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Grécia ficou sem governo. E agora?

Antonis Samaras anunciou eleições antecipadas para 25 de janeiro. Cinco anos depois de ter sido o "berço" da crise da dívida, Atenas volta a agitar os mercados e a mergulhar a zona euro na incerteza.

A Grécia entra em 2015 sem governo. O candidato do primeiro-ministro Antonis Samaras para assumir a Presidência da República, o antigo comissário europeu Stavros Dimas, não recolheu os 180 votos necessários no parlamento grego, onde se sentam 300 deputados, e o governo caiu. O país irá eleger um novo executivo a 25 de janeiro e o partido de esquerda radical Syriza lidera, destacado, as sondagens. Cinco anos depois de ter servido de berço para a crise da dívida soberana europeia, a Grécia volta a mergulhar a política europeia e os mercados financeiros na incerteza. E agora?

A política grega era um dos principais riscos para a política, economia e mercados na Europa em 2015. O ano novo ainda não entrou, mas o risco já se materializou. Antonis Samaras não conseguiu convencer suficientes deputados (além daqueles que pertencem à coligação que lidera) para eleger o “homem de consensos” Stavros Dimas para um cargo que, na Grécia, é absolutamente cerimonial. Apesar dos alertas de Samaras, de que a queda do governo iria “atirar a Grécia para a turbulência”, o executivo que estava à frente dos destinos da Grécia desde o verão de 2012 não superou o teste da nomeação do Presidente, uma espécie de moção de confiança parlamentar ao governo que – prevê a Constituição – exige uma super-maioria de 180 deputados na terceira e derradeira votação.

Uma vez dissolvido o parlamento por parte do atual presidente, Karolos Papoulias, as novas eleições devem ocorrer entre 21 e 30 dias depois. Samaras já anunciou que vai pedir para que sejam marcadas eleições para 25 de janeiro. Aí, poderemos voltar a ver um “filme” que vimos em 2012: na ausência de uma maioria (improvável nesta fase), o partido mais votado tem três dias para formar governo. Caso não consiga, é dada a oportunidade ao segundo partido mais votado para tentar formar governo. Se não resultar, é o terceiro partido mais votado a convidar os outros deputados a quebrar o impasse. Se também nesta situação não for possível formar governo, o presidente convoca novas eleições. Foi isso que aconteceu em 2012, com o resultado das segundas eleições a permitir a Samaras formar um governo que só deveria terminar o mandato daqui a 18 meses.

“Nenhum deputado poderá dizer que não sabia o que iria acontecer. Será responsável pelo seu voto e pelas consequências”, tinha advertido Antonis Samaras.

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A terceira votação acabou por ser uma repetição da consulta parlamentar de 23 de dezembro. Os mesmos 168 deputados que haviam votado favoravelmente a nomeação de Stavros Dimas para Presidente voltaram a fazê-lo. Os mesmos 132 deputados que haviam rejeitado a nomeação voltaram a abster-se. E foi o fim da linha para Antonis Samaras. Um fim da linha que, nos mercados, começou a ser incorporado logo pela manhã. A bolsa de Atenas abriu a cair cerca de 5% mas chegou a afundar mais de 12% à medida que se tornava claro que a votação não iria ter sucesso.

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Bolsa de Atenas caiu para os valores mais baixos desde setembro de 2012

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O índice FTASE chegou a afundar 12% durante a votação. As ações gregas caminham para fechar 2014 com um recuo superior a 30%. Fonte: Bloomberg

O impacto da incerteza criada pela queda iminente do governo fez-se sentir também no mercado de dívida. Numa altura de pouca atividade nos mercados, o que tende a ampliar movimentos de descida ou subida no preço dos ativos devido à escassez de investidores, a dívida pública grega a reembolsar daqui a três anos (em julho de 2017) foi negociada com uma rendibilidade implícita superior a 12%.

Juros triplicam no espaço de dois meses

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Não rendia mais de 4% comprar dívida grega a três anos em outubro. Com a crise política, só a troco de rendibilidades de 12% os investidores assumem o risco. Fonte: Bloomberg

Uma viragem política?

Em todas as sondagens feitas na Grécia desde maio, o partido de esquerda radical Syriza ficou à frente. A mais recente, feita pela Palmos Analysis para a TVXS, dá 29,9% ao Syriza, liderado por Alexis Tsipras, e 23,4% ao partido Nova Democracia, de Antonis Samaras. Os socialistas do Pasok, que eram governo quando começou a crise da dívida e que integram a coligação atual, teriam apenas 3,3% dos votos, segundo a sondagem. Os comunistas do KKE têm 3,8% das intenções de voto e, do outro lado do espetro político, o partido de extrema-direita Aurora Dourada teve um resultado de 6,5% na sondagem.

O terceiro partido com mais intenções de voto, depois do Syriza e do Nova Democracia, é o Potami, com 7,1% dos votos. É um partido recente, criado no início do ano, pelo jornalista Stavros Theodorakis. O Potami quer ser um “rio” (é esse o significado, em grego, da palavra) em que confluem cada vez mais pessoas, de todas os quadrantes sociais e profissionais. O partido nasceu de um movimento inspirado na social-democracia e no liberalismo, que quer um parlamento mais pequeno, menos burocracia, um sistema de justiça mais eficaz e uma aposta no turismo e na cultura.

O solo, o sol e o mar vão salvar a Grécia. Só precisamos de tomar a decisão de investir neles de forma dinâmica e inteligente. Na agricultura e na pecuária (o solo), no lazer e no bem-estar (o sol) e na pesca e turismo (o mar)”. E a dívida? “A sobrevivência de um país não pode depender da generosidade dos seus credores. O que está em causa é aquilo que tu podes fazer pelo teu país, e não os descontos que os credores podem ou não conceder”, afirmou Stavros, o conhecido jornalista, líder do Potami, que insiste em ser tratado pelo primeiro nome.

O conhecido jornalista Stavros Theodorakis é o fundador do Potami ("Rio"), um partido que recolhe mais de 7% das intenções de voto.

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Este é o cenário traçado pelas sondagens: parlamento fragmentado, polarização do eleitorado nos extremos do espetro político e um grande potencial para oscilações das intenções de voto nos diferentes partidos. “A maré política na Grécia parece estar prestes a virar”, escrevem os economistas do Commerzbank Christoph Weil e Jörg Krämer, em nota de reação à votação parlamentar em Atenas esta segunda-feira, 29 de dezembro. A atual distribuição das intenções de voto indica que “será muito difícil formar governo“, dizem os especialistas, apesar do bónus de 50 deputados atribuídos ao partido mais votado.

Um partido que, nesta altura, parece ser o Syriza, um partido de esquerda radical que rejeita a consolidação orçamental imposta pelos memorandos assinados com a troika. “Este é um dia histórico para a democracia grega“, afirmou Alexis Tsipras, acrescentando que “o povo grego está determinado a colocar um ponto final à austeridade”. É bem conhecida a oposição do Syriza às políticas acordadas por Antonis Samaras com a troika, que serviram de base ao segundo pacote de resgate que Atenas recebeu.

"Este é um dia histórico para a democracia grega", disse Alexis Tsipras, líder do Syriza.

Ainda que não haja certezas sobre o que fará o Syriza, caso chegue mesmo a liderar um governo, é provável que o executivo tentará aumentar os salários da função pública, recusar-se a reduzir o peso desta na despesa do Estado e inverter algumas – senão a maioria – das reformas do mercado de trabalho aplicadas nos últimos anos. Tsipras falou, também, em várias ocasiões, de rasgar o memorando com a troika e forçar a anulação de uma parte substancial da dívida pública grega, que hoje é detida em cerca de 80% pelas instituições internacionais.

Instituições que não levaram mais do que algumas horas a comentar o resultado da votação em Atenas e a queda do governo que daí resultou. O Fundo Monetário Internacional (FMI) suspendeu as negociações com Atenas, relacionadas com a sexta avaliação do programa de ajustamento, até que seja formado um novo governo. O organismo salientou, contudo, que a Grécia não tem necessidades imediatas em termos de reembolso de dívida aos credores. Também em comunicado, Bruxelas diz que “uma vez mais, o povo grego vai ser chamado a decidir o seu futuro” e deixa a nota: “Um compromisso sólido face à Europa e um apoio generalizado entre os eleitores e líderes políticos em relação ao processo de reformas amigas do crescimento será essencial para que a Grécia volte a viver em prosperidade no contexto da zona euro”.

"Um compromisso sólido face à Europa e um apoio generalizado entre os eleitores e líderes políticos em relação ao processo de reformas amigas do crescimento será essencial para que a Grécia volte a viver em prosperidade no contexto da zona euro."
Comissão Europeia, em comunicado

Alguma altura é uma boa altura para antecipar eleições?

A Grécia recebeu uma extensão de dois meses para concluir a sexta avaliação, um tempo em que as atenções acabaram por estar viradas para a votação presidencial. Agora, com a queda do governo, será ainda menor a disponibilidade das autoridades locais para avançar com o trabalho legislativo necessário para que Atenas conclua a sexta avaliação. No final de fevereiro termina o segundo programa de resgate, segundo o calendário atual. E, com a queda do governo, ficam feridas de morte as negociações em torno de um programa cautelar que facilite o financiamento do país nos próximos 12 meses, uma possibilidade que era uma das mais prováveis até hoje.

Quem terá, também, deitado as mãos à cabeça com a queda do governo na Grécia terá sido Mario Draghi. As novas eleições, agendadas para 25 de janeiro, acontecem três dias depois de uma reunião do Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) em que muitos esperam que a autoridade monetária anuncie novos estímulos na zona euro, incluindo um programa generalizado de compra de dívida pública. Com tanta oposição interna a este programa, como conseguirá Mario Draghi reunir os consensos necessários no Conselho de Governadores para comprar dívida pública quando há um país na zona euro sem governo e com um partido anti-troika à frente nas sondagens?

Como irá Draghi convencer o BCE a comprar dívida pública nas vésperas das eleições na Grécia e com o Syriza à frente nas sondagens?

SERGIO GARCIA / EUROPEAN CENTRAL BANK / HANDOUT/EPA

A este respeito, Mario Draghi anunciou que o BCE iria “fazer tudo o que for necessário, dentro do mandato, para preservar o euro” em julho de 2012. Esse famoso discurso aconteceu precisamente um mês depois de o governo de Antonis Samaras ter sido eleito na Grécia, dando mais garantias de que o país não sairia da zona euro. Os analistas alertam que se o regresso da turbulência na Grécia inviabilizar que o BCE avance para a compra de dívida pública – a expectativa que tem feito os juros de todos os países, incluindo Portugal, cair para mínimos históricos – muita da acalmia que se tem vivido nos mercados nos últimos meses poderá inverter-se.

Juros de Portugal reagiram, mas pouco

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Com as taxas a três anos da Grécia acima de 12%, também os juros de Portugal subiram no mercado. Mas o agravamento foi ligeiro, tendo em conta o alívio recente. Fonte: Bloomberg

Apesar do alarme refletido pelos indicadores de mercado, os analistas estão a adotar uma visão tranquila da queda do governo grego, apesar de se adivinharem semanas de muita indefinição. “O Syriza suavizou recentemente as suas posições quanto a uma eventual saída do euro e quanto ao incumprimento na dívida e parece, agora, preferir uma versão mais diluída das atuais medidas de austeridade e do presente calendário de reembolsos de dívida”, afirmam analista do banco holandês Rabobank. O banco acredita que, se vencer as eleições e liderar a formação do próximo governo, “o Syriza quererá permanecer na zona euro, exigindo apenas condições mais leves de austeridade que podem, no final de contas, ser aquilo que a economia do país necessita“.

O que continua claro, pelo menos aos olhos do governo alemão, é que “não há alternativas às reformas duras [que a Grécia tem vindo a fazer e] que estão a dar frutos”. A reação é de Wolfgang Schëuble, ministro alemão das Finanças, aludindo ao facto de a Grécia ter saído da recessão técnica neste ano que está prestes a terminar. “Vamos continuar a ajudar a Grécia a ajudar-se a si própria no caminho das reformas“, afirmou o responsável, alertando, contudo, que “novas eleições não irão alterar os acordos que fizemos com o governo grego”. “Qualquer novo governo terá de cumprir os acordos feitos pelo governo anterior“.

"Qualquer novo governo terá de cumprir os acordos feitos pelo governo anterior", alertou o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schëuble.

FABRICE COFFRINI

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