetivo “natural” lhe dar o ar benévolo de amigo do ambiente e de origem não poluente, o gás é efetivamente um combustível fóssil e uma fonte de energia não renovável, referem. “E um combustível fóssil não pode, naturalmente, fazer parte duma transição de combustíveis fósseis para energias renováveis”, defendem no âmbito da campanha “Gás é andar para trás”.

A campanha “Gás é andar para trás” foi lançada em 2019 e tem como objetivo lutar “por um mundo livre de combustíveis fósseis e por uma transição justa”, alinhando com a Gastivits, uma rede internacional que apoia os movimentos que se opõem à construção de novas infraestruturas de exploração e distribuição de gás fóssil. A plataforma portuguesa tem os alvos nacionais bem definidos: a Galp, maior fornecedora de gás no país; a REN (Redes Energéticas Nacionais), responsável pelo transporte de gás; a EDP e a TrustEnergy, por terem centrais a gás para a produção de eletricidade.

A campanha, que diz já ter alcançado algumas vitórias, quer ainda (de acordo com o site):

  1. A proibição da importação de gás fóssil obtido por fracking para Portugal;
  2. O fim do financiamento e incentivos públicos aos projetos de gás em Portugal e na Europa;
  3. O encerramento faseado de todas as infraestruturas existentes de produção de eletricidade a partir de gás fóssil, com uma transição justa que garanta formação profissional e emprego digno para quem neste momento depende do trabalho nestas empresas;
  4. A substituição progressiva do gás fóssil em todos os sectores por fontes renováveis de energia, que se encontrem o mais próximas possível dos locais de consumo, de forma a reduzir os custos energéticos e garantir novos postos de trabalho dignos em todo o país;
  5. A adoção urgente de medidas eficazes de eficiência energética nos edifícios residenciais e nos processos industriais;
  6. O cancelamento de todos os projetos de novas infraestruturas de gás, incluindo projetos de expansão do Terminal de Gás Liquefeito (GNL) em Sines e o projeto de gasoduto entre Guarda e Bragança.

O que é possível fazer?

A associação ambientalista Zero também faz parte da campanha “Gás é andar para trás” e concorda que a eletricidade deve, tendencialmente, ser de origem renovável, mas não concorda com todas as linhas de argumentação ou reinvindicações da Climáximo. A começar com a produção de eletricidade a partir de gás natural: “Sem dúvida que o gás natural tem tido um papel fundamental na transição” para uma eletricidade de origem 100% renovável, diz Francisco Ferreira ao Observador. E porquê? Porque ter eletricidade produzida a partir da queima de carvão era muito pior. “O gás natural tem um impacto nas emissões muitíssimo menor do que a queima de carvão”, explica o presidente da Zero.

O ambientalista felicita Portugal por ter tido “uma resposta muito melhor do que o esperado”: acabou com as centrais elétricas a carvão em 2021 quando o plano lhe dava até 2030. “Foi graças a termos estas quatro centrais a gás que conseguimos tirar as duas que tínhamos a carvão.” Não defende, contudo, que se perpetue o gás fóssil, em particular no consumo doméstico, e considera mesmo que, “com a fração das renováveis a aumentar [no total da produção nacional], vamos ter margem para fechar a central da Tapada do Outeiro”, uma central a gás na zona de Gondomar explorada pela Turbogás, da Trustenergy, cuja licença de produção termina em março de 2024. O Governo, no entanto, tem outros planos e quer manter a central em operação até 2030, de acordo com notícia do Público em 2022.

“Estamos dispostos a fazer injeções extraordinárias no sistema elétrico e do gás” para garantir preços estáveis

Para Francisco Ferreira, o ideal seria termos um sistema elétrico alimentado por fontes de energia renovável (como hídrica, solar, eólica em terra e no mar), recorrendo às centrais a gás apenas em última instância — só para garantir o abastecimento de energia elétrica quando as fontes renováveis não conseguissem dar resposta à procura. Mas para conseguirmos garantir que temos acesso a eletricidade de fontes renováveis a qualquer hora do dia (incluindo de noite quando não há energia solar) ou em qualquer altura do ano (mesmo durante os períodos de seca, quando a produção das hidroelétricas é limitada), precisamos de investir no armazenamento e na rede de distribuição, diz o investigador na área do Ambiente e Sustentabilidade. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem previstos apoios no valor de 100 milhões de euros para o armazenamento de 500 megawatts de energia e um estudo de modelação para otimizar a gestão da rede elétrica, noticiou o Expresso.

“Precisamos de mais renováveis, muito mais”, diz o presidente da Zero. E para isso é preciso, por um lado, tornar os processos de licenciamento de novos parques solares ou eólicos menos burocráticos por parte da Direção-Geral de Energia e Geologia. Por outro, é preciso prevenir ou antecipar os conflitos que possam surgir por causa da instalação dos parques de renováveis “ou vai haver uma fratura grande na sociedade”, é preciso que os danos ambientais e sociais sejam reduzidos “ou vamos ter manifestações para cada megaparque solar”, antevê o ambientalista.

"Terá de existir uma discussão permanente sobre os locais e os projetos que terão de ser implementados, a rede elétrica de transporte e de distribuição tem que estar preparada e otimizada, e terão de existir soluções inovadoras para acomodar e gerir todas as diferentes fontes de energia renovável que vão requerer soluções de armazenamento de curto e longo prazo."
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero

Portugal tem de aumentar em 20 gigawatts a potência da eletricidade de fontes renováveis e não pode depender exclusivamente de megaparques solares ou eólicos. As comunidades de energia, de que se tem falado e que a União Europeia incentiva – incluindo através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) —, têm de ser sair do papel, defende o ambientalista. “O papel dos cidadãos na produção da eletricidade é muito importante e está a ser esquecido.” A produção de eletricidade de fonte solar pode ser descentralizada, usando os edifícios e outros espaços para colocar painéis solares que podem fornecer energia à comunidade local.

No caminho para a eletrificação, Francisco Ferreira aponta vias mais prioritárias e eficientes do que outras, como a eletrificação a nível doméstico: um fogão elétrico é “muito mais eficiente” que um fogão a gás ou, no futuro, com um pouco de hidrogénio. É por isso que rejeita a entrada de hidrogénio nos gasodutos para abastecimento doméstico e defende que se deixe este combustível e o biometano para aquilo que é imprescindível ou não pode ser eletrificado — como na indústria e na frota de autocarros a gás, que é recente e que seria um desperdício de dinheiro estar já a trocar por autocarros elétricos.

O biometano pode ter os mesmos usos que o gás fóssil (composto maioritariamente de metano), mas tem origem biológica (e não de extração do subsolo), como os efluentes de suiniculturas, as estações de tratamento de águas residuais ou os aterros de resíduos urbanos. É uma forma de captar e utilizar gases com efeito de estufa, contribuindo para a neutralidade carbónica.

“Empregos para o Clima” para cortar 85% das emissões em 10 anos

O que exigem?

A campanha “Empregos para o Clima” foi lançada em 2016 com um duplo objetivo: combater a crise climática e a crise social de precariedade e desemprego, de acordo com o último relatório da campanha. “Precisamos de fazer a transição para uma economia neutra em carbono e de garantir emprego digno a milhares de pessoas”, defendem, mas propõem fazê-lo sem sacrifícios: sem desemprego, nem cortes, nem perda da qualidade de vida. O que a campanha defende é “a criação massiva e a curto prazo de empregos dignos, de iniciativa pública, para o combate direto às alterações climáticas”.

"Empregos para o Clima são postos de trabalho criados para travar o aquecimento global, diminuindo a quantidade de gases com efeito de estufa que lançamos para a atmosfera. São postos de trabalho dignos, com condições justas, que respeitam as regras de proteção do ambiente, higiene, saúde e segurança no trabalho, e criados numa ótica de serviço público."
Relatório "Empregos para o Clima"

Os autores do relatório sustentam as propostas apresentadas com a urgência de se travar as emissões de gases com efeito de estufa e no risco de se atingir um “ponto sem retorno”, em que os “mecanismos de retroalimentação positiva dominem as dinâmicas do clima da Terra, causando mudanças incontroláveis e galopantes”. Para isso defendem a criação de um Serviço Nacional do Clima, com uma lógica semelhante à do Serviço Nacional de Saúde, e em que “a iniciativa de criar, coordenar e gerir os Empregos para o Clima seja pública”.

O Plano Social para uma Transição Energética Justa, desenvolvido “durante meses com sindicalistas, ativistas e académicos” e apresentado em 2019, indicava 10 medidas que deveriam ser concretizadas em quatro anos:

  1. Requalificar para a transição, promovendo a formação dos trabalhadores de áreas ligadas aos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono;
  2. Criar de uma empresa pública de energias renováveis, para fabrico de componentes, instalação e produção de eletricidade;
  3. Investir nos comboios regionais e internacionais para um aumento significativo da acessibilidade por ferrovia e uma redução no uso do transporte rodoviário e aéreo;
  4. Aumentar a mobilidade ferroviária urbana e suburbana em Lisboa e no Porto para reduzir o transporte individual;
  5. Criar uma empresa pública de transporte rodoviário elétrico, que sirva as zonas onde a ferrovia não é rentável, mas que precisam de reduzir a dependência do transporte individual;
  6. Tornar os edifícios públicos autossuficientes em termos de energia, com painéis solares para eletricidade e aquecimento, e investir no isolamento térmico;
  7. Apostar em ciclos longos de duração dos produtos, penalizando economicamente a venda de bens não duradouros;
  8. Estabelecer a obrigatoriedade de, um dia por semana, todas as cantinas escolares e sociais servirem refeições sem carne, com acompanhamento nutricional e médico;
  9. Redução da semana laboral para quatro dias, 32 horas semanais, em todos os setores, no prazo de três anos;
  10. Diversificar as espécies presentes e garantir que as florestas resistem a um clima mais quente e seco, e aumentar os empregos ligado à floresta.

Com as propostas apresentadas no relatório de 2021, a campanha “Empregos para o Clima” propunha a criação de 200 a 250 mil novos postos de trabalho diretos e a redução de 85% das emissões em 10 anos. Nas manifestações e declarações aos jornalistas, os membros da Climáximo apontam ainda duas metas específicas: eletricidade 100% renovável e acessível até 2025, e acabar com os combustíveis fósseis até 2030.

O que é possível fazer?

Entre as palavras de ordem de grupos como a Climáximo estão: “emergência climática”, “caos climático irreversível” ou “ponto sem retorno”, que outros movimentos contestam como exagerados, nomeadamente quem nega a gravidade das alterações climáticas ou a relação do aquecimento global com as atividades humanas. Francisco Ferreira diz, no entanto, que, “olhando para a informação científica mais recente, o exagero não é grande“.

Claro, admite, que entre aquilo que se conhece e consegue prever e aquilo que vem a ser a realidade, há sempre uma diferença — não há modelos perfeitos, nem infalíveis —, mas o que estamos a assistir é que “a tendência está pior do que o previsto” (com situações mais graves e a acontecerem mais cedo). “Estamos num cenário de incerteza e que pode realmente mostrar consequências maiores do que o que previmos”, diz Francisco Ferreira, que também é professor e investigador na Universidade Nova de Lisboa.

Para o presidente da Zero, associação que também faz parte da campanha “Empregos para o Clima”, o exagero está, por vezes, na capacidade de resposta, naquilo que se pensa que conseguimos alcançar, nomeadamente em termos das emissões. As metas e objetivos podem perder a credibilidade se forem excessivos, irrealistas ou mesmo impossíveis.

Marcelo realça medidas de Portugal e confia que haverá ação pelo clima

Francisco Ferreira dá um exemplo: conseguir uma neutralidade climática ou neutralidade carbónica (quando há um equilíbrio entre as emissões de gases com efeito de estufa e a sua absorção) até 2045 (cinco anos mais cedo), como anunciou Marcelo Rebelo de Sousa na Cimeira da Ambição Climática, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), “já não vai ser fácil”; o ideal seria consegui-lo em 2040, o que “é muito difícil de atingir, mas possível”; impossível será ter 2030 como meta para a neutralidade carbónica. A Climáximo quer reduzir, em 10 anos, as emissões de gases com efeito de estufa em 85%; o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) tem essa meta para 2050 — em 2030, uma redução de 55%.

Outro exemplo é a produção de eletricidade, que se quer 100% de fontes renováveis. Na mesma cimeira, o Presidente da República anunciou que Portugal o conseguiria fazer até 2030, embora o PNEC aponte para 90%. “O que já é muito difícil”, diz Francisco Ferreira. “Os últimos pontos percentuais são absolutamente terríveis do ponto de vista da gestão das renováveis, da rede e do consumo.” Os 100% em 2025 pedidos nas manifestações da Climáximo são, virtualmente, impossíveis. A Zero, por sua vez, pede que em 2030 metade da energia consumida (e não só a eletricidade) seja de origem renovável.

Associação ambientalista quer metade da energia em Portugal renovável em 2030

O presidente da Zero acrescenta que o aumento do número de veículos elétricos, uma maior eletrificação dos edifícios residenciais e a transição da indústria para fontes com menos emissões (nomeadamente a eletricidade) fez com que o consumo de eletricidade aumentasse e isso também torna mais difícil atingir as metas. Francisco Ferreira defende que precisamos de tornar a produção, distribuição e utilização da eletricidade mais eficiente (com menos perdas), além de ainda não termos uma rede elétrica preparada para um futuro 100% renovável.

Além das metas inconcretizáveis, um dos pontos que separa a Zero dos movimentos ambientalistas como a Climáximo, é o papel do setor público. “A Zero não acha que o setor elétrico tenha de ser nacionalizado”, diz Francisco Ferreira. O que o ambientalista defende é que haja mais envolvimento da administração central e local na transição energética e mais apoios para que as pessoas também possam contribuir para essa mudança: “Podia haver um incentivo para as pessoas terem mais painéis fotovoltaicos em casa e que a venda da eletricidade [à rede] fosse mais rentável”.

A produção para autoconsumo tem outra vantagem, aponta: a produção está próxima do consumidor, reduzindo as perdas que acontecem nas redes de distribuição. Alinhando com o relatório da Climáximo, Francisco Ferreira defende que “os edifícios públicos tinham obrigação de estar cheios de painéis fotovoltaicos”, fosse para o autoconsumo ou para alimentar comunidades de energia.

Fim dos jatos privados, menos voos e abolição da construção de novos aeroportos

O que exigem?

O transporte rodoviário (individual, de passageiros ou de mercadorias) continua a ser o setor que mais contribui para a emissão de gases com efeito de estufa. No transporte rodoviário, como na aviação, quanto maior a distância percorrida, maior a quantidade de gases emitidos, e quanto mais pessoas viajarem no mesmo transporte, menor a quantidade de dióxido de carbono (CO2) associada à viagem de cada pessoa. Um avião transporta, geralmente, muito mais pessoas que um autocarro, mas, como é muito mais poluente, a emissão de CO2 associada a cada pessoa também é muito maior.

O problema com a aviação é que os efeitos negativos não são só expressos em termos de libertação de dióxido de carbono, mas também pela emissão de outros gases e por outros efeitos causados pelos efeitos em altitude — que juntos constituem quase metade da contribuição dos voos para o efeito de estufa. Para voos de curta duração, como os voos domésticos, o impacto das emissões é ainda maior do que nos voos de longo curso, o que levou França, por exemplo, a proibir voos domésticos cuja distância pode ser coberta por uma viagem de comboio que dure menos de duas horas e meia.

Com o objetivo de lutar contra a aviação e a favor de meios de transportes mais sustentáveis, a Climáximo é membro da rede internacional “Stay grounded” (“Fique com os pés no chão”) e juntou-se à plataforma de ação “Abolir jatos”, lançada em 2023 com o objetivo de “exigir fim aos jatos privados”.

"Nem 10% da população mundial pisou alguma vez um avião, mas são sobretudo os não-passageiros que suportam o peso da crise climática e os efeitos negativos da expansão dos aeroportos, como a apropriação de terras, o ruído e os problemas de saúde."
Manifesto "Stay grounded"

A organização “Stay grounded” elenca, num manifesto, 13 passos “para transformar os transportes, a sociedade e a economia, para que sejam justos e ambientalmente saudáveis”:

  1. É preciso uma transição justa em que se “substitua as privatizações fracassadas por iniciativas locais amigas do clima, boas condições de trabalho, propriedade pública e responsabilização democrática”;
  2. É necessário uma mudança para outros meios de transporte em curtas e médias distâncias, mas o serviço de comboio, por exemplo, tem de ser “atraente, acessível e alimentado por energia renovável”;
  3. Pede-se uma economia de distâncias curtas, reduzindo o transporte de mercadorias em rotas longas e apostando na produção local;
  4. Deve incentivar-se mudanças de hábitos e modos de vida, com viagens de lazer que não usem aviões e conferências online em vez de presenciais;
  5. Que se salvaguardem direitos de propriedade de terra e direitos humanos, nomeadamente dos povos indígenas, populações locais e mulheres, e que se reduza o ruído resultante da proximidade aos aeroportos;
  6. Pede-se justiça climática para todos, dando prioridade a uma boa vida para todos em vez de lucros para alguns, e que os países mais ricos deem o maior contributo no combate às alterações climáticas;
  7. São necessários compromissos políticos fortes e vinculativos em vez de promessas voluntárias e que as emissões dos voos internacionais façam parte dos esforços nacionais de redução das emissões;
  8. Deve evitar-se a construção de novos aeroportos e a expansão dos já existentes, mas encontrar soluções ecológicas para as comunidades que fiquem sem acesso a transporte aéreo;
  9. Devem cortar-se os privilégios que a indústria da aviação tem em relação a outros meios de transporte;
  10. Deve acabar-se com o marketing da indústria da aviação, nomeadamente os incentivos para viajar mais como os programas de passageiro frequente;
  11. As compensações são uma falsa solução e devem ser evitadas, porque as compensações de carbono não levam à verdadeira redução das emissões de gases com efeito de estufa e as perdas na biodiversidade não podem realmente ser compensadas;
  12. Evitar substituir o querosene (derivado do petróleo) por biocombustíveis, porque não existe uma produção em larga escala que alimente a indústria ou, a existir, significaria um aumento da desflorestação;
  13. A inovação tecnológica por parte da indústria da aviação é desejável, mas continuará a ser insuficiente para resolver o problema das emissões de gases.

O que é possível fazer?

A Zero não está ligada à rede “Stay grounded” ou à plataforma “Abolir jatos”, mas apoia alguns dos princípios para a redução das emissões por parte da indústria da aviação. O que Francisco Ferreira não advoga são as proibições totais. Os jatos privados “são um abuso brutal em termos de emissões”, diz, mas não descarta que possam existir motivos médicos ou de segurança dos chefes de Estado que justifiquem a sua utilização. A sua esperança era que as pessoas que usam jatos particulares deixassem de o fazer quando podem facilmente usar voos comerciais — ou outros meios de transporte.

Voos em jatos privados começam a pagar taxa de carbono de dois euros por passageiro

Em relação aos voos comerciais, que representam 4% das emissões de gases com efeito de estufa na Europa — e a crescer —, há uma solução para diminuir as emissões: reduzir a procura, que pode ser feita de várias formas. A Zero assumiu o compromisso de dar o exemplo e diminuiu o número de viagens de avião feitas pelos colaboradores: fazem reuniões online quando possível, só vão às reuniões mais importantes e sempre que possível viajam de comboio (ou parcialmente de comboio). Numa viagem para Bruxelas, podem optar por ir de avião até Barcelona ou Paris e daí ir de comboio.

A Zero está também a trabalhar com as empresas portuguesas cotadas em bolsa para que desenvolvam políticas internas de redução das emissões relacionadas com os voos. No âmbito do projeto europeu “Viajar Responsavelmente”, cujos resultados do ranking foram conhecidos em 2022, as empresas portuguesas ficaram muito mal classificadas. A Zero reconhece que a posição periférica de Portugal e a falta de ligações ferroviárias satisfatórias são um problema, mas as empresas poderiam procurar viajar menos.

Uma das formas de reduzir drasticamente as emissões era substituir os voos mais frequentes a partir de Lisboa por alternativas de comboio, nomeadamente a ligação para Madrid, que neste momento demora 11 horas de comboio, mas que seria possível fazer em duas horas e meia.

Ligação de comboio Lisboa-Madrid “digna e de qualidade” no fim de 2023, afirma ministra espanhola

Outra forma de reduzir a procura é aumentar os preços: não pelo aumento do lucro das companhias aéreas, mas deixando de subsidiar e taxando as viagens aéreas. Ao contrário dos transportes rodoviários, individuais ou coletivos, onde metade do custo do combustível são impostos, a aviação não paga IVA nem ISP (Impostos Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos) sobre os combustíveis, diz o ambientalista. Além disso, os voos dentro da Europa só pagam 15% da taxa de carbono, mas a União Europeia tem planos para que as emissões de dióxido de carbono sejam integralmente pagas a partir de 2027. “Do ponto de vista social é dramático, porque só os mais ricos vão conseguir viajar de avião”, diz Francisco Ferreira, mas isso só dá mais força para uma aposta na ferrovia.

E se a procura cair, do que nos servirá um novo aeroporto? Francisco Ferreira defende que o aeroporto de Lisboa saia da cidade, porque o impacto na saúde dos habitantes é tremenda, mas aconselha a que o novo aeroporto esteja preparado para uma eventual quebra nos voos no futuro. Na verdade, admite o ambientalista, o ideal seria que o novo aeroporto não aumentasse a capacidade, porque já estamos no limite das emissões e um aeroporto maior vai comprometer as metas de redução das emissões a nível nacional e internacional.

Associação Zero insiste no fim de voos noturnos em Lisboa entre as 0h00 e as 5h00

Sobre outras alternativas para reduzir as emissões, Francisco Ferreira é mais cético, alinhando com a “Stay grounded”. Por um lado, é difícil acabar com as emissões de carbono nos aviões, ou seja, torná-los completamente elétricos, a não ser para pequenas distâncias. Por outro, os combustíveis sustentáveis, como os biocombustíveis, podem não estar disponíveis em quantidade suficiente e com uma sobreexploração da biomassa deixam de ser sustentáveis. Por fim, as alegadas compensações de carbono, em que as empresas se comprometem a plantar árvores por exemplo, não passam de greenwashing (com uma medida alegadamente amiga do ambiente, melhoram a imagem da empresa).

“Como cientista sinto-me impotente. Aquilo que prevíamos era uma evolução mais lenta do que está a acontecer”, desabafa Francisco Ferreira. “Vamos começar a ter impactos de tal maneira grandes que serão os próprios governos a tomar medidas — e não é pelas ações da Climáximo.” Os locais mais quentes vão tornar-se tão quentes que não vão convidar ao turismo e as zonas de gelo estarão mais quentes e impróprias para os desportos de neve, usa como exemplo. O problema, diz o ambientalista, é que, quando os governos começarem a agir, “vamos demorar muito mais tempo a recuperar”.

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