Na véspera de Luís Montenegro entregar o programa do Governo, o Conselho das Finanças Públicas publicou as projeções macroeconómicas até 2028 sem incluir algumas promessas eleitorais como o suplemento de risco para os polícias ou a recuperação de tempo de serviço dos professores. Sem ter esses compromissos em conta, continua a ver a economia a abrandar para 1,6% este ano e olha para um excedente nos 0,5%. Mas deixa avisos ao novo Executivo: a política orçamental não deve ser “cega em relação ao futuro”, mas também é preciso não comprometer a “coesão social”. Além de que há novas regras europeias a caminho.

A entidade liderada por Nazaré Costa Cabral alerta para a necessidade de “dosear pressões orçamentais” e prevenir riscos, com uma política orçamental “que não seja cega em relação ao futuro”.

“Os decisores são chamados a calibrar bem a resposta às necessidades da população que visam servir e a priorização de despesa (re)produtiva, com a garantia de preservação de um saldo primário que tenha capacidade de reagir perante uma dada dimensão da dívida pública, reduzindo-a se justificado, sem comprometer o crescimento e a coesão social“, lê-se no relatório com as perspetivas económicas e orçamentais até 2028, conhecido esta terça-feira.

O programa eleitoral da AD prevê a recuperação faseada do tempo de serviço dos professores, assim como a extensão à GNR e PSP do suplemento de risco atribuído à PJ. Mas uma vez que o programa do Governo ainda não é conhecido — é apresentado esta quarta-feira — o CFP não incluiu estes compromissos eleitorais nas suas previsões. Porém, avisa que tendo Portugal uma elevada dívida pública e um crescimento económico moderado, “saldos primários positivos são expressão e condição da sustentabilidade orçamental”.

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“Cabe aos decisores políticos dosear pressões orçamentais e prevenir ou provisionar a materialização de riscos (por exemplo, criando almofadas financeiras em períodos favoráveis da economia), promovendo a pedagogia e a transparência em relação aos custos e benefícios de decisões de alcance intertemporal e desenhando uma política orçamental que não seja cega em relação ao futuro”, lê-se no documento.

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As últimas projeções conhecidas do CFP datam de setembro do ano passado, antes de conhecido o Orçamento do Estado para 2024 (e antes da crise política). Aí, a entidade já previa um crescimento a abrandar para 1,6% este ano (em 2023 foi de 2,3%). Mas para o período 2024-2028 faz, agora, uma ligeira revisão em alta da evolução do PIB real até 2027, ano em que deverá estabilizar em torno dos 2%.

O programa da AD baseou-se, para 2024, nas projeções do CFP (1,6%). Mas para os anos seguintes os dois exercícios são muito diferentes, mesmo com a revisão em alta daquele organismo público: a AD é bem mais otimista (por exemplo, vê crescimento de 3,4% em 2028, enquanto o CFP fica-se pelos 2%).

Já quanto ao saldo orçamental, o CFP está um pouco mais pessimista face a setembro, quando apontava para 0,8% — sublinhe-se, sem conhecer a proposta de OE — e agora já antecipa 0,5% — também sem conhecer o programa do Governo ou a eventual existência de um orçamento retificativo.

Num cenário em que se mantêm as políticas em vigor, o CFP vê excedentes até 2028, “ainda que de amplitude significativamente inferior ao verificado em 2023”, que foi um valor histórico em democracia de 1,2%.

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Nos próximos anos, a projeção do CFP é também diferente das projeções da AD antes das eleições, que começa por ser mais ambiciosa mas torna-se depois menos otimista (em 2028 aponta para 0,2% enquanto o CFP projeta 0,8%).

No entendimento do CFP, a evolução projetada reflete excedentes primários (excedentes sem juros) “que deverão situar-se, neste exercício em políticas invariantes, em torno dos 3% ao longo do período de projeção, permitindo compensar a evolução que se perspetiva no peso dos encargos com juros, os quais deverão aumentar para 2,3% do PIB em 2024, estabilizando nesse patamar até ao final do horizonte de projeção”.

Entre 2023 e 2028, “a confirmar-se a dissipação do efeito preço”, que favoreceu a diminuição da dívida pública, “o saldo primário deverá desempenhar um papel determinante na diminuição” do rácio da dívida no PIB “explicando cerca de 2/3 da redução projetada” (19 pontos percentuais). E isso permitiria atingir os 80% do PIB no final do horizonte, ainda assim, acima do valor de referência de 60%,

“A evolução recente da economia tem vindo a demonstrar a importância de manter uma margem orçamental que permita calibrar pressões orçamentais e fazer face aos riscos, sem comprometer a estabilidade das finanças públicas”, defende.

Novas regras europeias exigem políticas “compatíveis” com redução da dívida

Vêm aí novas regras orçamentais europeias, que vão rever as que foram criadas no final dos anos 90. As novas normas deverão colocar pressões sobre receitas e despesas, “exigindo, por isso, políticas públicas compatíveis com o objetivo de assegurar uma trajetória sustentável de redução do peso da dívida pública no PIB”.

Admitindo que o novo quadro de governação económica a nível europeu dê maior flexibilidade às especificidades de cada país, “o foco das estratégias nacionais de consolidação orçamental, para os países em situação de dívida excessiva, será precisamente esse: o compromisso em torno da redução do peso da dívida”. É aí que o CFP avisa para a necessidade de “dosear pressões orçamentais” e prevenir a materialização de riscos.

A nível dos riscos, além de não considerar algumas promessas eleitorais que deverão começar a materializar-se este ano, o CFP nota a existência de fatores de incerteza, incluindo os que podem advir da guerra na Ucrânia e no Médio-Oriente, que já se fazem sentir nas projeções dos principais parceiros da economia portuguesa. Além disso, as decisões recentes do BCE de manter as taxas de juro em níveis ainda elevados (apesar da expectativa de que poderão começar a descer) “deverão continuar a condicionar a procura interna, nomeadamente adiando decisões de investimento e consumo e promovendo uma maior poupança por parte das famílias por motivos de precaução”.

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Também a eventual não aprovação da legislação necessária à autorização dos desembolsos do PRR, que o anterior governo deixou pronta para aprovar, devido à nova configuração parlamentar, poderá penalizar o investimento (formação bruta de capital fixo).

Por outro lado, a atenuar as condicionantes, está a expectativa de aceleração dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cuja execução deverá atingir o pico em 2026; assim como a manutenção da trajetória descendente da inflação para valores que se aproximam do objetivo de política monetária do BCE (em torno dos 2%), o que “beneficiará o rendimento disponível real das famílias e, consequentemente, os seus níveis de consumo”. A inflação, nas contas do CFP, deverá abrandar para 2,6% em 2024 (foi de 5,3% no ano passado) chegando a 1,9% a partir de 2027.

Em 2024, o processo de desaceleração da inflação “deverá ser parcialmente mitigado pelo ressurgimento de pressões inflacionistas nos produtos energéticos, pelo efeito base” decorrente do fim do IVA Zero, e pelo abrandamento mais lento do crescimento da componente de serviços.

Já para o mercado de trabalho, antecipa uma redução no ritmo de criação de emprego para 0,3% em 2024, convergindo para um valor marginalmente negativo no final da projeção, em linha com as projeções demográficas. Em 2024, a taxa de desemprego deverá diminuir de 6,5% para 6,4%.

As projeções do CFP também não incluem o impacto do novo aeroporto de Lisboa ou a introdução da alta velocidade, nem eventuais novas medidas para reduzir a carga fiscal ou reforçar o apoio a pensionistas de menores rendimentos.

A entidade também identifica pressões orçamentais a nível da despesa com pessoal, incluindo nos salários das carreiras da função pública, a despesa com prestações sociais, na saúde (com o envelhecimento), defesa ou segurança, ou eventuais apoios que resultem de eventos meteorológicos extremos como a seca severa ou os incêndios.

Quase 90% da redução de impostos diretos decorre da reforma do IRS de Medina

As medidas previstas para 2024 no Orçamento de Fernando Medina traduzem-se numa redução da receita pública de 616 milhões de euros, com a diminuição da receita de impostos diretos (como o IRS) a “ser atenuada” pela subida da receita com impostos indiretos (devido à eliminação do IVA Zero).

A queda da receita com impostos diretos em 1,5 mil milhões de euros advém quase na sua totalidade (cerca de 90%) da reforma do IRS que inclui medidas como a reforma do mínimo de existência, a redução de taxas e a atualização de escalões, elenca o organismo.

Já no lado da despesa, o Orçamento do anterior executivo previa uma subida de 197 milhões de euros em 2024 com as medidas de política económica — por um lado, a pesar, estão prestações sociais (como o abono de família ou medidas relacionadas com os transportes, assim como as pensões); por outro lado, a aliviar, estarão a eliminação do apoio extraordinário a famílias mais vulneráveis e do complemento ao apoio extraordinário para crianças e jovens.