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Elon Musk entrou devagar no Twitter, mas, depois de ter recusado um lugar na administração, lançou-se para a compra da totalidade da rede social, cuja administração aceitou segunda-feira os termos da proposta. O multimilionário, que é atualmente considerado o homem mais rico do mundo, já obteve parte do financiamento para uma operação avaliada em 44 mil milhões de dólares (cerca de 40 mil milhões de euros).
O empresário, dono da Tesla e da Space X, quer mudar o Twitter, mas ainda faltam alguns passos e várias aprovações. Há várias questões à volta do negócios, algumas à espera de respostas.
Quanto vale o negócio de compra do Twitter por Elon Musk?
Elon Musk propõe-se ficar com o Twitter por 44 mil milhões de dólares (cerca de 40 mil milhões de euros), dando 54,2 dólares por cada ação. Esta terça-feira, depois do Twitter ter indicado que aceitaria a oferta, cada título está a cotar abaixo desse valor. A capitalização bolsista está nos 39,5 mil milhões de dólares. Ou seja, o preço está acima do que o mercado avalia a empresa.
Ainda assim, no ano passado a empresa chegou a cotar nos 70 dólares por ação.
“Se a companhia tivesse tido tempo para se transformar, teríamos feito muito mais do que a atual oferta de Musk”, comentou Jonathan Boyar, diretor do grupo Boyar Value, acionista do Twitter, acrescentando que, no entanto, “se os mercados não avaliam apropriadamente a companhia, um comprador acabará por fazê-lo”.
Quando será concluído?
Tudo aponta para que a operação possa ficar concluída ainda este ano. Apesar da luz verde do Twitter, falta a aprovação por parte dos seus acionistas e só depois desta é que a operação irá para o mercado, para que Elon Musk possa comprar as ações do Twitter. Segundo os analistas da S&P, numa nota consultada pelo Observador, “quando a transação ficar concluída — ainda sujeita e aprovações regulatórias e de acionistas mas provavelmente em 2022 — os acionistas receberão os tais 54,2 dólares em dinheiro por cada ação, um prémio de 38% face à cotação de fecho de 1 de abril, o último dia de transação antes da divulgação por parte de Musk de que tinha adquirido 9,2% do Twitter, ou 73,5 milhões de ações”.
Depois desta operação, o Twitter deixará de ser uma empresa cotada, ou seja, não haverá títulos em bolsa para negociar livremente. Elon Musk será o dono da empresa que ficará de fora do escrutínio de Wall Street.
Aqui há, pois, várias dúvidas ainda por clarificar. E várias aprovações por garantir. Não se sabe, também, como reagirão os acionistas da própria Tesla que podem ter receios da eventual distração de Musk em prol do Twitter, mas existem, também, preocupações por causa da China. É que este país é um importante (cada vez mais) mercado para a Tesla, pelo que há a questão sobre o efeito de Musk deter o Twitter — onde estão vários opositores de Xi Jinping — sobre as vendas e a relação comercial da construtora automóvel no Império do Meio.
A própria reação dos acionistas do Twitter é, ainda, uma incógnita. A assembeia-geral do Twitter ainda não está marcada.
Algumas respostas serão dadas quando Elon Musk entregar o pedido de registo e o prospeto da operação junto da SEC, que é um dos reguladores que tem de aprovar estas ações. Segundo a Bloomberg, as empresas fazem-no normalmente em quatro dias úteis o pedido de registo, pelo que se espera que esse passo seja dado até ao final desta semana. Também esta semana, na quinta-feira, o Twitter vai divulgar os seus resultados trimestrais, mas não é esperado que haja uma conferência com analistas.
Como vai ser a operação financiada?
Também aqui há algumas dúvidas. Elon Musk revelou parte do financiamento. Para financiar os 44 mil milhões de dólares, Musk vai garantir 13 mil milhões de dólares junto de instituições financeiras e mais 12,5 mil milhões de um empréstimo garantido por ações da Tesla. O multimilionário ainda não disse como garantirá os restantes 21 mil milhões de capital que prometeu, o que, segundo o Financial Times, poderá indicar que Musk terá de alienar algumas ações da Tesla.
O plano de financiamento, que segundo o Expansíon foi denominado Projeto X, tem como assessor da OPA o Morgan Stanley que abriu uma linha de 12,5 mil milhões de dólares junto de outras entidades. Os 13 mil milhões por seu lado são garantidos por um sindicato bancário, formado por sete entidades: Morgan Stanley, Bank of America, Barclays, MUFG, BNP Paribas, Mizuho e Société Générale. No financiamento colateralizado com ações da Tesla estão envolvidos os mesmos bancos, aos quais se juntam Credit Suisse, Citi, Deutsche Bank, RBC e Canadian Imperial Bank of Commerce. No total estão, assim, envolvidos doze bancos.
No caso dos 13.000 milhões de dólares do crédito sindicado, o Morgan Stanley colocará 26,9% à X Holdings, sociedade criada por Musk para a operação. O Bank of America, o japonês MUFG e o britânico Barclays colocarão 20,8% cada um, enquanto o BNP Paribas emprestará 5%, o japonês Mizuho 3,6% e o Société Générale 2,1%. As garantias deste crédito são as ações do Twitter que Musk vai adquirir na OPA, ou seja, garante o empréstimo com o produto da compra.
Este financiamento tem um spread de 4,75% (sobre a taxa de referência dos EUA) a sete anos para 6.500 milhões; havendo uma linha renovável de 500 milhões por cinco anos a 4,5%; e há empréstimos-pontes (transitório) — cada um de 3.000 milhões de dólares — com prazo de vencimento de um ano, tendo o primeiro um custo inicial de 6,75% porque terá como garantia ações do Twitter, e por abaixo do segundo que não tendo qualquer garantia tem uma spread de 10%.
A fortuna de Musk está avaliada em cerca de 260 mil milhões de euros pela Forbes, mas para garantir o dinheiro que resta poderá ter de vender ações da Tesla, o que está a pressionar, aliás, a cotação da construtora automóvel.
O Financial Times revela, por outro lado, que Musk e o Morgan Stanley andam a sondar investidores para entrarem no negócio. Um deles pode ser o próprio fundador, Jack Dorsey?
Fundador Jack Dorsey vai voltar ao Twitter?
Há quem, nos jornais internacionais, já aponte para um possível regresso do fundador do Twitter, Jack Dorsey que nunca foi fã de um Twitter cotado. Não se sabe, ainda, quem Musk colocará a gerir a rede social, mas os analistas acreditam que não será o próprio, mais empenhado na Tesla ou na Space X. E, por isso, começou a ouvir-se falar de um possível nome: Jack Dorsey, o fundador que deixou a presidência executiva da empresa em 2021.
A Bloomberg deixa de fora, dos candidatos, o atual presidente Parag Agrawal, que foi escolha de Dorsey, mas que tem sido alvo de críticas do próprio Musk. Agrawal aliás também já deixou aos trabalhadores do Twitter — cujo futuro também é incerto — a mensagem de que não se sabe o que vai acontecer a partir do momento em que Musk entre pelo Twitter dentro. Na segunda-feira, Agrawal teve uma reunião de quadros, revelando a Reuters de que o próprio Musk vai, numa data ainda a marcar, realizar uma sessão de perguntas e respostas com os empregados. “Quando o negócio ficar fechado, não sabemos a direção que a plataforma vai tomar”, disse aos empregados, acrescentando que “acredito que, quando tivermos a oportunidade de falar com Elon, é uma pergunta que lhe devemos dirigir [sobre o regresso de Trump]”. Mas foi dizendo não haver planos para despedimentos.
Bret Taylor, presidente do conselho de administração, também falou sobre a continuidade. “Penso que estamos confortável de que o negócio dá à equipa a oportunidade de continuar a fazer da companhia um sucesso até que a transação fique concluída”. Depois disso, a gestão deverá ser mudada.
E a Bloomberg já fala da possibilidade de Jack Dorsey regressar. Em janeiro de 2020, foi Dorsey a questionar Musk sobre a forma de concertar o Twitter. E agora utilizou a rede social para dizer que “tirá-la de Wall Street é o passo certo”, lamentando o modelo de negócio imposto pelos investidores liderado por publicidade e mostrando-se satisfeito por o Twitter continuar “a servir as conversações públicas. À volta do mundo, e até às estrelas”.
The idea and service is all that matters to me, and I will do whatever it takes to protect both. Twitter as a company has always been my sole issue and my biggest regret. It has been owned by Wall Street and the ad model. Taking it back from Wall Street is the correct first step.
— jack (@jack) April 26, 2022
Jack Dorsey não levou o Twitter, fundado há 16 anos (em março de 2006), aos lucros consistentes. Mas Musk já disse que não está interessado nos fundamentais financeiros do negócio.
Haverá problemas regulatórios nesta aquisição? E políticos?
Apesar das grandes tecnológicas estarem sob escrutínio tanto da Administração norte-americana como da parte da Comissão Europeia, a compra por parte de Elon Musk do Twitter não deverá levantar questões de concorrência relevantes. Apesar de haver sempre formas de bloquear o negócio, os analistas vão dizendo que seria de difícil justificação.
Ainda assim no Congresso norte-americano várias vozes se têm levantado contra os milionários, em particular por senadores democratas. Aliás, é conhecida a troca de palavras que Elon Musk já trocou por várias vezes no Twitter com Bernie Sanders (senador que ainda não se pronunciou sobre esta possível aquisição da rede social por Musk).
I keep forgetting that you’re still alive
— Elon Musk (@elonmusk) November 14, 2021
E horas depois desta troca de mensagens, Musk perguntou ao senador: “quer que eu venda mais ações, Bernie?”, isto numa alusão à alienação de títulos que fez da Tesla. Aliás, foi nessa ocasião que Musk perguntou aos seus seguidores no Twitter se deveria vender 10% das suas ações da Tesla — 58% disseram que sim.
As críticas não se ficaram por aqui. A senadora democrata Elizabeth Warren também já expressou preocupação sobre este negócio, dizendo que é “perigoso para a democracia. Os multimilionários como Elon Musk jogam através de um conjunto de regras diferente, acumulando poder para o seu próprio benefício. Precisamos de impostos sobre a riqueza e regras apertadas para responsabilizar as grandes tecnológicas”.
A Casa Branca, recusando comentar o negócio, declarou, no entanto, que Joe Biden tem desde há longo tempo preocupações sobre o poder das plataformas de redes sociais. “As nossas preocupações não são novas”, declarou a porta-voz Jen Psaki, realçando que o Presidente norte-americano tem falado há muito sobre essas preocupações nomeadamente sobre o poder das redes sociais, incluindo Twitter e outras, de espalharem a desinformação. A Casa Branca tem advogado a revogação da lei que retira responsabilidade às plataformas pelos conteúdos aí publicados.
Já na União Europeia, as grandes tecnológicas têm estado também sob olhar especial. Ainda este fim de semana o bloco europeu chegou a acordo sobre regras novas para as plataformas digitais. “Há ainda só um acordo político sobre o texto do Digital Services Act ou Ato dos Serviços Digitais”, pelo que “vamos esperar mais uns (poucos) meses para ter o texto final e depois só entrará em vigor a partir de 1 de janeiro de 2024. Até lá a operação de aquisição do Twitter já estará há muito concluída”, realça ao Observador o jurista especialista em tecnologias e sócio da SRS Advogados. Apesar de ainda faltar o seu tempo até entrar em vigor, o Ato dos Serviços Digitais “vai ter um impacto enorme em plataformas como o Twitter, entre vários motivos, pelas obrigações que estas vão ter de algum policiamento da web, o que não as deixa confortáveis”, assume o mesmo advogado, acrescentando que não será, no entanto, por causa do Elon Musk.
Ainda assim, os avisos começam a ser feitos. Ao FT, o comissário europeu do mercado interno, Thierry Breton, declarou que Elon Musk tem de cumprir as regras de controlo de conteúdos ilegais e prejudiciais se ficar com o Twitter. “Damos as boas vindas a toda a gente. Estamos abertos, mas sob as nossas condições. Pelo menos sabemos o que lhe dizer: ‘Elon, há regras. Damos as boas vindas mas estas são as nossas regras. Não são as suas regras que se aplicam aqui'”, declarou.
Assim, os ataques políticos podem passar por questões de poder dos multimilionários — Elon Musk é o homem mais rico do mundo — mas também pelas dúvidas sobre as reais intenções de Musk em relação a tomar conta do Twitter. Apesar de falar da defesa da liberdade de expressão, Musk já tentou travar noutras ocasiões críticas à Tesla ou a algumas das suas empresas e tentou, mesmo, travar tweets de um jovem que publicava as coordenadas do seu jato, oferecendo-lhe dinheiro para deixar de o fazer.
Trump vai voltar à rede social?
Uma das perguntas que mais tem sido feita desde que Elon Musk anunciou a intenção de comprar o Twitter é se Donald Trump vai voltar à rede social. Elon Musk assume-se como “absolutista da liberdade de expressão” e por isso tem-se revelado contra alguma moderação que tem sido feita pela rede social. Daí que os apoiantes de Trump têm aplaudido esta compra, mas sem a certeza de que o ex-presidente dos Estados Unidos da América volte. Trump foi banido do Twitter por alegadas infrações à lei. O caso aconteceu em janeiro de 2021, por alegadamente ter incentivado à violência que conduziu à invasão do Capitólio a 6 de janeiro do ano passado. Trump, que tinha cerca de 88 milhões de seguidores, foi suspenso dois dias depois deste acontecimento.
André Ventura e Trump foram expulsos do Twitter, mas há talibãs que não. Qual é o critério?
Ainda que Elon Musk se diga um defensor da liberdade de expressão, há leis nacionais que determinam até onde se pode ir nomeadamente quando se alega incitamento à violência. Assim que houve o anúncio de que o Twitter apoiaria a compra de Musk, o multimilionário tweetou: “Espero que mesmo os meus mais profundos críticos permaneçam no Twitter, porque isso é o que significa a liberdade de expressão”.
I hope that even my worst critics remain on Twitter, because that is what free speech means
— Elon Musk (@elonmusk) April 25, 2022
E assim abriu-se a porta. O apresentador da Fox News, Tucker Carlson, voltou à rede social depois de uma suspensão temporária por conduta imprópria. O Twitter reabriu a sua conta na segunda-feira, 25 de abril, e o apresentador regressou: “Estamos de volta”.
We’re back.
— Tucker Carlson (@TuckerCarlson) April 25, 2022
Foi, aliás, a suspensão de Trump que levou o ex-presidente norte-americano a tentar lançar a sua própria rede social, Truth Social. À Fox, Trump já declarou pretender aderir a esta rede social ao mesmo tempo que garantiu não tencionar voltar ao Twitter mesmo que tal lhe seja permitido. “Não vou para o Twitter, vou manter-se na Truth”, mas à Fox exprimiu a sua opinião: “Espero que Elon compre o Twitter porque vai fazer melhorias na rede e porque é um bom homem, mas vou manter-me na Truth [que significa verdade]”, dizendo que começará “truthing” [termo que junta o nome da rede truth ao ato de a praticar] na próxima semana.
Trump foi, durante o seu mandato, um grande utilizador do Twitter, mantendo-se ativo mesmo depois de ter perdido as eleições para Joe Biden. “Nenhuma pessoa, individualmente, teve tanto impacto numa plataforma de media social como Trump teve no Twitter”, comentou, citada pela Time, Leysia Palen, professora da Universidade do Colorado, que estudou a forma como o ex-presidente usou o Twitter.
Que papel pode desempenhar a China neste negócio?
As ligações entre os Estados Unidos e a China têm sido tensas, com uma guerra comercial nos últimos anos a adensar-se agora pela guerra na Ucrânia, já que às sanções dos aliados — com especial empenho de Biden — a China tem respondido com afirmações de que não avançará com bloqueios à Rússia.
Neste negócio do Twitter, várias questões se levantam. O que fará Elon Musk quando o Twitter é uma rede non grata na China, estando aí bloqueada e, por isso, agregando opositores do regime de Xi, mas ao mesmo tempo é um dos principais mercados para a Tesla?
A China bloqueou o Twitter em 2009, e a rede social anunciou ter suspendido mais de 220 mil contas por alegadamente estarem a operar sob as ordens do partido comunista chinês, para espalhar propaganda e controlar a diáspora.
Esta é aliás uma das preocupações já assumida por alguns acionistas da Tesla. E foi, aliás, o motivo da reação de Jeff Bezos no Twitter sobre a intenção de compra de Musk da rede social. “O governo chinês acabou de ganhar um pouco de influência na praça pública?”, questionou o dono da Amazon, para imediatamente responder que acredita que não haverá influência da China na rede social, acrescentando que “o resultado mais provável a esse respeito é a complexidade na China para a Tesla, em vez de censura no Twitter”.
Interesting question. Did the Chinese government just gain a bit of leverage over the town square? https://t.co/jTiEnabP6T
— Jeff Bezos (@JeffBezos) April 25, 2022
A China é o segundo maior mercado para a Tesla, a seguir aos Estados Unidos, e os fornecedores de baterias chineses são dos principais para a construtora de Musk. Bezos conclui: “mas veremos. Musk é extraordinariamente bom a navegar este tipo de complexidade”.