A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) justifica a exclusão de responsabilidades financeiras dos ex-governantes que deram autorização à TAP para pagar meio milhão de euros a Alexandra Reis com base num decreto-lei de 1933. Esta disposição do diploma do tempo do Estado Novo ainda é aplicável por força da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) no artigo 61.º que determina em que condições é que os membros do Governo e das autarquias podem ser chamados a assumir responsabilidade civil e criminal. E é este artigo que remete para os números 1 e 3 do artigo 36.º do Decreto n.º 22 257, de 25 de fevereiro de 1933.
O Observador questionou a IGF, via Ministério das Finanças, sobre eventuais responsabilidades do ex-ministro das Infraestruturas e o seu secretário de Estado — Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes — e de membros do seu gabinete por terem dado a autorização para a TAP tomar uma decisão que veio a ser declarada nula por incumprimento de vários normativos. Esta decisão envolveu alegados ilícitos financeiros sancionáveis pelo Tribunal de Contas — considerando-se ter havido incumprimento de normas legais — pelos quais irão responder a presidente executiva da TAP o presidente do conselho de administração.
Quer Pedro Nuno Santos, quer Hugo Mendes afirmam, nas explicações dadas nesta auditoria, terem confiado na avaliação legal feita pela TAP e pelos seus assessores jurídicos, defendendo que não lhes competia avaliar ou validar essa legalidade antes de dar luz verde à decisão. Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja assinaram pela empresa o acordo de rescisão com Alexandra Reis. Os dois antigos governantes, que já assumiram a responsabilidade política do caso com a sua própria demissão no final de 2022, não são visados nesta auditoria pelas matérias que levaram ao processo de destituição por alegada justa causa da presidente executiva da TAP e do presidente do conselho de administração.
Nas respostas enviadas ao Observador através do Ministério das Finanças, a IGF sublinha “que a intervenção dos referidos ex-membros do Governo, tendo sido baseada na informação prestada pela CEO (presidente executiva), pressupondo a sua conformidade legal, integra o disposto no n.º 1 do artigo 36.º do Decreto n.º 22257, de 25 de fevereiro de 1933, aplicável por força do n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC, ou seja, no caso em apreço, só existiria eventual responsabilidade financeira caso os mesmos não tivessem “ouvido as estações competentes ou quando esclarecidos por estas em conformidade com as leis, [tivessem] adotado resolução diferente”.
“Dito de outra forma, a responsabilidade financeira dos membros do Governo apenas existe “quando sejam devidamente informados pelos serviços e atuem de forma diversa”.
A IGF esclarece ainda que neste caso entende que as “estações competentes” referidas no diploma de 1933 são “a própria TAP e a resposta fornecida pela própria Christine Ourmières-Widener” que nesta auditoria se queixou de não ter sido ouvida diretamente.
Para reforçar esta interpretação, a IGF remete em nota de rodapé para um paper de Nuno Cunha Rodrigues, jurista que esta semana foi nomeado para a presidência da Autoridade da Concorrência, sobre a responsabilidade financeira de titulares de cargos políticos num seminário realizado pelo Tribunal de Contas.
A IGF reconhece a “informalidade” (troca de mensagens) no processo de transmissão da concordância dada à TAP por parte de Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes sobre o montante acordado, mas considera que “parece evidenciado, com base em pressupostos de conformidade legal de tais atos, transmitidos pela CEO, a eng. CW [Christine Widener] — decorrente do acompanhamento jurídico que a administração cessante e a TAP tenham recorrido — que não terão sido objeto de confirmação por parte do anteditos ex-membros do Governo”.
CEO da TAP não compreende como os representantes do Governo não suscitaram o tema
A própria CEO da TAP, no seu contraditório, diz não compreender (nem aceitar) que os temas suscitados na auditoria da IGF “não tenham sido invocados por nenhum dos envolvidos”, apontando também na direção dos “representantes do Governo que, desde o início, estavam ao corrente do processo, intervieram em momentos decisivos do mesmo e deram a sua anuência à conclusão alcançada”.
Já esta semana, o Observador tinha questionado o Ministério das Infraestruturas sobre o papel desempenhado pela então chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos que atualmente é chefe de gabinete do secretário de Estado das Infraestuturas, Frederico Francisco.
Segundo a IGF, Maria Antónia de Araújo participou numa reunião por Teams com a presidente da TAP onde foram discutidas as condições da proposta apresentada por Alexandra Reis à TAP no quadro da negociação que resultou no acordo que veio a ser considerado inválido pela IGF. Maria Antónia de Araújo também recebeu por mail a proposta com o valor final que foi enviada ao então secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes. Foi numa troca de mensagens da rede WhatsApp entre os dois e o ministro que Pedro Nuno Santos deu o seu aval ao valor de meio milhão de euros pagos a Alexandra Reis, como já revelou o próprio.
O ministério comandado por João Galamba, e citando o relatório da auditoria, lembra que não existe “evidência do conhecimento destes sobre o teor, em concreto, do clausulado do acordo que viria ser outorgado.” Refere a mesma fonte que o “e-mail enviado pela CEO da TAP, datado de dia 02/02/2022 (disponível no Anexo 11 do relatório da IGF), verte matérias abordadas na reunião do dia anterior, 01/02/2022. Ou seja, quer na reunião, quer no e-mail apenas foram tratadas informações relativas aos montantes que estavam em consideração para consolidar a quantia indemnizatória final”.
Já esta quinta-feira, o ministro das Infraestruturas qualificou de “falhas graves” as irregularidades apontadas aos gestores da TAP, nomeadamente o incumprimento de normas. “O Governo está confiante no rigor do relatório da IGF. A IGF identificou falhas graves que constituem, nos termos do estatuto do gestor público e até do contrato assinado, razão suficiente para a demissão com justa causa”.