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O carro onde seguia o ministro da Administração  Interna, Eduardo Cabrita, estacionado no A6 no seguimento de um acidente que envolveu uma vitima mortal por atropelamento, Évora, 18 de junho de 2021. PAULO CUNHA /LUSA
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Paulo Cunha/LUSA

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GNR pediu perícia a engenheiros do Minho, depois de BMW não conseguir apurar velocidade. Cálculos de militares apontavam para 145 km/h

GNR contactou diretamente engenheiros para saber se eles conseguiam apurar aquilo que a BMW não conseguiu: a velocidade a que seguia o carro do MAI. Perícia não foi totalmente acolhida pelo MP.

Sem uma conclusão por parte da BMW e sem saber a que velocidade seguia o carro do ministro da Administração Interna na A6 quando atropelou um trabalhador, a GNR ainda tentou fazer os seus próprios cálculos. Só depois contactou dois engenheiros da Universidade do Minho para lhes perguntar se conseguiam fazer uma perícia ao local do acidente e apurar este dado fundamental para a investigação. Os peritos concluíram que o carro que matou Nuno Santos seguia a uma velocidade de 163 quilómetros/hora por altura do embate. Mas esta foi a única conclusão que a procuradora do Ministério Público valorizou da perícia e verteu para o despacho de acusação de homicídio por negligência agora conhecido. As restantes informações que vieram da Universidade foram ignoradas e, até, contrariadas pela magistrada — que preferiu dar mais crédito às declarações dos ocupantes do carro.

Segundo os documentos do processo consultado pelo Observador no DIAP de Évora, a perícia assinada por dois engenheiros da Universidade do Minho, Lúcio Machado e Jorge Martins, a 16 de novembro de 2021 (cerca de duas semanas antes da acusação), deixa claro que os autores não têm “certezas”. Mas diz que há factos que permitem concluir que o condutor agora acusado não travou “antes de bater no peão” naquele quilómetro 77,6, sentido Norte, a cerca de dois quilómetros da saída para o centro de Évora na A6, pelas 13h05 do dia 18 de junho.

Os peritos admitem mesmo que “o condutor somente terá percebido que ia atropelar o peão já em cima dele, provavelmente porque o peão iniciou a travessia inopinadamente”: “Assim, é nossa convicção que o condutor terá iniciado o processo de travagem do automóvel aquando da colisão com o peão“, lê-se. No despacho de acusação conhecido sexta-feira, no entanto, a procuradora refere que o motorista ainda tentou travar e desviar o carro para o lado direito quando viu Nuno Santos na estrada. Mas não conseguiu evitar o embate. Estas informações tinham sido prestadas pelos ocupantes do carro onde seguia Eduardo Cabrita, que afinal eram quatro (e não cinco como a magistrada erradamente descreve).

Sinalização dos trabalhos, velocidade excessiva e versões alinhadas. O que disse Cabrita (e testemunhas) no processo e o que o MP decidiu

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Os dois engenheiros referem que há quatro métodos para calcular a velocidade a que seguia o carro, mas dois deles foram logo afastados porque o corpo de Nuno bateu na parte lateral do carro do MAI. Referiam-se à distância do local para onde foi projetado o peão e o espaço onde a parte superior do corpo bate no para brisas. Restou-lhes então analisar a condição física do peão, o estado em que ficou o corpo e a travagem subsequente do veículo até se imobilizar.

Peritos da Universidade do Minho dizem que condutor só travou depois do embate e que seguia a 163 km/h. MP só valorizou velocidade.

Para tal, recorreram a um cálculo usando as distâncias percorridas e a inclinação do terreno, que permitem perceber a “energia do veículo dissipada antes e ou após a colisão por atrito entre os pneus (ou carroçaria) e o pavimento (muros, rails…).”, lê-se. Assim como as deformações no carro, que “permitem calcular a energia absorvida pela estrutura do veículo ao ser deformado”. Depois, os engenheiros fizeram testes no autódromo do Estoril e no próprio local do acidente. Mas nem tudo correu como o esperado.

Engenheiros levaram carro do MAI para o autódromo do Estoril, mas ele falhou

No autódromo, testaram a travagem e a velocidade e fizeram testes a 130 km e 160 km (com margens de erros por causa da pressão dos pneus), mas problemas técnicos “não permitiram testar o carro a uma velocidade maior: “inexplicavelmente o sistema ABS dos travões falhou e um dos pneus ficou bastante danificado”. Os peritos foram depois ao local fazer a medição e replicaram os testes. Aqui chegaram mesmo a pedir a um militar da GNR para circular no local a 200 quilómetros / hora (a velocidade a que, segundo explicam, se falava na comunicação social) com um dos peritos colocados no separador central a ver se via o carro aproximar-se.

Na perícia da Universidade lê-se então que, no lugar onde estava Nuno, no separador central, era possível ter avistado um carro que viesse a 200 quilómetros hora. Era também possível, de acordo com os parâmetros já definidos nestas investigações, que Nuno conseguisse atravessar aquela via em 4 segundos. O que não foi medido no relatório foi o tempo que alguém numa situação destas demora a tomar uma decisão e a agir.

"O peão poderia ter atravessado se o carro fosse a 220 km", dizem os peritos que estiveram no local do acidente a fazer testes e dizem que, a estar na estrada, Nuno Santos teria tido tempo de ver o carro e de atravessar a via.

“Uma pessoa colocada dentro do rail de proteção interior da curva, no local onde presumivelmente o peão estaria antes de ter tentado atravessar, teria cerca de 180 metros de visibilidade para os carros que circulassem na faixa esquerda”. O que, sustentam, daria tempo para o peão passar. “O peão poderia ter atravessado se o carro fosse a 220 km”, acrescentam.

Nuno atravessou a A6 e foi atropelado junto ao separador central. O acidente com o carro de Cabrita contado por quem estava no local

Os peritos perceberam também que havia “alguma limitação de visibilidade para quem circulasse na faixa esquerda”. Mas esta informação também não foi valorizada pelo Ministério Público, que fala em boa visibilidade naquele local. Sobre a velocidade a que seguia o carro do MAI os peritos também chegaram a uma conclusão. “Entre o local do atropelamento e a imobilização do veículo distam 105 m. Com o erro de 10 metros, daria uma velocidade entre os 155 e os 171, com uma velocidade de 163 km/h”, concluem por fim os peritos, para chegar à conclusão que o Ministério Público procurava desde julho.

BMW não conseguiu ajudar o Ministério Público

Aliás, ainda a 6 de julho, o Ministério Público pedira à BMW Portugal uma perícia para apurar as causas do acidente. A magistrada pedia mesmo que lhe fosse indicado um perito que o pudesse fazer com “a maior brevidade possível”, tendo em conta a informação guardada na centralina do veículo, bem como aquela guardada em sistemas multimédia instalados no veículo (como a chave). Três dias depois, porém, a resposta não era muito positiva. “Considerada a diversidade de matérias, dispositivos e áreas de especialidade envolvidas na pesquisa de dados potencialmente relevantes, bem como a multiplicidade de fabricante de alguns dos componentes envolvidos”, não era possível escolher um perito. No entanto, já tinham contactado com o fabricante para salvaguardar todos os dados eventualmente armazenamento remotamente.

A BMW não conseguiu ajudar a investigação em relação aos dados guardados no carro. Ainda pediu informação à Alemanha, mas de nada valeu.

O Ministério Público sempre foi claro no que procurava: queria saber se o carro tinha alguma anomalia que o pudesse tornar mais instável ou inseguro, a velocidade a que seguia o carro por altura do embate e se havia uma travagem prévia.

A 22 de julho chegava uma segunda resposta da BMW, vinda do fabricante. “O veículo não transmite remotamente dados de qualquer natureza para qualquer entidade do BMW Group porquanto não se encontra equipado com as unidades de comando necessárias”. Feita uma análise às chaves da viatura, os dados extraídos conseguiram dar conta dos danos na lateral esquerda, mas não devolveram quaisquer registos de velocidade. Muito menos sobre a estabilidade do carro. Portanto, não era possível apurar as causas do acidente.

Até a GNR fez cálculos à velocidade

A 2 de setembro a própria GNR, que investigava o acidente, ainda tentou fazer os cálculos para chegar a uma velocidade, colocando numa fórmula o tempo, espaço e a velocidade a que seguiria a viatura de acordo com a hora de passagem no nó de Estremoz, às 12h56, e a hora de chamada para o INEM 13:07:41 – são 28 quilómetros feitos em 11 minutos e 39. O que dá uma velocidade média de 145.077 km/h. A GNR chegou mesmo a fornecer outros cenários, mas nenhum deles foi acolhido pelo Ministério Público.

Aliás, nem o relatório final da GNR, tutelada pelo MAI, foi totalmente acolhido pela procuradora do Ministério Púbico. Nesse relatório os militares deixam “à consideração” da procuradora a “conduta do peão” “ao propor-se a fazer o atravessamento da faixa de rodagem, mesmo sabendo que lhe estava vedado por lei”, insinuando que ele terá contribuído para o desfecho fatal.

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Engenheiros da Universidade do Minho contactados em segredo

Os engenheiros da Universidade do Minho só foram contactados depois e sob grande discrição. Apesar de o processo estar em segredo de justiça, diz a lei que perícias que sejam feitas por algumas entidade externa têm que ser comunicadas às partes do processo a menos que o responsável pelo inquérito considere que a sua comunicação possa prejudicar a investigação. E foi isso mesmo que a procuradora considerou quando ordenou a perícia, segundo o despacho que consta no processo e dá 30 dias aos peritos para que apresentem as suas conclusões.

Perícia foi pedida em segredo para que as partes do processo não tivessem conhecimento antes do fim do inquérito. Procuradora não acolheu toda, mas também não pediu mais nenhuma.

A procuradora valorizou apenas a velocidade que estes peritos conseguiram definir. De resto preferiu optar pelo depoimento dos quatro ocupantes do carro, incluindo o do motorista, que acusou de homicídio por negligência. Mas também aqui não valorizou completamente o depoimento dos quatro, entre eles o de Eduardo Cabrita, que alegaram todos não haver qualquer sinalização na estrada para a viatura que estava a limpar a vegetação na berma. A procuradora considerou antes o que a Brisa garantiu: a sinalização colocada na parte de trás da viatura que estava a proceder a limpeza era suficiente e nestes casos nunca há sinalização estática antes do local.

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