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À boca pequena, todos dizem que Francisco Ramos tem “perfil de ministro”: os colegas dos tempos do IPO, os socialistas de quem ficou próximo nas suas passagens por diferentes governos e até os antigos alunos da Universidade Nova, alguns dos quais se tornaram seus adversários em negociações sectoriais. À boca pequena, dizem também que o lugar de ministro da Saúde, depois de quatro vezes secretário de Estado, seria seu e não de Marta Temido, não fosse o acidente que o deixou temporariamente numa cadeira de rodas. Ele nunca o admitiu. “Sempre me senti bem como ‘ajudante de ministro’”, disse numa entrevista ao Expresso em abril de 2019. “Não tem fundamento que estivesse para ser eu o ministro”, respondeu, com gargalhadas, quando confrontado com essa possibilidade. “Estou catalogado como o eterno secretário de Estado”, contou no ano em que pela quinta vez ocupou essa função num governo PS. Independente, sem cartão de militante socialista, nestas eleições presidenciais de janeiro foi dos que deu a cara pela bloquista Marisa Matias.
Esta semana, depois de 71 dias como responsável pela organização da campanha de vacinação contra a Covid-19, demitiu-se dessa função pública. Não por haver notícias (muitas) de não prioritários a serem vacinados antes da vez, mas por ter detetado, ele próprio, uma dessas situações dentro de casa, no Hospital da Cruz Vermelha, a que preside. Assim o escreveu na nota que enviou à comunicação social. Continuará contudo como presidente daquela unidade hospitalar. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que detém a maioria da sociedade gestora do hospital, não aceitou que Francisco Ramos abandonasse o cargo, apesar de ele ter posto o lugar à disposição.
“Ele já estava fragilizado com algumas das suas declarações e mesmo não podendo ser culpado pela falha dos outros, é o presidente da Cruz Vermelha. Não tinha condições para continuar”, diz um colega próximo. A 16 de dezembro de 2020, três semanas depois de ter sido nomeado coordenador do plano de vacinação, foi eleito presidente do Conselho de Administração daquele hospital, depois da compra pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de 55% do capital. Mas a escolha do seu nome já era conhecida antes de ser público que ia acumular os dois cargos.
“Não merecia sair assim”, considerou Maria de Belém, antiga ministra da Saúde e a primeira governante de quem Francisco Ramos foi o braço direito (1997-1999), durante a governação de António Guterres. Já o seu sucessor na task force para o plano de vacinação, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, considerou a sua decisão “honrada e muito nobre”.
Francisco George, que há várias décadas se cruza profissionalmente com Francisco Ramos e que é atualmente presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (instituição que vendeu a sua posição no hospital à Santa Casa), diz compreender “que a solução teria de ser essa” se o programa de vacinação “não foi regular” no hospital. “Não falei com ele sobre este assunto. Francisco Ramos é uma pessoa de grande integridade, com quem trabalhei sempre e por quem tenho uma estima que considero que é recíproca. E é um dos políticos portugueses que está com inteira integridade nos atos de gestão que pratica”, referiu o antigo diretor geral da Saúde.
“Se algum dia o nome de Francisco Ramos aparecer envolvido num escândalo será uma desilusão pessoal.” É assim também que um dos seus colaboradores mais próximos transmite a ideia de que conhece poucas pessoas tão retas como o antigo governante a nível profissional. Também por isso não estranha que tenha optado por se afastar do plano de vacinação depois de perceber que havia irregularidades na Cruz Vermelha. Mas se é fácil encontrar quem aponte as virtudes do antigo secretário de Estado, e o descreva como um cavalheiro, de trato fácil e de uma grande humildade, também é fácil encontrar quem lhe aponte as falhas e o descreva como rude, arrogante e vaidoso. Por medo de “bajulação” ou de “estar a criticar quem está caído”, a maioria das pessoas contactadas pelo Observador pediram reserva de identidade.
Num ponto, todos os lados concordam: o acidente no Alentejo transformou-o. Para melhor, dizem uns. Para pior, dizem outros.
O acidente em Marvão
No verão de 2018, Francisco Ramos estava em Marvão, na mesma altura em que a vila alentejana, que viu nascer os seus pais, recebia o Festival Internacional de Música. As composições de Beethoven para quarteto de cordas enchiam as tardes na igreja de Nossa Senhora da Estrela, enquanto as noites, na Igreja do Espírito Santo, eram para ouvir as suítes para violoncelo de Bach. Acompanhado da mulher, de quem tem uma filha, saía de um desses concertos, no castelo da vila. Com o telemóvel na mão, pôs o pé em falso no piso empedrado e escorregou, não conseguindo evitar a queda e a forte pancada. “Pressentiu logo que tinha feito asneira, como nos chegou a contar, e não se conseguia mexer”, lembra um profissional do IPO de Lisboa.
“Ainda tenho na memória o som da minha testa a bater numa pedra mais saliente. Não protegi a cabeça, provavelmente porque tinha as mãos ocupadas com o telemóvel”, recordou numa entrevista ao Expresso. “Ao fim de alguns segundos disse à minha mulher: Paula, chama o 112 porque isto é sério e estou muito mal. O meu corpo desapareceu.”
À beira de Espanha, numa vila com menos de 500 habitantes, foi um médico com sotaque castelhano o primeiro a assisti-lo. Os bombeiros, que já se encontravam no local por causa do espetáculo, pouco puderam fazer para além de esperarem pela VMER, a Viatura Médica de Emergência e Reanimação que a bordo trazia o médico espanhol, funcionário do Serviço Nacional de Saúde, na unidade do Marvão.
O traumatismo cranioencefálico e a lesão medular, fraturou as vértebras C3 a C7, ditaram que fosse transportado para Lisboa, para o Hospital de Santa Maria, onde passou 15 dias internado. A sua condição não permitia que seguisse para a capital do país ao sabor da trepidação da estrada, 200 quilómetros dela, e a viagem foi feita num helicóptero, obrigado a aterrar de improviso no campo de futebol de Portalegre, com os jipes da GNR a iluminarem o caminho.
Já de madrugada, foi operado pela equipa que fazia urgência na neurocirurgia. “Teve muita sorte com o cirurgião que lhe calhou. As lesões podiam tê-lo deixado tetraplégico e acabou por conseguir recuperar completamente, com muita fisioterapia”, conta o mesmo colega. “No meio do azar, teve muita sorte. A queda podia ter-lhe custado a vida.”
Apesar disso, Francisco Ramos contou na mesma entrevista ao Expresso que o seu foco foi sempre no momento da melhoria. Três horas depois da queda, e perante a insistência e as muitas picadas do médico espanhol que testava a sua sensibilidade, sentiu de novo as pernas. “Picava-me, apertava-me, tentou tudo para que o meu corpo reagisse.”
O acidente não o afastou de Marvão, onde tem uma casa, herança de família, totalmente sua depois de comprar a parte dos restantes herdeiros, mas que ainda aguarda a reabilitação final para receber os amigos mais próximos numa jantarada prometida para uma noite de calor.
Esse era um dos projetos que o levava à terra da família, para além do festival, naquele verão de 2018. Em julho do ano seguinte, à beira do primeiro aniversário da queda, dizia numa entrevista que se preparava para voltar ao Alto Alentejo. “Faz um ano na segunda-feira [22 de julho] e vou voltar ao local onde caí, ao local do crime, ao Festival de Música Internacional de Marvão, é belíssimo e recomendo”, contava Francisco Ramos ao semanário Sol, na altura entrevistado já na condição de secretário de Estado da Saúde.
A passagem pelo IPO
Na altura da queda em Marvão, Francisco Ramos era presidente do conselho de administração do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa Francisco Gentil, cargo que ocupava há seis anos, desde 2012. Os vários colegas com quem o Observador falou guardam dele a imagem de um homem frontal, pragmático, que deixa saudades e obra feita no hospital.
“O IPO foi o sítio onde Francisco Ramos pôde colocar a teoria em prática. Ele vinha da academia, da Escola Nacional de Saúde Pública, do Governo, já tinha sido secretário de Estado quatro vezes, e a impressão que passava era de que tinha muito gosto em estar aqui”, conta José Venâncio, diretor do serviço de Radiologia há 11 anos, com 35 anos de serviço no instituto. “Trabalhar com ele foi uma experiência agradável. Foi um dos presidentes de conselho de administração mais acessível que por aqui passou. Pragmático, não gosta de perder tempo, e tenta resolver os problemas a contento de todos.”
Embora entre os colegas do IPO se diga que Francisco Ramos tem “perfil de ministro” e que, mais cedo ou mais tarde chegará a essa posição, dizem também que desde o início, embora fosse esperado que o peso da bagagem governativa o puxasse de novo para a vida política, não o sentiam como estando de passagem.
“Vindo da política nunca dirá que não à política, mas estava aqui de pedra e cal. Não fazia projetos de curto prazo, nem tomava decisões para uma semana. Muitos dos projetos que lançou, continuam”, argumenta o médico radiologista José Venâncio.
Outra colega enumera as obras feitas e que “não se limitaram à cosmética”. As enfermarias gigantes foram transformadas em quartos mais pequenos de duas ou três camas, todos com casa de banho. O departamento de radioterapia passou a ter sete aceleradores lineares, em vez de um, permitindo que os doentes fizessem os tratamentos no IPO, sem necessidade de serem transferidos. As instalações do bloco operatório foram requalificadas e foram levadas a cabo duras negociações com a indústria farmacêutica por causa do preço dos medicamentos. “O IPO gasta um milhão de euros por semana em medicamentos. E ele tentou sempre baixar os valores”, conta uma das suas colegas mais próximas. Essa luta entre Francisco Ramos e as farmácias é longa e não deixou saudades entre quem trabalha no setor farmacêutico — mas já lá chegaremos.
A reabilitação em Alcoitão
Carlos Silva é motorista no IPO há 20 anos e uma das suas tarefas é transportar as enfermeiras que fazem visitas domiciliárias. Francisco Ramos foi seu passageiro diversas vezes enquanto presidia o instituto. “Nunca fui motorista dele, mas sou também o condutor do conselho de administração. Andei muito com o doutor, de norte a sul do país, e acompanhei de perto a reabilitação”, conta Carlos Silva. Durante os dois meses que Francisco Ramos passou em Alcoitão, foram várias as vezes que o foi buscar e levar ao concelho de Cascais para assistir a reuniões do conselho de administração.
Enquanto partilhavam o carro, as conversas fluíam desde que o então presidente não estivesse absorvido em conversas telefónicas. “Ele é uma pessoa muito, muito, muito ocupada, mas quando podíamos conversar não havia tabus. Apesar de ser uma pessoa reservada, fala abertamente das coisas profissionais e respeita toda a gente, desde a pessoa que faz as limpezas até ao cirurgião”, conta o motorista, que soube pelo próprio, em véspera do anúncio oficial, que ia voltar ao Governo.
“Disse-me que ia voltar àquilo que sempre gostou de fazer. O que o doutor gosta é de gerir estas questões complicadas”, refere Carlos Silva, que o recorda também como um sportinguista, ferrenho q.b., que aproveitava a hora de almoço para fazer exercício. Depois do acidente, lembra-se bem do primeiro dia em que voltou a cruzar-se com o presidente do instituto. “Ele não se deixou ir abaixo, mesmo com as pernas a arrastar, ele queria ir às reuniões. A primeira vez que o fui buscar, mal o conheci por causa do andar, mas a força era muito grande e não desistia”, recorda o trabalhador do IPO.
Os tabus não existiam também na hora de conversar sobre o que se passava dentro das paredes do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, em Cascais, e foi também o próprio que contou a Carlos Silva como teve de reaprender a usar talheres, a apertar botões ou a calçar sapatos.
“Mesmo na cadeira de rodas, vi-lhe sempre um sorriso enorme na cara. A forma como lidou com o acidente mostra bem a sua resiliência”, diz uma colega do IPO, que acredita que foi em Alcoitão que Francisco Ramos acabou por perceber, “de uma maneira severa, que a fisioterapia é o parente pobre do SNS”. “O acidente trouxe-lhe a visão do pormenor, do que é o Serviço Nacional de Saúde para quem a ele recorre, e mostrou-lhe o lado humano do tratamento aos doentes. Ali, não era o Dr. Francisco, era o Sr. Francisco, como qualquer outro doente”, acrescenta a mesma colega.
Francisco Ramos diria na altura, e repetiu mais tarde em várias entrevistas, que o acidente o tornou mais sensível a pequenas necessidades. “O meu comentário na altura foi que ia deixar de ter condições de gerir o IPO porque levaria a situação financeira ao vermelho muito rapidamente, não teria coragem de dizer que não a qualquer solicitação de uma enfermeira, de um doente. Mas é isso, passei a estar muito sensível às pequenas coisas, a cadeira ligeiramente partida, a mesa manca, o duche que funciona ou não funciona. Um duche quando uma pessoa está internada é tão importante e é uma coisa tão barata”, disse numa entrevista ao Sol em 2019.
A experiência governativa
Se os anos de IPO são de boa memória, os anos de governo não o serão, pelo menos para os seus adversários políticos. Francisco Ramos terá outra perspetiva. Em 2019, nessa entrevista ao Expresso, quando questionado sobre qual o ministro com quem mais tinha gostado de trabalhar foi claro e nomeou aquele que muitos dizem ser o seu mentor: “O professor Correia de Campos é meu amigo há mais de 30 anos e o trabalho que desenvolvemos entre 2005 e 2008 foi muito relevante. Ainda hoje o recordo como o melhor período de toda a minha vida profissional.”
Lembrança diferente guarda quem trabalha na indústria farmacêutica. “O maior ataque algum dia feito contra as farmácias foi feito pelo dr. Francisco Ramos”, diz uma fonte do setor, referindo-se às alterações feitas à política do medicamento pelo então secretário de Estado. Medidas como a redução de 30% do preço dos genéricos (2008) ou o acordo sobre o limite do crescimento da despesa do Estado em medicamentos (2006) foram sempre mal recebidas pela indústria. Em 2018, já como presidente do IPO, Francisco Ramos acusava as farmacêuticas de testarem “os limites das autoridades públicas em termos de disponibilidade de dinheiro para a saúde”, beneficiando da atitude passiva do Estado.
No final de 2020, já como responsável pelo plano de vacinação contra a Covid, acusou a Associação Nacional de Farmácias (ANF) pelo insucesso da vacinação contra a gripe sazonal e queixou-se de não ter um interlocutor válido com quem pudesse discutir o papel das farmácias no processo de vacinação contra o coronavírus.
Apesar disso, a mesma fonte do setor farmacêutico considera que Francisco Ramos é uma pessoa respeitada enquanto negociador, “apesar de um feitio algo rude e arrogante”.
Contactado pelo Observador, João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA, Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica, refere-se ao antigo secretário de Estado como um interlocutor duro, com um grande domínio dos temas que discutia e que procurava o compromisso, vendo-o como “um defensor convicto do serviço público de saúde e um verdadeiro especialista” em políticas de saúde. “Durante os muitos anos de exercício de tarefas públicas, conhecemos um negociador duro, em resultado do conhecimento profundo dos dossiers e da sua ação na defesa do interesse público, mas que sempre soube preservar as vias de diálogo e de compromisso”, descreveu Almeida Lopes, em mensagem escrita enviada ao nosso jornal.
Se foi o seu preferido, Correia de Campos não foi, no entanto, o primeiro ministro com quem Francisco Ramos trabalhou. Em 1997, no primeiro governo de Guterres, estreou-se no cargo ao lado de Maria de Belém, então titular da pasta da Saúde. Com Correia de Campos (2001-2002 e 2005-2008) voltou ao mesmo cargo durante o segundo governo de Guterres e o primeiro de José Sócrates. Quando Ana Jorge se tornou ministra, manteve-se no Ministério da Saúde por mais um ano (2008-2009). Regressaria na década seguinte, em 2018, para o primeiro governo de António Costa e o primeiro mandato de Marta Temido. Não voltaria no segundo.
Se na primeira década dos anos 2000 a sua relação mais azeda foi com as farmácias, no mais recente regresso à governação foi com os enfermeiros que as relações se complicaram. Em 2019, quando a greve cirúrgica dos enfermeiros levou os profissionais a afastarem-se dos blocos operatórios, obrigando a adiar milhares de cirurgias, o Governo cortou relações com a Ordem. Francisco Ramos foi a cara do anunciado corte que do outro lado tinha a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, favorável ao protesto.
O secretário de Estado acusou a bastonária de ter “extravasado as atribuições” por ter apoiado publicamente a greve, porém, o gabinete de Marta Temido viria a clarificar que o corte de relações apenas vinculava Francisco Ramos.
Ana Rita Cavaco não quis prestar declarações, mas fonte da Ordem dos Enfermeiros diz que há “um antes e um depois” do acidente em Marvão e que isso se tornou visível na relação institucional. “Nunca mais foi a mesma pessoa, está mais arrogante e diz coisas que no passado não diria, como quando falou dos batoteiros das vacinas ou do eleitorado do Chega. Apesar de sempre ter sido rude, não diria estes disparates. Parece que perdeu o filtro social”, diz a mesma fonte.
As duas referências são sobre declarações prestadas à SIC onde, durante uma entrevista, Francisco Ramos voltou a classificar como “lamentáveis” as situações em que não foram respeitadas as regras do plano de vacinação, mas defendendo que o “sistema está montado para vacinar as pessoas, não para procurar os batoteiros”, remetendo essa responsabilidade para a Inspeção Geral das Atividades em Saúde e para as auditorias que foram pedidas.
Sobre a hipótese de não dar a segunda dose da vacina a quem transgrediu, respondeu então não caber à estrutura que então dirigia “infligir castigos nessa matéria” e acrescentou “essa pergunta explica um pouco aqueles 11% ou 12% nas eleições presidenciais do passado domingo [resultado do candidato apoiado pelo Chega], um espírito vingativo que não me parece que seja muito bom para uma sociedade solidária como a nossa”.
Depois de azedar relações com farmacêuticos e enfermeiros, também as decisões tomadas recentemente, enquanto coordenador do plano de vacinação, foram alvo de críticas das estruturas representativas dos médicos, cujos representantes preferem não se alongar sobre Francisco Ramos.
“Como negociador empata as coisas. Sobre a vacinação, teve muita dificuldade em tomar decisões e em cumprir as determinações e as regras definidas a nível internacional”, disse Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. Já Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), igualmente lacónico, refere que “apesar de ser uma pessoa com muita experiência, incompreensivelmente, apagou-se da última vez que foi secretário de Estado”.
Onde Francisco Ramos nunca se apagou foi na sala de aulas. Ali, recorda uma antiga aluna da Escola Nacional de Saúde Pública, o professor — contratado como assistente em 1987 e hoje professor associado convidado — dominava o palco. “As aulas eram dadas com aquele tom de voz inconfundível, sempre muito calmo”, conta. Para além disso, as aulas de Economia de Saúde primavam pela clareza e, já naquela altura, estava sempre pronto para ouvir os alunos. As passagens pelo Governo não passavam despercebidas: “Dizíamos que ele tinha outros voos. Ainda hoje acho que um dia será ministro.”
Nascido em casa, na freguesia de Santa Engrácia, a 3 de dezembro de 1956, calhou a Francisco Ramos ser lisboeta, e não natural de Marvão, porque a mãe e o pai, PSP de carreira, trocaram a terra natal pela capital do país. Por coincidência, em 2020, foi no seu dia de anos que apresentou no Infarmed a versão preliminar do Plano de Vacinação.
Cresceu na cidade e foi em Lisboa, em 1978, que se licenciou em Economia no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Foi na capital que a sua carreira se desenrolou, embora o seu trabalho como consultor da Organização Mundial da Saúde, do Banco Mundial e da Comissão Europeia o tenham levado para fora de Portugal, com missões realizadas na Estónia, na Geórgia, no Brasil, em Moçambique, em Angola, em Macau e na Palestina.
Apesar de ser o “eterno secretário de Estado”, a prática ganha em várias tomadas de posse não impediu uma gaffe na mais recente. Quando, a 17 de outubro de 2018, o Presidente da República deu posse a dez novos secretários de Estado e reconduziu outros cinco, Francisco Ramos começou a assinar antes de ler o auto de posse. A situação quase passou despercebida, não fossem os sorrisos de Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, e de Marcelo Rebelo de Sousa.