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André Maia/Observador

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"Ganharmos no Euro seria como ganhar parte da guerra". É possível festejar e batalhar na Ucrânia?

Na primeira competição de futebol desde a guerra, a Ucrânia joga por mais do que meros três pontos no Euro 2024. É a alma de um povo que está em xeque. "Para nós, significaria tudo ganhar um só jogo".

Um certo dia, o treinador italiano Arrigo Sacchi disse, provavelmente, a frase mais definidora da história deste desporto que envolve colocar uma bola num espaço delimitado por uns ferros e uma rede. Disse ele: “O futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes”. A frase deixa o jogo na insignificância que ele merece, mas ao mesmo tempo deixa a porta aberta para essa insignificância ser muito significativa. Afinal, quais são “as coisas menos importantes?”. E as minhas são as mesmas dos outros? E onde entram as “coisas menos importantes” durante uma guerra?

A Ucrânia luta no seu país há mais de 850 dias. Quando a guerra começou, percebemos quais as coisas que entravam na gaveta de Arrigo Sacchi. A liga de futebol da Ucrânia esteve parada durante seis meses e a Seleção Nacional não voltou a jogar em casa. Andaram com a casa às costas, enquanto que na verdadeira os homens entre os 25 e os 60 anos de idade ficaram presos a lutar. Quem grita então pela Ucrânia neste Euro 2024? Antes do jogo frente à Eslováquia, falámos com quem mostrou que Arrigo Sacchi não tinha razão. O futebol não é a coisa mais importante das coisas menos importantes. É mesmo uma das mais importantes.

Dmytro e Boris apanharam a molha da sua vida, mas não estavam preocupados. Só a Ucrânia interessava

André Maia/Observador

“Temos de mostrar que somos um país com alma”

No dia 21 de junho, chovia a potes em Düsseldorf, talvez como ainda não tinha chovido até aqui no Euro 2024. Com os acessos ao estádio a obrigarem também a grandes caminhadas, muitos dos adeptos — e dos jornalistas — entraram no recinto completamente encharcados. Dmytro e Boris foram dois desses exemplos. Quando falámos com eles, até pingavam. E esperavam também que do jogo pingasse qualquer coisinha: “Estamos esperançosos de fazer um bom resultado, até porque a equipa está em muito boa forma e com vontade”, diz Dmytro, enquanto o amigo acenava com a cabeça a tudo.

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Mas é assim tão importante vencer? Ou aqui impera a doutrina dos escalões de formação, em que o importante é participar? “O mais importante não é ganhar, obviamente. É representar o nosso país. Ainda por cima com tantos adeptos fiéis a apoiar, o que é muito importante. E posso dizer que sinto muito o apoio até de pessoas de outros países, o que é arrepiante”. Dmytro é da Ucrânia, mas, de certa forma, também é uma das pessoas “de outros países”. Está a estudar na Alemanha desde antes de a guerra ter começado, mas continua em contacto com os familiares e amigos.

A guerra “parou” devido ao futebol: como os ucranianos viram a estreia da seleção no Europeu

A distância dói, mas também por ela é mais importante vencer neste Campeonato da Europa: “Obviamente que estar aqui significa muito para nós. Muitas pessoas estão a sofrer no nosso país e por isso espero que os nossos jogadores estejam dispostos a demonstrar o que valemos. Eles têm de mostrar que somos um país forte e que temos alma”. Com uma reviravolta, não terá havido melhor forma para mostrar isso.

Yegor, com a bandeira que tinha às costas

André Maia/Observador

“Se ganharmos, meu Deus. É como se ganhássemos parte da guerra”

Se Dmytro não mudaria uma vírgula na frase de Sacchi e, apesar da importância, admite que ganhar não entra no ranking das coisas importantes, o mesmo não diz Yegor. Para ele, a Ucrânia estar no Euro é bom, mas ganhar — seja lá o que isso for — é imperativo. “Uma vitória pode ajudar os soldados. O meu pai está no campo de batalha lá na Ucrânia. Ele diz-me que todos os soldados estão ansiosos por ver a equipa jogar, que estão a apoiar os jogadores e que têm visto todos os jogos. É uma forma de não pensarem na guerra durante 90 minutos. Durante uns momentos, eles são só adeptos de futebol”, explica.

E nesse sentido a crença é grande. Tão grande que admite que pode sair desiludido: “Se perdemos vai ser duro, a sensação não vai ser boa”. Porém, há uma vitória que já está conquistada. “Estar no estádio, de lágrimas nos olhos, a apoiar o teu país. Nada mais importa. É uma sensação inacreditável, sentimo-nos em casa”. Mas, e como perguntou Rúben Amorim, e se corre bem? “Se ganharmos… meu Deus. Se ganharmos é como se ganhássemos parte da guerra, era como se déssemos mais um passo rumo à vitória”, conta emocionado.

Yegor leva nas costas a bandeira da Ucrânia e a força de um povo. Um povo que garante que está unido. “Nós estamos unidos. Estamos mais unidos do que nunca. E estamos com um sentimento de vitória que ninguém entende. Se ouvirem o nosso hino, ouvem que vamos dar o nosso corpo e a nossa alma pela liberdade do nosso país. É precisamente isso que queremos mostrar neste Euro”.

E essa união e uma vitória futebolística? Podem ser uma mensagem para Vladimir Putin? Yegor é assertivo: não. “O apoio militar e económico dos países pode ser uma mensagem. O futebol não. Eles estão-se a f… para as crianças que matam e que violam, muito menos para o futebol”.

A dupla de Anastasias, quando a chuva já tinha acalmado em Düsseldorf

André Maia/Observador

“Em 2028 voltaremos e como país livre”

De tranças postas e cara pintada, duas ucranianas olham para o estádio Esprit Arena, em Düsseldorf. Se a dupla já parecia tirada dos desenhos animados, mais pareceu quando soubemos os nomes. “Anastasia” e “Anastasia”. O mesmo nome e a mesma crença: “É muito importante estarmos aqui e vencermos. Pode significar muito para os homens e mulheres que estão na guerra. Vencer no Euro pode ser muito importante”, diz a primeira.

A segunda completa com um ponto de igual importância. A mini-Ucrânia que se criou neste Campeonato da Europa, potenciada por uma comunidade de mais de 1,2 milhões de pessoas na Alemanha, a maioria refugiados da guerra. Anastasia, a segunda, tem essa presença como prioridade. “É muito importante podermos estar juntos numa altura destas. Infelizmente tem sido raro juntarmos tantas pessoas do nosso povo, principalmente aqueles que amamos. Mas olhem para isto! Isto está cheio de ucranianos, é muito bom”, diz Anastasia, a segunda, de lágrimas nos olhos.

Escoceses, Ucranianos e Polacos juntos. O espelho do espírito do Euro 2024 (e do que deve ser o futebol)

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E essas lágrimas também vêm da saudade. A mesma Anastasia, a estudar fora da Ucrânia, conta quem deixou por lá: “Conheço muitas pessoas que estão na guerra. É muito triste e a minha família tem sentido isso. Os meus avós estão na Ucrânia e dizem que a situação é muito má e que está pior do que no início”, explica.

Um sofrimento que, prevê a primeira Anastasia, vai acabar mais cedo do que tarde: “Acredito que no Euro 2028 já jogaremos como um país livre. Não está nas nossas mãos, está nas mãos de muitos políticos. Mas acredito muito firmemente que daqui a quatro anos estaremos de novo no Euro e desta vez sem guerra”.

Anya entrou mesmo em cima do apito inicial e não teve medo de defender um lado mais político no apoio à equipa

André Maia/Observador

“Para nós, significaria tudo ganhar um só jogo”

Anya não tem medo de deixar a mensagem que quer deixar. Enquanto que o comum adepto ucraniano se veste de azul e amarelo da cabeça aos pés, levando com orgulho as cores do país, a mulher ucraniana está de negro. De luto e de protesto. Na camisola lê-se “Free Azovstal Defenders”, “Libertem os defensores de Azovstal”. Falamos da brigada Azov, que ainda terá cerca de 1500 soldados capturados e em cativeiro pelos russos. Anya pede a sua libertação como quem grita um golo. E não tem medo de pedir mais ao ocidente: “Os países têm tentado ajudar, mas eles não sentem o suficiente esta guerra. Eles não estão em guerra, vivem o seu dia-a-dia normal. Isso é um problema. Se as pessoas viessem à Ucrânia, iriam perceber. Eu estive lá há uns meses e foi tão mau. Até crianças vi com armas, de farda. É terrível. O meu irmão mais novo vai para lá, por exemplo”.

E lá já está também o seu pai. Anya diz que não sabe ao certo onde está a batalhar e que nunca o saberá: é confidencial e o próprio pai não lhe pode dizer. Já não o vê há mais de três anos e só voltou ao país durante umas curtas férias. Saiu antes da guerra começar. Apesar de estar longe, sabe as dores que precisam de ser curadas. “Nós precisamos do apoio de todos. Qualquer apoio, ajuda, informação que possa ajudar a Ucrânia, é bem-vinda! Nós precisamos de mais soldados, armamento, precisamos de toda a ajuda”, explica.

Mas e o futebol, pode ajudar? Só a alimentar o espírito, diz. Para Anya, o Euro 2024 só vai servir como inspiração. Mas essa também vale e também importante: “Nós queremos ganhar na guerra e no relvado. Para nós significaria tudo ganhar. Temos de sobreviver, de viver. Por isso só há uma solução: ganhar”. Não sabemos em qual dos terrenos é mais provável haver uma vitória ucraniana. No Campeonato da Europa, já se ganhou um jogo, frente à Eslováquia. Yaremchuk, um dia emocionado pelo aplauso sentido na Luz, depois do início da guerra, foi o herói improvável da histórica vitória. E numa altura destas, é precisamente de heróis que precisa a Ucrânia. Há 26 que estão à espera desse título.

 
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