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MARIO CRUZ/LUSA

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Hospitais com gestão público-privada: valem a pena?

É uma questão que vale 447 milhões, o custo das parcerias público-privadas na Saúde em 2017. Mas será que o Estado ganha mesmo com este modelo? E como? As respostas num ensaio de Mário Amorim Lopes.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento. Este ensaio foi publicado originalmente a 21 de agosto de 2018 e é agora reeditado com nova informação a propósito da polémica sobre a PPP de Braga.

A actual ministra da Saúde, Marta Temido, referiu em declarações recentes que a gestão do Hospital de Braga poderá voltar à esfera pública em Setembro de 2019, quando terminar o contrato com a José de Mello Saúde. Isto sucede porque, também segundo a ministra, “o Estado desafiou a actual gestão a continuar a gerir o hospital e o que nos foi dito é que perante as condições não queriam”.

O que justificará esta indisponibilidade? O que está em causa, a crer numa auditoria do Tribunal de Contas e em declarações públicas da José de Mello Saúde, é a alteração dos termos do contrato pela Entidade Pública Contratante, isto é, pelo Estado, quanto à remuneração dos medicamentos cedidos a doentes com HIV/sida ou com esclerose múltipla. Ao contrário do que é prática nos hospitais EPE, em que os programas de gestão de doença crónica são financiados pelo Estado de forma suplementar ao contratualizado, o contrato-programa da PPP de Braga não previa a remuneração destes encargos. Até 2015, inclusive, foram celebrados protocolos adicionais para remunerar a produção decorrente da prestação de cuidados de saúde a estes pacientes. A partir de 2016, estes contratos não foram renovados, sendo assim um encargo que o próprio hospital tem de assumir, pois não pode, ao abrigo da Constituição, negar acesso aos cuidados de saúde. Estima-se que estes casos representem cerca de 8 milhões de euros anuais para o Hospital de Braga, situação que o próprio Tribunal de Contas admoesta.

Este montante não é insignificante. De acordo com a Demonstração de Resultados que figura no Relatório e Contas de 2017 do Hospital de Braga, o hospital apresentou um EBITDA de cerca de 2 milhões de euros (correspondendo a uma margem de cerca de 1.37%) e um resultado líquido negativo de 4.9 milhões de euros, um efeito, também, da indisponibilidade do Estado para renovar o financiamento dos programas verticais (que garante o tratamento de doentes com HIV e esclerose múltipla). Esta indisponibilidade é algo extemporânea, pois os restantes hospitais EPE têm financiamento dos programas verticais assegurado pela ACSS, e um hospital PPP integra o SNS e presta serviço público nos mesmos termos que qualquer hospital EPE.

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Compreender-se-ia esta (falta de) tomada de posição se o Hospital de Braga fosse um encargo para o Estado, não servindo convenientemente a sua população — o que está longe de ser o caso. O Hospital de Braga figura no primeiro lugar no benchmarking do SNS, apresentando o custo por doente-padrão mais baixo do seu grupo; de acordo com os resultados do Sistema Nacional de Avaliação em Saúde da Entidade Reguladora da Saúde, o Hospital de Braga é o único hospital a atingir o nível máximo de excelência em oito áreas clínicas, sendo considerado o melhor do país pela mesma entidade; e, finalmente, o Hospital de Braga é o exemplo de uma parceria PPP bem sucedida, que garante poupanças ao Estado de mais de 30 milhões de euros/ano. Perante isto, é de certa forma surpreendente a indiferença com que o tema é discutido. Até porque, como vimos no caso do CMFRS, a devolução de uma PPP à esfera pública representou uma deterioração assinalável dos seus indicadores.

O contexto de um debate político

Uma Parceria Público-Privada (PPP) tem vários objectivos, mas o seu principal desiderato é transferir o risco e a incerteza de uma operação para uma entidade privada, que o assume, assim como potenciais ganhos ou perdas. Ou seja, as PPP servem para proteger o Estado de elevados riscos financeiros. Colocado de uma forma simples, as PPP são uma solução chave-na-mão: o Estado define um caderno de encargos com todas as obrigações legais, resultados e penalizações em caso de incumprimento a que o adjudicatário estará sujeito. Por sua vez, o adjudicatário assegura a gestão plena, sendo financiado em função de resultados e estando sujeito a penalizações em caso de incumprimento de indicadores de produtividade. Ao Estado compete apenas monitorizar a execução do contrato, assegurando que é escrupulosamente cumprido. E, em caso de incumprimento, o Estado pode renunciar ao contrato.

Isto é a teoria. E na prática? Se perguntar a um cidadão português o que acha das Parcerias Público-Privadas, o mais provável é ouvir um comentário reprovador. Para isto contribuiu o historial de PPP ruinosas que foram celebradas entre o Estado Português e entidades privadas no âmbito das concessões rodoviárias. Muitas dessas PPP configuram rendas garantidas ao sector privado, e questiona-se, no âmbito de processos políticos e judiciais que decorrem, se não existiria um interesse objectivo de lesar o Estado por parte daqueles que o representavam — o que configuraria crime. Mas como o modelo das PPP não foi uma invenção portuguesa, existem também casos em sentido inverso. Um exemplo sobejamente conhecido: o túnel do Canal da Mancha, ligação ferroviária subterrânea de 50 quilómetros que une a França ao Reino Unido, foi contratualizada num modelo PPP, tendo sido concessionada a uma entidade privada, a Eurotunnel. Desta forma, a Eurotunnel assumiu o elevado investimento, podendo depois beneficiar dos potenciais lucros que adviriam do fluxo de passageiros e de mercadorias. Ocorre que a Eurotunnel fez mal as contas, e faliu – análises subsequentes referem que a construção do próprio túnel, em primeira instância, foi um erro.

A experiência das PPP em Saúde, à data, não se equipara nem às PPP rodoviárias nem à PPP do Canal da Mancha. Pelo contrário, são vistas geralmente como uma implementação bem-sucedida deste modelo, do qual todos beneficiaram – Estado, privados e cidadãos. Ou seja, a percepção dominante é a de que os três grandes objectivos das PPP em Saúde foram cumpridos: permitir a construção de novos hospitais sem derrapagens temporais e orçamentais; assegurar custos operacionais mais baratos do que se operados pelo Estado; e, decorrente disto, permitir alcançar ganhos de eficiência e poupança para o Estado.

Seja por motivos ideológicos, seja por críticas aos modelos de gestão por privados, o facto é que as PPP permanecem uma das principais trincheiras de combate político no sector da Saúde.

Contudo, isso não tem travado o aparecimento de críticas no debate político, nomeadamente as lideradas por António Arnaut e João Semedo, ambos desaparecidos recentemente e ambos protagonistas principais do combate à participação de privados no Serviço Nacional de Saúde. Como tal, são várias as iniciativas legislativas apresentadas pelos partidos da esquerda parlamentar que, de forma directa ou indirecta, visam reverter as PPP em Saúde. A leitura é óbvia: seja por motivos ideológicos, seja por críticas aos modelos de gestão por privados, o facto é que as PPP permanecem uma das principais trincheiras de combate político no sector da Saúde — e sem que o bem-estar e a saúde dos pacientes seja necessariamente a principal preocupação.

O debate político torna oportuna a questão: afinal, passados mais de 15 anos desde a sua concepção pelo então ministro da Saúde, Correia de Campos, qual é o balanço possível das PPP em Saúde? Este ensaio tenta responder a essa questão e sustentar em evidências um debate que, demasiadas vezes, surge construído por preconceitos.

As PPP em Saúde: a origem e o futuro

O modelo de governança dos hospitais públicos sofreu grandes alterações desde a primeira referência ao Estatuto Hospitalar, datada de 1968 (Decreto-Lei n.º 48357/68 de 27 de Abril, Art.º 35). Numa fase inicial, os hospitais tinham uma figura jurídica semelhante à de outras instituições públicas, estando enquadrada no Sector Público Administrativo. Este modelo, pela sua natureza não-empresarial, padecia de fortes limitações: por um lado, a total falta de autonomia na gestão corrente; por outro, a inexistência e ineficácia, mesmo quando existiam, de indicadores de gestão e de controlo da produção hospitalar, o que se reflectia numa elevada ineficiência e em custos elevados.

Posteriormente, e na senda do New Public Management, foram criadas duas novas figuras jurídicas, os hospitais Sociedades Anónimas (SA) e os hospitais do Sector Empresarial do Estado (EPE), que tinham a empresarialização dos hospitais em vista. O objectivo era dotar os hospitais dos mecanismos e das condições humanas e logísticas para implementar boas práticas oriundas da gestão privada, que melhorassem a produtividade e a eficiência no uso dos recursos e que permitisse a introdução de incentivos financeiros e a monitorização de resultados. Os hospitais SA, que eram sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, tiveram vida curta. O modelo padecia, e padece, de um incentivo económico fundamental para o seu bom funcionamento: a possibilidade de falência. Dado que existia sempre um garante de financiamento de último recurso — o Estado —, não estavam totalmente alinhados os incentivos à gestão eficiente dos recursos.

Os hospitais SA, que eram sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, tiveram vida curta. O modelo padecia, e padece, de um incentivo económico fundamental para o seu bom funcionamento: a possibilidade de falência.

Por sua vez, os hospitais EPE, figura jurídica que surge em 2002, perduraram. Pese embora serem estabelecimentos públicos, estão dotados de personalidade jurídica, têm autonomia administrativa, financeira e patrimonial, assim como natureza empresarial. Sofrem, contudo, de alguns dos problemas que afectam os hospitais SA: grande parte dos recursos humanos é contratado à luz do direito público, o que limita fortemente a gestão, pois está sujeita à tutela do Ministério da Saúde (e, implicitamente, à das Finanças). E os hospitais têm um orçamento, mas podem endividar-se, significando que a dívida é um instrumento de gestão corrente, o que eleva fortemente a exposição do Estado ao risco financeiro. Não por acaso, uma das principais medidas da troika foi incorporar as dívidas dos hospitais EPE no perímetro das Administrações Públicas, pois essa dívida estava por contabilizar.

O modelo PPP, desenhado em 2001, procura justamente colmatar estas limitações. Os hospitais continuam a fazer parte do sector público, mas a sua gestão é privada e à luz do direito privado. Significa isto que existe total autonomia na gestão corrente do hospital, o que inclui a contratação de profissionais de saúde, negociação com fornecedores, etc. Por outro lado, o modelo PPP limita a exposição do Estado ao risco financeiro, pois o endividamento não o onera. Como tal, a única competência do Estado é elaborar e monitorizar a execução dos cadernos de encargos a que os prestadores estarão sujeitos.

O Hospital de Loures é um dos exemplos de Parcerias Público-Privadas na Saúde

Embora sejam geralmente noticiadas como sendo quatro, existem actualmente oito PPP na Saúde. São elas a do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, sob a alçada clínica do grupo Luz Saúde; a do Hospital de Braga, cuja gestão clínica está entregue ao grupo José de Mello Saúde; a do Hospital de Cascais Dr. José Almeida, sob a tutela do grupo Lusíadas Saúde; e, finalmente, a do Hospital de Vila Franca de Xira, também entregue ao grupo José de Mello Saúde. Cada um dos destes quatro hospitais em regime PPP tem, em boa verdade, duas PPP associadas. Uma para a gestão do edifício hospitalar, responsável pela construção e pela manutenção do mesmo; e outra para a gestão clínica e para a prestação de cuidados de saúde.

A separação visava evitar que os candidatos apresentassem projectos hospitalares megalómanos para ganharem a proposta, projectos esses que implicariam uma elevada despesa de capital, mas que posteriormente poderiam ser compensados com uma redução da despesa corrente na gestão clínica, o que poderia ter implicações na qualidade da prestação dos cuidados de saúde. Assim, com a separação, a análise de risco tanto da entidade gestora do estabelecimento como da entidade gestora do edifício é independente, e os cadernos de encargos podem ter exigências distintas.

Mais recentemente, tem-se discutido a celebração de uma segunda vaga de hospitais em regime PPP. Esta segunda vaga, contudo, difere da primeira: apenas a construção e manutenção do edifício é entregue ao sector privado, ficando a gestão clínica a cargo do Estado. O actual Governo aprovou a construção do novo Hospital de Lisboa Oriental neste regime, que deverá abrir portas em 2023. Outros hospitais, que também estava previsto serem contratualizados em regime PPP, ficaram em suspenso com o programa de intervenção da troika.

Os números das PPP em Saúde

Ao todo, cerca de 1.618 camas de internamento, 35 salas de bloco operatório e 169 gabinetes de consulta externa estão em regime de PPP. De todos, o Hospital de Braga é claramente o maior, sendo também responsável por uma área populacional mais vasta. Isto significa que os privados investiram cerca de 460 milhões de Euros em hospitais novos, sendo que o investimento mais avultado foi o de Hospital de Braga, no valor de 160 milhões de Euros, seguido do Hospital de Loures, no valor de 115 milhões de Euros.

Tudo isto tem forçosamente um custo. Em 2017, as oito PPP representaram um custo de cerca de 447 milhões de euros, valor que tem vindo a crescer ao longo dos anos. Em 2013, cifrava-se nos 401 milhões de euros, mas, em 2018, estima-se que chegue aos 471 milhões de euros. Colocado em perspectiva, estes 447,5 milhões de euros representam apenas uma parcela de 5,1% de todo o Orçamento do Estado alocado à saúde (8.757 milhões de euros; exclui a dívida em atraso dos hospitais EPE, no valor de 750 milhões em junho de 2018).

Deste cômputo, o Hospital de Braga tem a maior fatia da despesa, cerca de 42%, o que é explicado pelo seu nível de produção, que ultrapassa em larga medida os restantes. Segue-se o Hospital de Loures, com 22%, e os Hospitais de Cascais e de Vila Franca de Xira, ambos com 18%. Importa também referir que, destes encargos totais com PPP em Saúde, 16% são para a manutenção e gestão dos edifícios e 84% são para a gestão clínica, que inclui a prestação de cuidados de saúde, com tudo o que isso implica: salários dos profissionais de saúde, incluindo médicos e enfermeiros; aquisição e manutenção de máquinas de exame e diagnóstico; aquisição de consumíveis clínicos, medicamentos e economato, etc.

Os benefícios e poupanças das PPP em Saúde

Na retórica de alguns partidos, a questão acaba no ponto anterior: as PPP custam-nos 450 milhões de euros, são uma renda para os privados, e urge acabar com elas. Uma análise menos dogmática implica tentar perceber também que benefícios aportam estes 450 milhões de euros.

A forma mais directa de avaliar os eventuais benefícios é tentar perceber o que seria possível fazer com estes 450 milhões de euros quando injectados num hospital público. Em particular, se seria possível obter uma maior produção, uma menor produção ou uma produção idêntica. O que nos diz a teoria? Que, por um lado, o Estado pode beneficiar de ganhos de eficiência, que decorrem das boas práticas da gestão privada e de estes não estarem sujeitos a uma teia jurídica do código de contratação pública (que gera uma enorme entropia no sistema), nem sujeitos às imposições do Ministério das Finanças. A teoria diz também que pode beneficiar de ganhos decorrentes de uma melhor alocação de risco, pois uma má análise de risco implicaria altos prejuízos para a entidade privada e, no limite, a sua falência (vide caso da PPP do Canal da Mancha). Por outro lado, não esquecer que o Estado incorre num custo com a PPP, pois o operador privado cobra uma margem pela prestação do serviço; e, finalmente, incorre também num custo de financiamento mais elevado, dado que o operador privado assume o risco e cobra, como tal, um prémio de risco.

Explicada a teoria, importa agora saber o que nos mostra a evidência. Um estudo da Católica Lisbon School of Business & Economics, coordenado pelo professor Ricardo Ferreira Reis, procurou perceber isso mesmo. Para tal, comparou o custo de prestar os mesmos cuidados de saúde num hospital em regime PPP, neste caso nos hospitais de Braga e de Cascais, e nos seus equivalentes do sector público. Dadas as enormes diferenças que existem entre hospitais e as populações servidas, existe um grupo de referência, estabelecido pelas administrações de Saúde (neste caso pela ARS), onde cada hospital se integra. Por exemplo, o Hospital de Braga, pela sua tipologia e pela população servida, compara com o Centro Hospitalar Tondela Viseu, com o Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro ou com o Hospital Garcia de Orta em Almada. Não faria sentido comparar, por exemplo, com o Centro Hospitalar S. João, que tem mais valências e para onde são referenciados os casos mais complicados.

Para esta análise teve-se em linha de conta cinco áreas da produção hospitalar: internamento (médico e cirúrgico); cirurgia em ambulatório; hospital de dia; consultas externas e urgência. Estas linhas de produção são depois agregadas recorrendo ao conceito de doente-padrão, ou índice de case mix, que garante a comparabilidade da produção hospitalar. Garante, por exemplo, que se está a comparar uma cirurgia ao miocárdio efectuada no mesmo tipo de paciente, evitando assim que se compare uma criança saudável com um idoso com comorbidades (pessoa com múltiplas doenças associadas).

Hospital de Braga. Com base nisto, e olhando para 2015, por exemplo, o Hospital de Braga apresentou encargos médios por doente-padrão de 2.158 euros. Para sabermos se este valor é baixo ou elevado, comparamos seguidamente com os custos por doente-padrão dos hospitais de referência, i.e., os hospitais públicos que comparam com o Hospital de Braga. No caso do CH Tondela Viseu, o custo por doente-padrão foi de 2.445 euros, no CH de Trás os Montes e Alto Douro foi de 2.934 euros e no caso do Hospital Garcia da Orta foi de 2.689 euros. Ou seja, o custo dos tratamentos prestados no Hospital de Braga é inferior ao custo desses mesmos tratamentos prestados no sector público. Quando anualizamos estes resultados verificamos que só em 2015 o Estado terá poupado 44,1 milhões de euros com a PPP do Hospital de Braga. A poupança acumulada de 2011 a 2015 seria, assim, de 159,4 milhões de euros, pois o Hospital de Braga apresenta consistentemente custos por doente-padrão mais baixos, como é passível de se ver na tabela seguinte.

Recorrendo ao site de benchmarking da ACSS é possível verificar que, para os dados mais recentes, que reportam a Novembro de 2017, o Hospital de Braga continua a ser o mais eficiente, quando medido em custo por doente-padrão, dentro do seu grupo de referência (nesta análise não estão incluídos, no caso do Hospital de Braga, os custos de manutenção da infraestrutura, que rondarão os 2-4% dos custos operacionais). Neste caso, apresenta um custo por doente-padrão de 2 124€, que é inferior ao custo por doente-padrão registado para o segundo melhor, o Hospital Garcia da Orta, que é de 2 729€ por doente-padrão. Registe-se também que o Hospital de Braga tem vindo a apresentar uma tendência decrescente nos custos por doente-padrão, o que sugere que têm sido introduzidas melhorias de eficiência ao longo dos tempos.

Hospital de Cascais. De acordo com o mesmo estudo, o Hospital de Cascais também parece gerar poupanças significativas comparativamente com o seu hospital de referência, o Centro Hospitalar Cova da Beira. Mais especificamente, o custo por doente-padrão, em 2015, foi de 2.470 euros, bem abaixo dos 3.444 euros do seu equivalente no sector público. Quando analisado o valor acumulado para o período 2012 a 2015, trata-se de uma poupança de 24%, ou de 70 milhões de euros para o Estado. De forma análoga ao Hospital de Braga, estes custos têm vindo a decrescer ao longo dos anos, em contracorrente com os custos por doente-padrão nos hospitais públicos, que têm vindo a aumentar.

A Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos (UTAP) do Ministério das Finanças chegou a valores não muito distintos destes. De acordo com a metodologia da UTAP, o Hospital de Cascais terá permitido poupar ao Estado, ao longo de cinco anos de operação, cerca de 40 milhões de euros. De acordo com este mesmo estudo, e tal como noticiado neste artigo do jornal Público, a PPP de Cascais apresentou vantagens do ponto de vista financeiro, de eficiência e de eficácia na prestação de cuidados de saúde. O grupo técnico conclui mesmo que os encargos com a PPP de Cascais foram “inferiores aos custos que o Estado português suportaria com a actividade de gestão clínica, caso essa tivesse sido operada em gestão pública”.

A UTAP é ainda mais contundente no seu estudo. Para ilustrar o potencial impacto de retornar uma PPP à esfera pública dá o exemplo do Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul (CMFRS), que após a devolução ao sector público apresentou uma degradação expressiva dos seus resultados: uma queda de 43% nos internamentos.

Num outro estudo, uma auditoria do Tribunal de Contas, datada de 2013, considerava então que não existiam evidências de que a opção pelo modelo PPP gerava valor acrescentado face ao modelo de contratação tradicional, pois parecia existir uma subestimação dos encargos e um «optimismo excessivo» nas previsões dos encargos. Cinco anos volvidos, a evidência parece indicar que o modelo PPP gera value for money. Não obstante esta abordagem cautelosa do Tribunal de Contas, este refere que existe efectivamente um maior controlo dos encargos públicos com as PPP, pois o contrato-programa imputa e delimita a despesa.

Um estudo da Entidade Reguladora da Saúde procura analisar as PPP sob quatro vertentes: eficiência, eficácia, qualidade e custos regulatórios. Do ponto de vista de eficiência, o estudo indica que os hospitais PPP são "globalmente eficientes", em particular os hospitais de Braga e de Cascais.

Finalmente, um estudo da Entidade Reguladora da Saúde procura analisar as PPP sob quatro vertentes: eficiência, eficácia, qualidade e custos regulatórios. Do ponto de vista de eficiência, o estudo indica que os hospitais PPP são “globalmente eficientes”, em particular os hospitais de Braga e de Cascais. No entanto, a ERS sugere também que não existe ainda evidência de que os hospitais PPP sejam, em média, mais eficientes do que os EPE. No que concerne à eficácia, os resultados são mistos. Se, por exemplo, no caso das cirurgias os hospitais em regime PPP parecem ter uma capacidade de resolução superior à média dos hospitais não PPP, no caso da capacidade de internamento os resultados são os opostos, pese embora nenhum destes resultados ser estatisticamente significativo.

E, afinal, as PPP em Saúde valem a pena?

Os principais objectivos das PPP da Saúde, elencados anteriormente, foram integralmente cumpridos, pelo menos até à data. A saber: a construção de novos hospitais decorreu dentro do tempo; não existiram derrapagens financeiras significativas na execução da obra; os hospitais apresentam um custo operacional mais baixo do que o seu Custo Público Comparado; e, finalmente, os hospitais em regime PPP apresentam ganhos de eficiência e uma poupança significativa para o Estado. Importa, contudo, dar nota de que os contratos PPP têm uma duração de dez anos para a infraestrutura e de 30 anos para a gestão clínica (renovados a cada dez anos), pelo que só no fim destes prazos é que se poderá fazer uma análise rigorosa e perceber se os hospitais em regime PPP são efectivamente value for money para o Estado. Não obstante, podemos enumerar já algumas ideias-chave que parecem consensuais:

Ideia-chave 1. Ao contrário das outras PPP, nomeadamente no sector rodoviário, as PPP da Saúde foram bem desenhadas e contratualizadas, garantindo que o risco fica efectivamente do lado do sector privado. Não coincidentemente, os privados incorreram em elevados prejuízos nos primeiros anos de gestão das PPP, só tendo alcançado recentemente rentabilidades positivas.

Ideia-chave 2. As PPP geraram poupanças consideráveis ao Estado. Usando o Custo Público Comparável, verificam-se poupanças de mais de 20%, o que representa uma poupança acumulada de centenas de milhões de euros no Orçamento do Estado. Ou seja, a mesma prestação de cuidados de saúde em regime PPP fica mais barata ao Estado.

Ideia-chave 3. Os encargos com as PPP da Saúde aumentaram não porque tenha havido renegociação dos contratos ex-post ou cláusulas indemnizatórias suspeitas, como no caso das PPP rodoviárias, mas porque a produção aumentou. Em todos os hospitais em regime PPP, o número de doentes-padrão tem aumentado todos os anos, embora o custo por doente-padrão tenha diminuído.

Ideia-chave 4. Aqueles que acusam o Estado de esbanjar centenas de milhões de euros em PPP em Saúde esquecem-se do que esses milhões permitem fazer. Até à data, permitiram ao Estado obter poupanças significativas e ainda desonerar-se do risco financeiro, que se reflecte na galopante dívida dos hospitais EPE e, em última análise, no Orçamento do Estado — ou seja, no bolso de todos nós. Perante isto, não existe ainda evidência de que o modelo PPP seja, de forma absoluta, superior ao EPE, mas também há pouca ou nenhuma evidência que sustente a cessação dos contratos PPP actuais e a sua devolução à esfera pública. Excepto, claro, o dogmatismo ideológico, que não carece de evidência.

Mário Amorim Lopes é Professor Auxiliar Convidado na Universidade do Porto, Assistente Convidado na Católica Porto Business School, Investigador no INESC-TEC, membro do Parlamento da Saúde, doutoramento na área de Gestão e Economia da Saúde.

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