Era há muito uma espécie de “Cenário C” do Governo que ia sendo repetido apenas à boca pequena no núcleo mais próximo de Luís Montenegro. O Executivo tem estudado atentamente as movimentações de Pedro Nuno Santos e André Ventura e tenta antecipar o que ambos podem fazer. Já poucos acreditam que o primeiro tenha “coragem” de chumbar o Orçamento do Estado e ninguém deposita verdadeira confiança no segundo. Neste momento, a equipa de Montenegro acredita piamente que o documento será viabilizado, porque o contrário seria um suicídio político para a oposição. Mas os riscos não estão eliminados.
A premissa é relativamente simples de imaginar. Existem dois momentos de discussão orçamental, a generalidade e a especialidade. No primeiro, aprovam-se ou não as linhas gerais; no segundo, que só acontece depois de terminado o primeiro, vota-se medida a medida e os deputados podem alterar o Orçamento do Estado.
O que deixa em aberto uma hipótese real: o Orçamento até pode ser aprovado na generalidade, previsivelmente com abstenção do PS do Chega, mas nada garante que, na discussão da especialidade, Pedro Nuno Santos e André Ventura não juntem forças para alterar o Orçamento e alterar drasticamente o Orçamento de Montenegro.
É este o tal “Cenário C” que vai entrando nas contas do Governo e é isso que se tenta evitar a todo custo com o recurso à ameaça atómica: se Pedro Nuno Santos e André Ventura tiverem a pretensão de impor ao Governo um Orçamento que não é o dele, Luís Montenegro admite provocar uma crise política e avançar para eleições antecipadas.
Esta quinta-feira, Joaquim Miranda Sarmento disse-o para quem o quiser ouvir. Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, o ministro das Finanças deixou claro que, “se a oposição desvirtuar o Programa do Governo”, Luís Montenegro estará tentado a “perguntar aos portugueses se aceitam” um Orçamento do Estado que violenta o programa eleitoral com que a Aliança Democrática foi a votos.
De resto, Miranda Sarmento não poderia ter sido mais claro: “Se desvirtuar, obviamente que o Governo terá de perguntar aos portugueses se aceitam ter um Orçamento que, primeiro, possa pôr em causa o equilíbrio das contas públicas e, segundo, um Orçamento que não reflete aquilo que foi o programa eleitoral.” Desafiado a concretizar se esta era ou não uma ameaça velada de demissão e consequentemente eleições antecipadas, o ministro das Finanças preferiu não abrir mais o jogo.
[Já saiu o primeiro episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor.]
“Isso é uma decisão que teremos de tomar. Não vale a pena especular sobre cenários que ainda não existem. O que temos pela frente é uma negociação, demos o ponto de partida há uma semana e meia, chamando todos os partidos da oposição com assento parlamentar. Retomaremos essa negociação no início de setembro e procuraremos acomodar aquilo que é possível de reivindicações, sobretudo dos partidos com maior expressão parlamentar e que podem decidir o desfecho deste Orçamento. Com estas duas premissas: não desvirtuar o Programa do Governo e manter o equilíbrio orçamental.”
Mas a questão é que o cenário existe e existe há muito tempo em São Bento. Como explicava o Observador ainda em junho, no Governo, ninguém ignora que este processo orçamental pode resultar num caos político. Admitindo que PS e Chega até permitem que o Orçamento do Estado passe na generalidade, os dois partidos podem perfeitamente desfigurar o documento através de votações cruzadas na discussão da especialidade, forçando Montenegro a executar um Orçamento que não é o dele, o que seria politicamente insustentável para a Aliança Democrática.
Na altura, ninguém se comprometia com um desfecho caso este cenário alternativo venha a confirmar-se. Mas já havia quem sugerisse que Luís Montenegro poderia deixar o cargo e precipitar novas eleições. “Se Orçamento ficar feito em retalhos, temos de ver o que fazemos na altura. Mas sim, pode não ser sustentável continuar”, ameaçava então um governante. Desta vez, Miranda Sarmento foi mais longe e concretizou a ameaça. Resta saber se será suficiente para condicionar Pedro Nuno Santos e André Ventura.
No limite, pode dar-se o caso de serem as duas bancadas que suportam o Governo, PSD e CDS, a chumbar o Orçamento do Estado na especialidade. Nesse caso, a bola passaria para Marcelo Rebelo de Sousa, que poderia decidir convidar o Governo a apresentar novo Orçamento do Estado (hipótese altamente improvável), permitir que Montenegro ficasse a governar por duodécimos (o que não corresponde ao padrão de decisão do Presidente da República) ou dissolver a Assembleia da República (pela terceira vez) e provocar eleições antecipadas.
Governo acredita que Pedro Nuno não terá “coragem” de chumbar o Orçamento