O Governo diz ter pouca “margem disponível” para avançar com medidas de estímulo à economia, já que a prioridade do executivo é continuar a reduzir a dívida. É este o compromisso assumido no Programa de Estabilidade, documento orçamental entregue nesta segunda-feira em Bruxelas, e que traz projeções macroeconómicas atualizadas mas que o próprio Governo assume que se baseia nas chamadas “políticas invariantes”, ou seja, sem contar com o impacto das medidas que vão ser tomadas. A expectativa do Governo é ter este ano um saldo positivo de 0,3% do PIB, o que significa que a margem para manter as contas sem défice é superior a 750 milhões de euros. 

“A margem disponível para estímulos orçamentais encontra-se condicionada pela necessidade de manter a dívida pública numa trajetória de redução, um fator determinante para reforçar a resiliência da economia portuguesa a choques adversos”, pode ler-se no documento entregue esta segunda-feira pelo Governo à Comissão Europeia. O compromisso assumido pelo Executivo de Luís Montenegro é continuar com as contas no “verde”, depois do superávite orçamental de 1,2% em 2023.

Em 2024, sem medidas novas, o saldo de 0,3% equivale a mais de 750 milhões de euros, sendo que o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já indicou que iria gastar cerca de 200 milhões de euros com uma revisão dos escalões do IRS a aprovar esta semana. Medidas como o início de recuperação do tempo de serviço dos professores e o ajustamento dos complementos de risco da PSP e GNR não deverão ser contemplados este ano. No programa eleitoral as medidas estavam previstas a partir de 2025.

Este Programa de Estabilidade é apresentado num cenário de políticas invariantes, isto é, com ausência de novas opções de política. Ou seja, as perspetivas macroeconómicas e orçamentais constantes deste documento não têm ainda em consideração as políticas económicas que o XXIV Governo virá a implementar”, pode ler-se no enquadramento.

Este ano, a Comissão Europeia permitiu que o documento a apresentar pelos governos fosse mais simples do que o habitual dado que as novas regras orçamentais europeias entram em vigor a 30 de abril e determinam, por um lado, o fim da obrigatoriedade de entrega do Programa de Estabilidade como o conhecemos e, por outro, o envio de um novo plano orçamental de médio prazo até final de setembro. Aí conhecer-se-ão as projeções atualizadas do atual Governo e já com as previsíveis medidas.

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A própria “Comissão sinalizou aos Estados-membros que o cumprimento da entrega do Programa de Estabilidade em abril de 2024 seria apenas formal“, salienta o Governo. Bruxelas só exigia, este ano, a entrega de uns quadros relativos ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas o Executivo de Montenegro decidiu entregar ao Parlamento um programa, ainda que não se consigam medir as intenções do Governo, uma vez que é feito com base no que está em vigor já aprovado pelo PS.

O Programa de Estabilidade projeta, num cenário de políticas invariantes — sem as novas medidas prometidas pelo novo Governo —, que em 2024 o saldo orçamental se situe em 0,3% do PIB. Trata-se de uma ligeira revisão em alta face às projeções do anterior governo (0,2%) que estavam no Orçamento do Estado para 2024, formuladas em outubro, o que se explica pelo arrastamento de um superávite em 2023 melhor do que o esperado, segundo revelou recentemente o INE. O Governo de António Costa projetava um excedente de 0,8% no ano passado, mas acabou por atingir os 1,2%.

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A AD, por seu turno, apontava para um saldo positivo de 0,8% em 2024 quando apresentou o seu cenário macroeconómico no final do ano passado, o que estava em linha com a projeção, de então, do Conselho das Finanças Públicas que, no entanto, reviu, em baixa esse valor, para o fixar em 0,5%.

No Programa de Estabilidade, divulgado nesta segunda-feira, perspetiva-se que no cenário de políticas invariantes “o saldo orçamental se situe em 0,3% do PIB, perto do apresentado na proposta de Orçamento do Estado para 2024 (de 0,2%). Continuando no Programa de Estabilidade, o excedente mantém-se nos 0,3% em 2025, o que dá nova margem de mais de 750 milhões de euros, almofada que cai para os 250 milhões em 2026, ano em que se antecipa um excedente de 0,1%. Nos dois últimos anos de projeções, o excedente atingirá os 0,6% e os 0,5%, em 2027 e 2028 respetivamente. Ou seja, neste cenário (sem medidas de política) de 2024 a 2028 o Governo antecipa uma margem total, no período, de mais de 4,35 mil milhões. Ora, o programa da AD comportava um corte de receitas de 5 mil milhões ao longo da legislatura e 2,24 mil milhões de euros de aumento de despesas com promessas eleitorais. Segundo o Programa de Estabilidade, 0,4% do PIB da despesa corrente primária do Estado é financiada pelo PRR.

No programa eleitoral da AD, a projeção para o saldo orçamental era de 0,8% em 2024, descendo para 0,2% em 2025, para 0,1% em 2026, subindo novamente aos 0,2% em 2027 e 2028.

Da mesma maneira que as projeções do excedente são diferentes do Programa de Estabilidade e do programa eleitoral da AD, acontece o mesmo em relação ao PIB que a AD pretende que esteja a crescer 3,4% em 2028, por via das medidas que pretende implementar, nomeadamente a descida de impostos. No Programa de Estabilidade, o Governo optou por indicar um valor mais modesto.

Na projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) mantém os 1,5% que constavam no Orçamento de Fernando Medina — mas aquém dos 1,6% que a AD inscreveu nas projeções macroeconómicas do seu programa eleitoral. Em finais de março, o Banco de Portugal projetou um crescimento de 2% para a economia portuguesa em 2024, ao passo que o Conselho das Finanças Públicas manteve em 1,6% a sua previsão.

No Programa de Estabilidade, o Governo antecipa um crescimento da economia em 1,9% em 2025, de 2% em 2026, descendo para 1,5% em 2027 e de 1,8% em 2028. Antecipando, face ao orçamento de Medina, que o consumo público seja pior, mas que o consumo privado seja melhor.

Já a AD projetou um crescimento económico de 2,5% em 2025, seguindo a escalar para 2,7% em 2026, 3% em 2027 e 3,4% em 2028.

Inflação deverá cair para 2,5% este ano

A inflação em Portugal “deverá, reduzir-se sensivelmente em linha da área do euro” para os 2,5% este ano e estabilizar a médio prazo nos 2%. É uma revisão em baixa de 0,8 pontos percentuais face à previsão feita no Orçamento do Estado. E que fica a meio das duas previsões mais recentes apresentadas pelo Conselho de Finanças Públicas (2,6%) e pelo Banco de Portugal (2,4%).

A estimativa para 2024 e 2025 — 2,5% e 2,1% — está mais distante, para baixo das projeções apresentadas no programa da AD que eram respetivamente de 2,8% e 2,2%, embora estes valores estejam menos atualizados.

O programa considera que o aumento da inflação no arranque do ano foi temporário, e uma consequência direta do fim do IVA zero da alimentação e da subida das taxas de acesso que encareceram a fatura elétrica.

As previsões não consideram ainda a recente escalada do conflito no Médio Oriente com o ataque iraniano a Israel e a pressão que esse movimento poderá ter no preço do petróleo, ainda que para já isso não seja visível.

Dívida deve cair para 95,7% (sem medidas adicionais)

No mesmo documento, e na mesma ótica de “políticas invariantes”, o Governo manteve a previsão de Fernando Medina para o rácio da dívida pública: a projeção é que este desça para 95,7% do PIB.

Esta é uma previsão que representa uma descida de 3,4 pontos percentuais no rácio de endividamento, já que a dívida pública foi estimada em 99,1% do PIB em 2023. Olhando mais para a frente, a estimativa é que a redução continue para 91,4% em 2025 e, em 2028, antecipa-se que o rácio tenha baixado para menos de 80% do PIB (79,8%).

Na informação relativa ao procedimento por défice excessivo, que o anterior Governo entregou a Bruxelas a 25 de março, estava uma previsão que apontava para um peso da dívida de 95,1% este ano, abaixo dos 98,9% inscritos no Orçamento do Estado para 2024 que foi aprovado em novembro. O valor inferior deve-se ao facto de ter havido um ponto de partida melhor do que o esperado (dívida abaixo de 100% do PIB já em 2023) e um excedente orçamental maior do que o projetado.

O Governo antecipa uma relativa estabilização dos custos médios com a dívida pública: depois dos 2,2% de 2023, prevê-se uma ligeira subida para 2,3% que irão valer nos próximos três anos (2024-2026). Quase um terço da dívida pública portuguesa (32,7%) está nas mãos do Eurossistema, ou seja, BCE/Banco de Portugal, ao passo que ainda há 21,1% da dívida que ainda assume a forma de empréstimos feitos pelas entidades oficiais (fundos europeus) no programa de assistência financeira.

No que diz respeito aos custos gerais da dívida, com as Euribor em níveis historicamente elevados, o Governo antecipa uma Euribor (3 meses) em 3,4%, na média ao longo do ano. Em 2025 antevê-se uma redução rápida para 2,5% (também em média anual) e, depois, para 2,3% nos anos seguintes. Outras hipóteses externas validadas pelo Governo passam por uma descida do preço do petróleo para uma média de 79,1 dólares por barril, abaixo dos 82 dólares do ano passado, e que o euro continue nos próximos anos a valer 1,1 dólares (apesar das indicações de que o euro enfrenta uma pressão negativa face ao dólar devido às trajetórias diferentes dos dois bancos centrais).

Pelo menos 200 milhões já têm IRS como destino

O excedente orçamental dá ao Governo, em tese, margem para implementar algumas medidas discricionárias com as quais já se comprometeu para este ano. Face à projeção, a margem será de 750 milhões de euros, valor que poderá ser gasto sem que as contas caiam no vermelho. Não se conhecem as medidas que o Governo pretende avançar desde já, à exceção da descida das taxas de IRS, sobre as quais o Governo já esclareceu que o custo poderá ultrapassar os 200 milhões de euros face ao que está em vigor.

O valor veio a público após o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, ter sido questionado na RTP sobre se a promessa dos 1.500 milhões de euros de alívio fiscal referida por Montenegro incorporava os 1.300 milhões de redução já implementados pelo anterior governo. A resposta foi ‘sim’, pelo que isso significa que o prometido alívio em 2024 se traduz em 200 milhões. Manuel Castro Almeida, ministro da Coesão, acrescentou na SIC Notícias que o valor pode ser algo superior, admitindo 300 milhões de euros.

O esclarecimento de Miranda Sarmento foi feito na RTP na sexta-feira, mas não no Parlamento, um dia antes, quando foi questionado pelo deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco com a mesma pergunta. “Estou a ver mal ou esta grande descida de IRS que o Governo vai fazer são apenas 173 milhões de euros a menos do que o PS vai fazer?“, questionou Blanco. Joaquim Miranda Sarmento não respondeu.

Dos 1.500 milhões aos 200 milhões de alívio no IRS. “Embuste” ou “equívoco de comunicação”?

Antes, no mesmo debate, o líder da IL, Rui Rocha, tinha indicado que, pelas suas contas, alguém que ganhe 1.500 euros por mês terá uma redução no IRS que não ultrapassaria os 10 euros por mês. Na altura, Luís Montenegro acenou com a cabeça que não e, na resposta, disse que o exemplo do líder da IL “não é realista” e que, conforme os escalões, o resultado será “muito acima” em termos de poupança fiscal.

O esclarecimento do Governo na sexta-feira causou várias críticas na oposição, com acusações de “embuste e fraude” da parte do secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, enquanto Rui Rocha disse que se trata de um “retoque fiscal” que “marca o fim do estado de graça deste governo”. O Governo vai apresentar na próxima sexta-feira a sua proposta para a descida das taxas marginais de IRS a aplicar aos rendimentos de 2024. Nessa altura explicará a confusão que acabou por suscitar os números e as várias afirmações que foram sendo feitas. No Programa eleitoral o custo das medidas fiscais quantificava-se em 5 mil milhões de euros, sendo 3 mil milhões referentes ao IRS.

Fonte: Programa da AD

Joaquim Miranda Sarmento já disse que a redução não estará muito distante do proposto pelo PSD para o Orçamento do Estado deste ano, ainda antes da queda do governo. E esclareceu que a proposta vai aplicar-se aos rendimentos de todo o ano de 2024.

No caso das tabelas de IRS, só se aplicará em 2025, mas os contribuintes deverão sentir já um alívio este ano, com as tabelas de retenção. Miranda Sarmento sublinhou, na RTP, que o Governo tem como “princípio manter o equilíbrio orçamental”, de forma a continuar a trajetória da redução da dívida pública. Na apresentação do programa económico da AD, o agora ministro das Finanças indicou, quando falava das propostas de redução de IRS e IRC, que era um corte de 1,5 pontos percentuais da carga fiscal, “que representa no total da legislatura menos 5 mil milhões de euros de impostos do que aquilo que seria cobrado se não fizéssemos nada do ponto de vista das medidas fiscais”. Esta declaração foi feita a 24 de janeiro, já o orçamento do PS estava em vigor.

O Governo mantém que será aprovada uma proposta de lei com a descida das taxas de IRS sobre os rendimentos “até ao oitavo escalão, que vai perfazer uma diminuição global de cerca de 1.500 milhões de euros nos impostos do trabalho dos portugueses face ao ano passado, especialmente sentida na classe média”, disse Luís Montenegro na apresentação do programa de Governo no Parlamento.