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João Galamba cometeu injúria na CPI?
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João Galamba cometeu injúria na CPI?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

João Galamba cometeu injúria na CPI?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Galamba pode enfrentar queixa-crime no MP mesmo que PS chumbe envio de ata da CPI. Falsas declarações dão pena de prisão

PSD quer que MP verifique se Galamba incumpriu a lei e já agiu nesse sentido. Especialistas alertam que quem mente numa CPI pode incorrer nos crimes de falso depoimento ou desobediência qualificada.

António Mendonça Mendes expôs no Parlamento uma contradição com João Galamba que, a confirmar-se, significa que o ministro mentiu numa comissão de inquérito — o que alarga a responsabilidade política para o campo da responsabilidade criminal. O PSD já pediu que a Comissão de Inquérito à gestão da TAP envie a ata ao Ministério Público, num requerimento que será votado na próxima quarta-feira, 14. Especialistas contactados pelo Observador explicam que mentir numa comissão de inquérito pode levar a um crime por falsas declarações, cuja pena vai de 6 meses a 3 anos de prisão, com multa não inferior a 60 dias, ou de desobediência qualificada, punível até dois anos de prisão ou 240 dias de multa.

Numa altura em que, nas comissões de inquérito, a frase mais repetida é “não sou jurista”, o Observador ouviu especialistas sobre o assunto: afinal, o que pode acontecer a quem mentir numa comissão de inquérito? O advogado Sérgio Mota — coautor do artigo “As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI´s): Poderes de investigação, reserva de juiz e direitos fundamentais” —  explica ao Observador que, à partida, o crime que pode estar em causa é o de “falsas declarações”.

Sérgio Costa acrescenta, no entanto, que no Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares o crime que está expressamente previsto é “a desobediência qualificada”, que existe para três situações “a falta de comparência, a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito”. O especialista diz que, numa interpretação lata, pode ser considerado que, ao mentir, o depoente “desobedeceu à ordem de falar a verdade, incorrendo, nesse caso, num crime de desobediência qualificada, cuja pena é até 2 anos de prisão ou 240 dias de multa.”

No início das audições da Comissão de Inquérito à Gestão da TAP têm sido lidos os direitos e deveres do inquirido e o presidente tem repetido precisamente aos inquiridos precisamente possibilidade de incorrerem nestes dois crimes:

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O depoente deve cumprir as ordens legítimas da comissão de inquérito, nomeadamente quanto à forma como o depoimento deve ser prestado, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada.
(…)
O depoente deve responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas sob pena de incorrer no crime de falso testemunho, artigo 360º do Código Penal.”

Para os especialistas é claro que quem mente numa comissão de inquérito comete um crime, a dúvida é qual o crime em que incorre ao mentir. O especialista em Direito Penal Paulo Saragoça da Matta diz ao Observador que o que está na lei é “um crime de desobediência qualificada”, mas na sua opinião há um “concurso penal” com “o crime de falsas declarações”.

Ao mentir na CPI, o inquirido não comete perjúrio -- porque não fez juramento --, mas viola um bem jurídico e comete um "crime de falsas declarações". É aí que entra o artigo 360º, referido por António Lacerda Sales, e que estabelece que quem prestar depoimento falso "é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias."
Saragoça da Matta, especialista em Direito Penal

À partida, explica, o mais óbvio seria estar em causa um crime de desobediência qualificada, mas o advogado explica que o bem jurídico protegido pelo crime de desobediência está mais virado para o facere ou non facere. Ou seja: “Para o fazer ou não fazer, para quem se recusa a prestar declarações”. Neste caso, explica Saragoça da Matta, pode considerar-se que o crime de desobediência “não protege verdadeiramente a veracidade das declarações”.

O jurista explica ao Observador que, ao mentir na CPI, o inquirido não comete perjúrio — porque não fez juramento –, mas viola um bem jurídico e comete um “crime de falsas declarações”. É aí que entra o artigo 360º, referido por António Lacerda Sales, e que estabelece que quem prestar depoimento falso “é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.”

[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “Piratinha do Ar”. É a história do adolescente de 16 anos que em 1980 desviou um avião da TAP. E aqui tem o primeiro e o segundo episódios]

Caso se comprove que João Galamba mentiu nas declarações que prestou na comissão parlamentar de inquérito seria num destes dois crimes que podia responder. O PSD já está em campo para tentar que o ministro das Infraestruturas responda na justiça.

Como Mendonça Mendes desmentiu Galamba sem “adjetivar”

PSD quer que MP analise queixa-crime contra Galamba

O PSD quer o Ministério Público a analisar as eventuais falsas declarações de João Galamba, como noticiou o Observador e o partido acabaria por confirmar no arranque da reunião desta quarta-feira da Comissão Parlamentar de Inquérito. No entanto, os sociais-democratas entendem que a queixa contra Galamba não deve partir do PSD, mas da própria comissão de inquérito onde foram prestadas as “falsas declarações” e apresentaram um requerimento para que o presidente da CPI à gestão da TAP, António Lacerda Sales, remeta a documentação (com as, alega o PSD, “declarações falsas” de Galamba) ao Ministério Público para que este avalie a eventual matéria criminal contra o ministro .

“Ontem [terça-feira] ouvimos com atenção as declarações do secretário de Estado Mendonça Mendes sobre o SIS e a problemática envolvente. Já tínhamos ouvido o primeiro-ministro e recordamos intervenção de João Galamba nesta CPI sobre esta matéria. Há uma questão evidente: as três versões não coincidem”, declarou o deputado Paulo Moniz, coordenador do PSD na comissão.

O coordenador dos deputados sociais-democratas diz que a bancada do PSD identificou assim “uma discrepância grosseira entre o relatado na CPI por João Galamba, o primeiro-ministro e Mendonça Mendes e, porque pode ter havido falsas declarações e isso configurar um crime, vamos dar entrada com um requerimento a pedir a extração da ata da audição do ministro João Galamba e remeter ao Ministério Público para avaliar se há lugar a aprofundar a eventualidade de um crime de prestação de falsas declarações na CPI”.

"Vamos dar entrada com um requerimento a pedir a extração da ata da audição do ministro João Galamba e remeter ao Ministério Público para avaliar se há lugar a aprofundar a eventualidade de um crime de prestação de falsas declarações na CPI”
Paulo Moniz, coordenador do PSD na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP

O requerimento pode ainda ser travado pelo Partido Socialista, que tem a maioria de deputados na Comissão de Inquérito. A votação do requerimento só será feita, no entanto, na reunião da próxima quarta-feira. Mesmo que seja travado este requerimento, a queixa pode ser enviada ao Ministério Público a outro título. No passado, já houve partidos a ameaçar fazê-lo de forma direta.

Nunca houve condenação por falso depoimento na CPI

Já houve processos remetidos ao Ministério Público por as comissões eventuais considerarem que o inquirido não tinha cumprido os deveres para com a comissão de inquérito, mas ou foram arquivados ou cairam ainda em fase de inquérito. O Observador falou com um decano parlamentar do PS que diz que “não há memória de ter havido sequer alguém julgado por prestar falsas declarações na comissão de inquérito”. A mesma fonte socialista mostra-se ainda contra o envio de atas para o Ministério Público, destacando que “o que sempre se fez foi enviar as conclusões para o MP no caso de haver dúvidas quanto à legalidade de alguma situação.”

Ao longo da história das comissões de inquérito já houve vários casos em que os inquiridos, incluindo ministros, foram acusados de mentir. Em fevereiro de 2017, o CDS chegou a ameaçar fazer avançar com uma participação criminal contra Mário Centeno junto do Ministério Público por ter mentido numa comissão de inquérito. Foi uma espécie de ultimato do líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, que na altura disse ao Jornal Económico: “O senhor ministro tem a oportunidade de se retratar. Se não o fizer, nada está excluído, o que não afasta uma participação-crime”.

Mais de seis anos depois, Nuno Magalhães confessa ao Observador que a queixa nunca avançou e que o objetivo era mais evidenciar a mentira e sinalizar a gravidade de a ter feito em sede de comissão parlamentar de inquérito. Em causa, na altura, estava o facto do então ministro das Finanças ter dito — na comissão de inquérito à CGD — que não discutiu com António Domingues a questão da entrega de declarações de rendimentos, quando havia emails trocados entre ambos que alegadamente o confirmavam.

A sucessora de Mário Centeno, a antiga ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, também foi acusada pelo então líder parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, de construir uma “monumental mentira” em relação aos swaps, na comissão de inquérito criada para o efeito

Antes disso, na comissão de inquérito ao Banif o PSD já tinha acusado Mário Centeno de falso depoimento. Na altura, o ministro das Finanças foi chamado à comissão de inquérito ao Banif e foi questionado expressamente sobre se tinha feito alguma diligência junto das entidades europeias no sentido de ajudar a promover ou desbloquear a proposta de compra do Santander para o Banif. A pergunta foi feita várias vezes pelo deputado do PSD, Miguel Morgado. Centeno disse sempre que não. Semanas depois, o PSD exibiu um mail de Daniéle Nouy, diretora do conselho de supervisão do Banco Central Europeu, que revelava conversas entre Mário Centeno e Vítor Constâncio, em que os dois lhe pediam para desbloquear junto da direção europeia da concorrência a proposta do Santander para o Banif.

Na sequência dessa troca de emails, o PSD acusou o ministro de falso depoimento, o que poderia configurar um crime, apesar de não ter chegado a pedir a sua demissão. Mário Centeno voltou à comissão de inquérito para esclarecer o tema — e disse que os apelos feitos por telefone foram já na fase de resolução, quando o Santander era o único candidato à compra, e no fim de semana em que o Banif tinha de ficar resolvido. E ainda se mostrou ofendido pela acusação de ter mentido: “Não aceito que me imputem falsidades com a leitura parcial de documentos.”

A sucessora de Mário Centeno, a antiga ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, também foi acusada pelo então líder parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, de construir uma “monumental mentira” em relação aos swaps, na comissão de inquérito criada para o efeito.

“Mentiras, falsos depoimentos e quebras da verdade” dos ministros das Finanças nas comissões de inquérito

Uma condenação ou sequer julgamento de um ministro por mentir numa comissão de inquérito é algo de que não há memória.

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