Um “ângulo morto”. É assim que o PS vê a polémica que rodeia o aumento do IUC (Imposto Único de Circulação) para carros antigos neste Orçamento do Estado, confiante em que isso só significa que a oposição não tem muito mais por onde pegar. Ainda assim, os deputados socialistas estão conscientes de que o assunto pode chegar a algumas das suas principais bases eleitorais e estudam seriamente, nesta altura, a possibilidade de alterar a norma orçamental para esclarecer que esse aumento terá um travão também nos próximos anos.
Do lado do Executivo, não parece haver hesitações: o aumento do IUC “não é tema”, porque “não há nenhuma dúvida” de que os aumentos se limitam aos 25 euros anuais, diz fonte do Governo ao Observador. Esta terça-feira, o ministério das Finanças insistiu nesta ideia, enviando um comunicado às redações em que se lê que o facto de a garantia de que esse tecto existe constar “de uma norma do Orçamento”, e não “do código do IUC ou de outra qualquer legislação”, não vem “diminuir o compromisso político que a redação atual consagra”.
“Para que não subsistam dúvidas entre os que argumentam que uma Lei pode ser mudada ou que a garantia no Orçamento poderia não ser renovada, o compromisso do Governo nesta matéria é claro: não haverá, em qualquer ano, aumentos do IUC superiores a 25 euros”, lê-se no comunicado.
Mas será suficiente a promessa de um “compromisso político”? A questão do lado do PS, e que é levantada pelo grupo parlamentar, é se essa garantia não deve ficar mais clara e escrita na pedra, para que não restem dúvidas nos próximos anos (e na cabeça de potenciais eleitores).
“Não deve haver recuo. A solução mais razoável é assegurar que o travão se manterá nos próximos anos, e o grupo parlamentar está a ponderar fortemente essa possibilidade de tornar claro e cristalino que o aumento será sempre uma coisa progressiva”, diz ao Observador fonte da bancada com conhecimento do processo, acrescentando que esta é “a linha de trabalho mais sólida” que o grupo parlamentar está a assumir, e pela qual quererá bater-se.
Até porque para os socialistas é óbvio que a intenção do Governo não passaria por impor um aumento descontrolado do IUC anualmente — “mas isso tem de ficar claro, e neste momento não é claro“. À TSF, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, admitia esta terça-feira que, apesar de no seu entendimento a norma ser “clara”, não está excluída uma “análise” sobre uma eventual mudança nesse sentido.
Depois, existe quem na bancada defenda outras “amenizações” do imposto — ainda este domingo a socialista Alexandra Leitão falava, no seu programa na CNN, da necessidade de “mitigar” o aumento — mas sobre essas não há qualquer certeza: “Está a ser estudado, mas não há certeza de que vá existir. O travão é uma solução equilibrada e já é significativa, o que não quer dizer que não pensemos noutras amenizações”, defende a mesma fonte.
Perante as proporções que a polémica sobre um imposto aparentemente menor atingiu, e que Brilhante Dias já classificou como “terrorismo publicitário”, são vários os responsáveis do PS que respondem ao Observador em uníssono, apoucando o argumento da oposição. “Um Orçamento em que a oposição só parece localizar como o pior dos mundos um aumento anual de 25 euros num imposto é o melhor dos orçamentos possíveis”, atira ao Observador um alto dirigente socialista.
Outro responsável provoca: “Há um ano a direita fazia um festival com o tema das pensões. Este ano só conseguem andar à volta dos 70 milhões de aumento do IUC?”. Entre deputados, admite-se que a oposição encontrou neste ponto um “ângulo mais frágil”, ainda que esteja muito longe de ser o suficiente para “desmontar a narrativa” desenhada pelos socialistas a propósito deste Orçamento.
Ou seja, a ideia é simples: o PS está convencido de que o documento é tão fácil de defender — no sentido em que conjuga variáveis de devolução de rendimentos (como os aumentos salariais e de pensões) com as prometidas contas certas (do excedente à redução da dívida) que a oposição se está a agarrar a um assunto menor (ou, voltando a citar Leitão, um assunto que não é “irrelevante” mas é “pequeno”), incapaz de arranjar uma narrativa mais estrutural de crítica ao Orçamento.
O que não significa que não se reconheça que há razões para preocupação com o tal assunto “pequeno”. Fora das hostes socialistas, as críticas nem sequer se limitam apenas ao terreno da oposição: até do lado dos ambientalistas se têm sucedido avaliações negativas das medidas tomadas neste Orçamento, uma vez que o IUC é apresentado como forma de compensação da redução do preço das portagens (o que, para os ativistas do Ambiente, significa que não existe uma verdadeira intenção de reduzir o uso dos carros e apostar em transportes alternativas, além do perigo de que a medida seja socialmente regressiva).
A ideia de base é que os carros anteriores a 2007 passem a pagar imposto também pela pegada ambiental, e não apenas pela sua cilindrada, como já acontecem com os carros mais recentes. O aumento aconteceria –segundo, pelo menos, as intenções do Governo — a um ritmo de, no máximo 25 euros por ano até chegar ao valor correspondente ao que pagam os donos de carros mais novos.
A preocupação eleitoral: “Afeta bases do PS”
Do lado dos socialistas, e do grupo parlamentar em particular, há neste momento uma preocupação específica — e tem contornos eleitorais. “Isto tem o lado negativo de ter muita visibilidade e afetar muita gente, incluindo pessoas que são parte significativa da base eleitoral do PS“, explica fonte do grupo parlamentar, concretizando: as pessoas com mais baixos rendimentos (e que portanto não conseguem trocar de carro) ou mais idosas (que ou não podem ou não querem fazê-lo) constituem duas fatias cruciais do eleitorado do PS.
O lado bom da polémica, explica a mesma fonte, é que “não se fala do resto”, o que prova que não há “grandes ângulos de crítica” neste Orçamento e que o argumento do aumento dos impostos indiretos se vê secundarizado; o lado mau é mesmo o facto de ir contra uma “componente importante da base do PS”, além de poder interferir com o discurso da devolução de rendimentos (mesmo que entre socialistas se insista: até um mês de aumento numa pensão facilmente compensa o aumento anual do IUC).
Ainda assim, o suspiro socialista é o mesmo: “É uma coisa de banda larga. É muita gente…”. É por isso que o PS trabalha agora na hipótese de garantir, pelo menos, que o aumento continua a ser travado por um tecto máximo, como acontece este ano (ou seja, que os carros mais antigos não passam subitamente a ter de pagar tudo o que não pagaram nos últimos anos, para igualar esses impostos aos que são aplicados aos casos mais recentes).
A proposta do Governo fala num impedimento de que o aumento exceda os 25 euros “anualmente”, mas nem juristas nem socialistas dão como certo que essa formulação, tal como existe, seja suficiente. O momento é de “diálogo interno”. Para que a crítica externa não se descontrole.