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Paulo Rodrigues é professor da Nova SBE e colaborou num estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a crise da habitação nas maiores cidades portuguesas
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Paulo Rodrigues é professor da Nova SBE e colaborou num estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a crise da habitação nas maiores cidades portuguesas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Paulo Rodrigues é professor da Nova SBE e colaborou num estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a crise da habitação nas maiores cidades portuguesas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Habitação. "Não vejo nada neste Orçamento do Estado que promova mais construção de casas", diz Paulo Rodrigues

Paulo Rodrigues, professor na Nova SBE, vê aspetos positivos (e negativos) no programa Mais Habitação mas diz que faltam medidas no Orçamento do Estado que estimulem a construção a médio/longo prazo.

O programa Mais Habitação pode atenuar um pouco a falta de casas em Portugal mas foi comunicado “de forma pouco eficiente” e padece de um grande problema: é um programa que vincula apenas o PS. Para que pudesse injetar uma boa dose de confiança neste setor, o programa teria de contar com uma base de apoio político mais alargada. Esta é a opinião de Paulo Rodrigues, professor da Nova SBE e especialista em mercado de habitação.

Mas há algo mais a preocupar este especialista: a falta de estímulos fiscais no Orçamento do Estado para 2024 que promovam a construção para a classe média. Para Paulo Rodrigues, entrevistado pelo Observador, existe um papel fundamental do Estado na habitação social. Mas o problema na habitação não está apenas na ajuda aos mais desfavorecidos – é também um problema da classe média. E cabe ao Estado, defende, criar condições para que os promotores privados possam investir mais na construção para esse segmento. Caso contrário, os promotores vão sempre preferir refugiar-se nas maiores rentabilidades da construção para os segmentos mais abastados e para os estrangeiros.

Ouça aqui a entrevista a Paulo Rodrigues

“Não creio que RNH tenham trazido distorção” nos preços das casas, diz Paulo Rodrigues

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Participou recentemente num estudo para a Fundação Francisco Manuel dos Santos intitulado “A crise da habitação nas grandes cidades”. O estudo salienta que temos sobretudo um problema de falta de oferta, falta de casas disponíveis. Mas defende-se que no curto prazo é preciso avançar com soluções do lado da procura – ou seja, facilitar o acesso à habitação. As medidas em curso, como o chamado Programa Mais Habitação, são uma resposta adequada a este problema?
O problema da habitação não é um problema específico de Portugal, é um problema que afeta muitas cidades europeias e mundiais. É um problema que não é de fácil resolução, porque não conseguimos construir casas de hoje para amanhã. O que destacamos no documento que fizemos para a Fundação é, de facto, a necessidade de haver um pensamento estratégico que, de alguma forma, proponha medidas de médio e longo prazo que ajudem a ultrapassar o problema…

Mas também medidas de curto prazo…
Também de curto prazo… A questão que identificámos é que o grande problema que temos é um problema de pressão de procura. Assim, devia haver um alívio ao nível da oferta. O problema é que essa descompressão da oferta não se está a concretizar, ou está a concretizar-se de uma forma muito lenta. As medidas de curto prazo têm de ser pensadas de forma coordenada com as medidas implementadas no médio e longo prazo. Se eu só pensar em medidas de curto prazo, medidas que facilitem a acessibilidade generalizada à habitação, corro o risco de estar a agravar o problema, mais do que a resolvê-lo, porque vou criar mais pressão sobre a procura.

Isso que está a acontecer? Esse equilíbrio está a conseguir-se no programa Mais Habitação?
Acho que o programa tem aspetos positivos mas também menos positivos. Os mais positivos são, por exemplo, a simplificação do licenciamento, que é um aspeto muito importante porque se conseguirmos encurtar o tempo de construção isso pode, realmente, contribuir para, de uma forma mais rápida, termos mais oferta. Também torna o processo de licenciamento mais previsível, o que é uma forma positiva de contribuir para aumentar a oferta. Um outro aspeto positivo é que se dá atenção ao acesso à habitação, nomeadamente através do arrendamento.

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E os aspetos menos positivos?
Uma das coisas que me parecem menos positivas é que, atendendo à relevância da habitação quer para a economia portuguesa quer para a sociedade em geral, acho que um documento deste tipo devia ter sido feito com o acordo dos principais partidos políticos com assento parlamentar. O que me preocupa é que o mercado da habitação em Portugal tem tido alguma incerteza e isso faz com que os investidores se afastem. E, havendo um afastamento dos investidores, não há construção. Sendo isto um programa aprovado, realmente, mas sem ter o acordo de todos os partidos, o que pode acontecer num futuro próximo é que este programa pode ser totalmente alterado. Isso vai criar mais incerteza e fazer com que os investidores se retraiam, por não terem mais segurança de que os seus investimentos estão seguros. Outro aspeto mais negativo tem a ver com a forma como o programa foi comunicado, porque veio gerar alguma incerteza e instabilidade, inclusivamente afastando algum investimento…

Refere-se, por exemplo, à utilização de casas devolutas?
Exatamente, isso é um exemplo.

Foi mal comunicado, é isso?
Foi comunicado de forma ineficiente, digamos assim.

"Sendo o Mais Habitação um programa aprovado, realmente, mas sem ter o acordo de todos os partidos, o que pode acontecer num futuro próximo é que este programa pode ser totalmente alterado. Isso vai criar mais incerteza e fazer com que os investidores se retraiam."
Paulo Rodrigues, professor da Nova SBE

Quando promulgou o programa Mais Habitação, no final de setembro, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse que o fez [a isso estava obrigado depois da confirmação do diploma no Parlamento, após o veto] porque prefere “qualquer coisa, mesmo que curta, a nada”. Em que áreas é que, na sua opinião, o programa poderia ir mais longe?
Acho que o programa poderia ter ido mais longe porque há claramente uma preocupação de restringir a procura, isso está patente no programa…

Restringir a procura, como?
Por exemplo, se pensarmos na medida agora adotada dos residentes não habituais – retirar parte do benefício fiscal aos residentes não habituais – isso foi um dos aspetos que pode ser negativo nesse sentido [na evolução da procura]. A questão das limitações dos alojamentos locais, que pode ou não ser considerada uma limitação à procura. Mas acho que, mais do que isso, [o programa] é curto no que concerne à promoção da expansão da oferta. Um aspeto que me preocupa um pouco é que, tal como realçamos no estudo, o grande problema que existe é um problema de oferta – como é que conseguimos resolver este problema? Construindo mais. Mas em Portugal estamos perante um problema que se tem vindo a agravar e que tem a ver com o setor da construção. Neste momento, o setor da construção é cerca de metade do que era antes da crise financeira. Não temos capacidade instalada para conseguir dar resposta à necessidade da oferta que temos.

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Não se consegue falar do problema da habitação em Portugal sem falar na forma como mudou a concessão de crédito bancário à promoção. Fala-se muito do acesso ao crédito para as famílias, que querem comprar, mas fala-se menos no crédito bancário para a construção. E, comparando hoje com aquilo que existia antes da troika, são mundos diferentes…
Exatamente, são mundos completamente diferentes. É o acesso bancário, a questão da fiscalidade, é a questão das matérias-primas que têm um custo muito mais elevado, é a concorrência internacional… Ou seja, como o problema não é só de Portugal, também há um esforço de construção nos outros países. E há uma forte capacidade de atração de mão de obra para esses países porque os salários são mais elevados. E aí temos, também, alguma concorrência. Por outro lado, o investimento estrangeiro tem sido, de alguma forma, apontado como uma das causas deste problema – não me parece, eu acho que grande parte das pessoas que trabalham no setor também não consideram que o investimento estrangeiro tenha sido um problema, uma vez que o próprio segmento habitacional em que intervêm é um segmento mais elevado do que o segmento mais mediano em que o português…

Classe média…
Sim, classe média… Dito isto, claro que o investimento estrangeiro apesar de estar concentrado no segmento mais elevado produz algum efeito de contágio. Se os preços do segmento mais elevado aumentam, é claro que puxam os outros preços também para cima. Mas há também, por parte das empresas de construção, uma maior vocação para construir nesses segmentos mais elevados, mais do que para os outros, porque a rentabilidade é mais elevada. Se conseguíssemos ter, por exemplo, uma política fiscal que viesse beneficiar e simplificar a parte fiscal para as empresas, para ceder alguma rentabilidade maior nos segmentos mais baixos, aí poderia haver maior interesse do setor da construção em investir nesses segmentos. Como a questão do IVA na construção, que é de 23%, podia passar para 6% – isso já seria um contributo bastante importante, não só para as empresas de construção mas também para o comprador, porque o preço também ia baixar, possivelmente.

"O setor da construção é cerca de metade do que era antes da crise financeira. Não temos capacidade instalada para conseguir dar resposta à necessidade da oferta que temos."

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Já disse que foi comunicado de forma pouco eficiente, já disse que devia ter tido um apoio parlamentar mais alargado, o Programa Mais Habitação também é tardio? António Costa é primeiro ministro desde final de 2015, é justo dizer que fez-se pouco ao longo destes anos para só agora apresentar esta tentativa de resolução do problema?
Não sei responder concretamente a essa pergunta, mas a impressão que dá, para quem está de fora, é que parece ter havido uma política mais de reação do que pró-ativa. Não só cá em Portugal mas lá fora também. Nesse aspeto, teria sido importante ter havido aqui alguma cautela. No que diz respeito ao Estado, o problema da habitação em Portugal não é um problema que será resolvido só pelo Estado. Acho que é um problema que é do Estado, é dos municípios e é dos particulares. É claro que o Estado tem um papel preponderante porque tem de criar as condições para que quer os municípios quer os privados possam desempenhar o seu papel de forma sustentada e adequada. O Estado, a meu ver, tem um papel fundamental na habitação social – acho que, aí, talvez não tenha havido o esforço que seria necessário, uma vez que temos cerca de 120 mil casas no parque público e tem vindo a diminuir, muitas estão a ficar devolutas e não tem havido o investimento necessário. Por outro lado, o Estado devia dar condições a quem está no setor para poder desenvolver a sua atividade de forma mais eficiente.

"Se conseguíssemos ter, por exemplo, uma política fiscal que viesse beneficiar e simplificar a parte fiscal para as empresas, para ceder alguma rentabilidade maior nos segmentos mais baixos, aí poderia haver maior interesse do setor da construção em investir nesses segmentos. Como a questão do IVA na construção, que é de 23%, podia passar para 6%."
Paulo Rodrigues, professor da Nova SBE

O Orçamento do Estado para 2024 prevê gastar também 250 milhões de euros com apoio extraordinário à renda, que ajuda todas as famílias com taxa de esforço acima de 35% no pagamento de rendas. É o mesmo valor que no orçamento em execução, este ano – será suficiente tendo em conta que as rendas continuam a subir e o número de famílias em dificuldades também? O próprio Governo diz que há 86 mil famílias a viver em “indignidade habitacional”, mais do que o triplo que havia em 2018…
Nós temos um problema de oferta de habitação, claramente há uma pressão sobre a procura. Estão a ser tomadas medidas para descomprimir essa procura, o que não vai ser fácil porque a oferta vai demorar algum tempo a aparecer… O problema dos preços estarem elevados vai ser algo que se vai arrastar ainda algum tempo. Por isso, possivelmente estes 250 milhões de euros podem não ser suficientes para resolver o problema do acesso à habitação que temos neste momento. Podem ficar um pouco aquém. Porque continuando a pressão sobre a procura, os preços vão continuar a subir, mesmo que agora tenham abrandado… Mas continuam a subir, a um ritmo mais baixo. O problema não se vai resolver de hoje para amanhã. O que me preocupa em termos de Orçamento para a habitação é que é um contributo mais de curto prazo e não parece haver indicações de que venha de alguma forma introduzir medidas que possam ajudar no médio e longo prazo. Não vejo nada neste orçamento que esteja realmente direcionado para o aumento da oferta. Exceto a questão da habitação social, no programa Mais Habitação, mas para o mercado da habitação em geral não vejo aqui nada direcionado para essa expansão. Não seria de equacionar alguma política fiscal que viesse realmente ajudar nesse sentido?

O vosso “policy brief“, este documento que foi feito para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, tem uma série de recomendações – algumas sobre as quais já falámos – qual delas é que considera que não está a ser seguida e que gostaria que fosse?
A que não está a ter sequência suficiente, diria eu, é aquela que tem uma preocupação maior com o setor da construção. Penso que esta questão da fiscalidade devia ser repensada e acho que devia haver alguma reflexão e algum estudo mais aprofundado sobre os aspetos fiscais ligados ao setor da construção, para que houvesse uma maior dinâmica das empresas para que elas se dirigissem para outros segmentos que não só o mais elevado. Para que as empresas que trabalham neste setor tenham o mesmo interesse em produzir casas no segmento mais baixo como têm no segmento mais elevado.

"O problema não se vai resolver de hoje para amanhã. O que me preocupa em termos de Orçamento para a habitação é que é um contributo mais de curto prazo e não parece haver indicações de que venha de alguma forma introduzir medidas que possam ajudar no médio e longo prazo. Não vejo nada neste Orçamento que esteja realmente direcionado para o aumento da oferta. Exceto a questão da habitação social, no programa Mais Habitação, mas para o mercado da habitação em geral não vejo aqui nada direcionado para essa expansão."
Paulo Rodrigues, professor da Nova SBE

O Governo decidiu interromper o regime dos residentes não habituais (RNH), considerando que já não faz sentido nesta fase. Existe uma perceção de que esse regime motivou um aumento muito grande da procura imobiliária e distorceu os preços. Os dados que obtiveram no estudo suportam esta perceção?
Eu acho que a questão da taxa para residentes não habituais tem vários aspetos que merecem ser discutidos: um deles é ser um bom incentivo para atrairmos mão de obra qualificada. Penso que esse é um aspeto ainda mais importante nos dias que correm uma vez que os nossos jovens, formados, qualificados, estão a emigrar. De alguma forma funciona como um atrativo para pessoas qualificadas. No estudo referimos que desde 2009, quando foi estabelecido o programa, julgo que tivemos cerca de 57 mil pessoas que entraram nesse programa, dos quais cerca de um décimo até são portugueses que estavam fora há algum tempo e regressaram a Portugal. Há que considerar o benefício fiscal que eles têm mas qual é o contributo que eles trazem para o país…

Mas é justo dizer que a presença destas pessoas, ou este programa, “distorceu os preços no mercado imobiliário”?
Eu diria que não só… É verdade que estas pessoas vieram e investiram, mas não creio que tenham sido os residentes não habituais que vieram trazer esta distorção para o mercado da habitação. Não creio que tenha sido isso. Eventualmente haverá outros fatores mais importantes que contribuíram para essa distorção…

Nomeadamente as compras por cidadãos internos?
Exatamente…

Se são 57 mil pessoas e se algumas até são portuguesas, como é que o programa poderá ter distorcido o mercado?
Eu acho que não podemos falar em distorção. Eu não acho que seja uma distorção. Claro que estas pessoas vieram investir, são pessoas com poder económico mais elevado, mas vão entrar em segmentos de mercado diferentes do português médio. Podem ter tido o tal efeito de contágio que referi, puxando todos os preços um pouco para cima, mas culpá-los a eles pelo aumento dos preços, acho que não…

E o fim dos vistos gold, acha que vai ter algum impacto nos preços?
Acho que vai ter ainda menos. O número de vistos gold foi relativamente baixo, para poder ter um impacto significativo nos preços da habitação.

"Eu acho que não podemos falar em distorção. Eu não acho que seja uma distorção. Claro que estas pessoas vieram investir, são pessoas com poder económico mais elevado, mas vão entrar em segmentos de mercado diferentes do português médio. Podem ter tido o tal efeito de contágio que referi, puxando todos os preços um pouco para cima, mas culpá-los a eles pelo aumento dos preços, acho que não..."
Paulo Rodrigues, professor da Nova SBE

Também temos uma maior restritividade no alojamento local, qual é a vossa apreciação sobre as medidas que vão afetar esse setor?
A questão da habitação é um problema importante para a sociedade em geral, mas não o podemos tratar em isolamento. Quero dizer que temos de ter consciência de que as medidas que nós impomos no mercado da habitação podem ter impactos negativos noutros setores. Nomeadamente a questão do alojamento local, claramente é um ponto importante porque é visto, por um lado, de uma forma negativa mas também teve aspetos positivos. Por exemplo, se pensarmos nos centros das cidades, em muitas zonas onde houve desenvolvimento de alojamento local houve reabilitação urbana. Há bairros que ficaram reabilitados devido ao aparecimento do alojamento local. Por outro lado, também é uma forma de muitas famílias extraírem algum rendimento do investimento que fizeram. Claro que tem aspetos negativos porque contribui para a gentrificação. Mas o alojamento local, em si, tem sido regulamentado e controlado em muitas cidades – e esse controlo passa pela regulamentação que é mais ou menos restritiva, dependendo da cidade, mas ao mesmo tempo por falta de fiscalização não tem o efeito prático que o regulador gostaria que tivesse. Mas também é importante considerar que, por exemplo, em Lisboa, o alojamento local tem um papel importante no setor do turismo. Nós referimos no estudo que cerca de 70% das camas disponíveis estão no alojamento local. Poderá ser importante haver alguma limitação, mas uma limitação controlada. A restrição tem de ser bem pensada e conciliada com os municípios, mas sempre tendo em atenção que o setor do turismo é um setor importante em Portugal. Há que ter em atenção se a restrição maior no alojamento local não poderá ter impactos negativos para o turismo e para uma fonte de receita muito importante para a nossa economia.

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A medida que esteve envolta em maior controvérsia é a possível utilização de casas consideradas devolutas para aumentar a oferta habitacional, considera que esta pode ser uma prática que fará diferença na oferta de casas?
Nós, no nosso estudo, não nos focámos muito nessa questão dos devolutos. Temos alguma dificuldade em saber o que é devoluto e, por outro, em saber o número de devolutos que existem. Daí a dificuldade que tivemos em incorporar essa dimensão no nosso estudo. Se o número de prédios devolutos que existe pudesse ser colocado no mercado, se fosse em número significativo, seria algo que podia ajudar na expansão da oferta. Claro que sim. Mas sendo devolutos tem de haver um estudo sobre qual será o investimento necessário para tornar o devoluto habitável, coisa que também não é algo que funciona de hoje para amanhã. Há de haver um projeto de construção, de licenciamento – é algo que não é uma medida de curto prazo, é uma medida que vai demorar algum tempo a ser implementada. Daí que, como dizia, fosse bom termos tido um programa que tivesse tido o maior consenso político possível porque esta questão pode vir a ser alterada facilmente no curto prazo.

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O Governo aprovou na semana passada nova legislação para simplificar os licenciamentos na construção. Há vários anos que o setor imobiliário se queixa da lentidão dos licenciamentos, estas são medidas que já deviam ter sido apresentadas há mais tempo?
Essa é uma questão importante. Inclusivamente, quando fizemos o nosso estudo, procurámos fazer alguma investigação junto das pessoas que estão ativamente no setor. E um dos aspetos que foram realçados várias vezes foi o tempo que demora a licenciar uma obra. Se pensarmos na rentabilidade de um projeto e imaginando que a construção da obra em si já leva algum tempo – se pensar que ainda vai ter de esperar mais um ano ou dois para licenciar o projeto, se não for mais, claramente que a rentabilidade poderá estar posta em causa. Acho que, de facto, havendo uma simplificação do licenciamento, penso que será bastante útil. E haver uma previsibilidade do resultado do licenciamento também me parece ser muito útil, porque antigamente havia alguma incerteza sobre se um dado projeto seria ou não aprovado. Nesse sentido, havendo um caderno de encargos que o promotor segue e que, de facto, esteja de acordo com os regulamentos estipulados pela câmara municipal penso que dificilmente haveria grandes objeções que pudessem impedir o licenciamento.

Mas, voltando à segunda parte da minha pergunta, porquê só agora, se o problema está identificado há tanto tempo?
Isso não lhe sei dizer.

"Cerca de 70% das camas disponíveis para turismo em Lisboa estão no alojamento local. A restrição tem de ser bem pensada, sempre tendo em atenção que o setor do turismo é importante para a economia."

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O estudo encontrou sinais de uma possível sobrevalorização dos preços da habitação em Portugal e em Lisboa e Porto veem períodos de exuberância. O novo contexto de taxas de juro elevadas pode gerar uma correção dos preços?
Nessa parte do estudo, o que fazemos é tentar ter em consideração um conjunto de variáveis que tipicamente são utilizadas para, de alguma forma, justificar a valorização dos preços da habitação. Procurámos usar variáveis como a taxa de juro, o volume de empréstimos, a formação bruta de capital fixo, o rendimento disponível e a taxa de desemprego. Isto para balizar, de alguma forma, a evolução. Este modelo permite visualizar se, de facto, os preços estão a evoluir de acordo com a evolução daqueles determinantes ou não. E o que nós constatámos é que, desde 2017, a evolução dos preços excede a evolução desses determinantes. De alguma forma, os determinantes clássicos da evolução dos preços da habitação já não justificavam a evolução que estávamos a observar. Claro que o modelo está um pouco incompleto no sentido em que, dada a falta de informação, não tínhamos incorporado ainda os aspetos do turismo nem o investimento estrangeiro. Isso foi um dos aspetos que notámos, mas utilizando uma abordagem mais simplista, olhando só para o preço da habitação, o problema da exuberância tem-se vindo a constatar desde 2017. O que nós procurámos fazer neste policy brief foi uma atualização dessa análise uma vez que, no estudo anterior, só tínhamos dados até 2019, ou seja excluía um período interessante que foi o período da pandemia de Covid-19 e excluía, também, o período recente do aumento das taxas de juro e da inflação. E o que constatámos é que durante a pandemia os preços da habitação não sofreram grande coisa…

Continuaram a subir…
Continuaram a subir, uma vez que os rendimentos também acompanharam. Apesar de termos tido uma queda bastante substancial do PIB o rendimento disponível das famílias manteve-se – porque tivemos os programas públicos de apoio ao rendimento, que conseguiram manter os rendimentos.

E as taxas de juro ficaram ainda mais baixas…
E as taxas de juro continuaram baixas, sim. Já no período seguinte, quando começámos a observar o aumento da inflação, houve uma ligeira alteração. Nota-se claramente um abrandamento, porque neste caso não há tantas políticas de apoio ao rendimento, há o aumento da inflação que vai impactar as decisões de consumo das famílias e há o aumento das taxas de juro que também vai impactar o consumo das famílias. Portanto notamos que há aqui claramente um abrandamento dos preços, mas continuam a subir.

E daqui para a frente?
Daqui para a frente é difícil dizer, porque de acordo com a situação que temos e a análise que fizemos, não havendo um aumento de oferta significativo julgo que os preços não vão baixar muito. Julgo que os preços vão continuar nesta trajetória ascendente, mesmo que seja mais moderada, mas vão continuar mais alguns anos.

"Há aqui claramente um abrandamento dos preços, mas continuam a subir. Daqui para a frente é difícil dizer, porque de acordo com a situação que temos e a análise que fizemos, não havendo um aumento de oferta significativo julgo que os preços não vão baixar muito. Julgo que os preços vão continuar nesta trajetória ascendente, mesmo que seja mais moderada, mas vão continuar mais alguns anos."
Paulo Rodrigues, professor da Nova SBE

O estudo mostra que quase 30% das famílias têm mais do que uma habitação, de acordo com os dados mais recentes. Dos que têm mais do que uma habitação, só uma fração – menos de 15% – arrenda qualquer uma das suas casas. O mercado de habitação em Portugal tem uma concentração penalizadora para o acesso?
Naquele primeiro estudo que fizemos tem lá o primeiro capítulo, escrito pelo Pedro Brinca e pelo João Duarte, em que eles fazem uma comparação desse aspeto: fazem uma análise sobre a percentagem de famílias que têm segunda habitação em Portugal e na Europa. E, portanto, constatam que a percentagem de famílias que arrendam uma segunda habitação é muito superior na Europa do que em Portugal. Em Portugal há alguma resistência a arrendar a segunda habitação. Em parte, pelo menos pelo que nós temos constatado, penso que tem a ver com a questão de o mercado de arrendamento não ter o funcionamento que nós desejaríamos que tivesse. É um mercado que tem muita incerteza, é um mercado que dificulta a rentabilidade do investimento – porque enquanto senhorio não tenho as mesmas seguranças que tem quem me arrenda a casa – e portanto aí, eventualmente, hesito pôr a minha casa para arrendamento porque não tenho as seguranças para garantir que a casa continua a ser mantida em bom estado, continuo a retirar o rendimento que espero retirar da casa. Se por acaso os meus inquilinos não pagarem, tem de haver aqui mecanismos que protejam a mim e a eles, naturalmente. Penso que é isso que ainda falta, um pouco, no nosso mercado. Tipicamente o mercado de arrendamento em Portugal continua a ser um mercado constituído praticamente só por particulares, que põem casas no mercado para arrendamento, não temos grandes investidores no mercado de arrendamento.

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