Uma jogada política de alto risco. Ao apresentar a sua demissão do governo espanhol para concorrer às eleições autonómicas em Madrid, Pablo Iglesias, líder do Unidas Podemos, tenta evitar que o seu partido fique sem representação eleitoral e abre a porta à sua sucessão, ao mesmo tempo que tenta pacificar o governo espanhol no curto prazo.
O abraço entre Pedro Sánchez e Pablo Iglesias em novembro de 2019, quando PSOE e Unidas Podemos quebraram o impasse e chegaram a acordo para a formação do governo, nunca pôs verdadeiramente fim aos conflitos entre o presidente e o vice-presidente do governo espanhol, que se tratavam mais como inimigos do que como aliados da mesma área política. Por isso, uma das primeiras consequências da saída de Iglesias parece ser o aliviar da tensão no Palácio da Moncloa.
As recentes discordâncias públicas em relação aos protestos contra a detenção do rapper Pablo Hasél, ou à postura do governo em relação ao independentismo catalão ou ao rei emérito Juan Carlos, vieram agudizar as divergências entre Sánchez e Iglesias. E, numa Espanha politicamente instável, muito se falava de uma possível cisão entre PSOE e Unidas Podemos. Iglesias, no entanto, antecipou-se.
Pablo Iglesias abdica de lugar como vice de Sánchez para concorrer a Madrid
“Iglesias sente que o seu tempo dentro do governo acabou. Enquanto vice-presidente do governo, sofreu um enorme desgaste e a sua continuidade poderia levar a uma crise e precipitar o fim da legislatura. Antes que Sanchez fosse obrigado a convocar novas eleições, Iglesias tomou a iniciativa e teve uma saída digna”, sublinha ao Observador Juan Rodríguez Teruel, professor de Ciência Política na Universidade de Valência.
A manobra arriscada do líder do Unidas Podemos já estaria a ser preparada há algum tempo, mas Iglesias aproveitou uma visita de Pedro Sánchez a França para lançar a bomba política e anunciar que vai desafiar Isabel Díaz Ayuso nas eleições autonómicas de Madrid, marcadas para 4 de maio, publicando um vídeo nas suas redes sociais a justificar a sua decisão poucos minutos depois de a ter comunicado ao presidente do governo de Espanha.
— Pablo Iglesias ????{R} (@PabloIglesias) March 15, 2021
“Desejei-lhe sorte, mas um pouco menos de sorte do que a que desejo ao candidato socialista [às eleições autonómicas] Ángel Gabilondo”, disse Pedro Sánchez, citado pelo El País, quando questionado sobre a saída de Iglesias do seu governo, realçando que “estava satisfeito com este governo de coligação”.
As palavras cordiais de Sánchez, no entanto, esbarram na tensão evidente no seu relacionamento com Iglesias, uma inimizade que, em 2016, por exemplo, levou o líder do Podemos a dizer que abdicava de ser “vice” se essa fosse a condição para um governo de esquerda; ou que, no verão de 2019, meses antes do acordo entre ambos, levou Sánchez a vetar o nome de Iglesias para a vice-presidência.
Da vice-presidência ao preço de portagens: o que Sánchez teve de ceder para formar governo
Apesar de as divergências entre os dois líderes não terem precipitado a queda do governo, o desgaste da relação poderia, mais tarde ou mais cedo, levar ao divórcio. Por isso, diz o politólogo Juan Rodríguez Teruel, “a curto prazo, a saída de Iglesias dá estabilidade ao governo”. Contudo, a médio prazo, tanto para o governo como para o Podemos, a jogada política de Iglesias pode ser prejudicial.
“Se Iglesias tiver um mau resultado em Madrid, vai deixar o Podemos numa situação muito delicada, não só dentro do partido, como também no governo. Pode ser uma desestabilização para o governo de Sánchez a médio prazo”, alerta Teruel.
Salvar o partido
Além da tentativa de pacificar o executivo, Iglesias tenta também salvar o Unidas Podemos no imediato — e ainda preparar o futuro político do partido, que há vários anos vem perdendo relevância nas urnas, tanto a nível nacional como regional.
Em Madrid, se o cenário apontado pelas sondagens se viesse a confirmar, o Unidas Podemos arriscava-se a ficar abaixo do limiar dos 5% necessários para ter representação regional, facilitando ainda mais a vida ao PP, que parte como favorito paras as eleições de maio e pode conseguir a maioria com a bênção do Vox, de extrema-direita.
Terramoto político em Espanha: moção de censura em Múrcia e eleições antecipadas em Madrid
Por esse motivo, Iglesias, que viu o Podemos nascer e crescer na capital espanhola, afirmou que “Madrid precisa de um governo de esquerdas” e reiterou que “um militante deve estar “onde for mais útil”, estendendo a mão a uma coligação com o Más Madrid, a formação política de Iñigo Errejón, que em 2019 abandonou o Podemos para criar uma nova força política à esquerda.
“Iglesias pode ter um efeito mobilizador e canalizar a esquerda em Madrid. Pode mobilizar as pessoas que estavam apáticas”, admite ao Observador José Rama, cientista político da Universidade Autónoma de Madrid, antevendo um aumento da polarização política no duelo entre o líder do Unidas Podemos e a presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso.
Ao anunciar a sua candidatura a Madrid, Iglesias disse que o seu objetivo era impedir que a “extrema-direita se apodere das instituições”, alertando para o “risco” de um governo de Ayuso com o Vox. Já a líder do PP madrileno, que se apresenta à reeleição depois de antecipar as eleições, disse que a escolha será entre “comunismo e liberdade”, e acusou o líder do Unidas Podemos de simpatizar com o independentismo, inclusive com a ETA.
COMUNISMO O LIBERTAD.
4 de mayo.
— Isabel Díaz Ayuso (@IdiazAyuso) March 15, 2021
“Se o PP engolir o Ciudadanos e, mesmo com os votos do Vox, não conseguir a maioria, muito provavelmente perde a presidência. É isso que vai procurar Iglesias”, sublinha o potilólogo Juan Rodríguez Teruel. “Se a candidatura de Iglesias contribuir para que o PP não possa repetir o governo, isso será um grande resultado para ele.”
Iglesias lança Yolanda Díaz para a liderança do Podemos
Já a nível nacional, Iglesias, cuja liderança vinha acumulando desgaste ao longo dos anos, pretende usar a sua candidatura a Madrid como uma forma de abrir o caminho para uma renovação no Unidas Podemos. E a substituta parece estar escolhida: Yolanda Díaz.
Ao anunciar a sua saída do governo, Iglesias defendeu que a ministra do Trabalho deveria ser promovida a vice-presidente do executivo — Sánchez parece não querer levantar objeções — e foi mais longe ao afirmar que Yolanda Díaz “pode ser a próxima presidente do Governo de Espanha”, deixando bem claro que é o nome escolhido por si para lhe suceder na liderança do Podemos, quando chegar a altura de os espanhóis irem novamente às urnas a nível nacional.
Oriunda da Esquerda Unida, uma das facções do Podemos, Yolanda Díaz, natural da Galiza é , segundo o La Vanguardia, uma das ministras com melhor imagem no governo espanhol, sobretudo devido às medidas de proteção dos trabalhadores implementadas durante a pandemia de Covid-19, tendo conseguido acordos entre sindicatos e patrões.
Llegamos aquí para cambiar las cosas y mejorar la vida de las personas. @PabloIglesias siempre lo ha defendido. Lo demostró en el Gobierno y lo sigue haciendo ahora, con esta valiente y necesaria candidatura, que unirá, con fuerza e ilusión, al Madrid que más queremos. pic.twitter.com/bZpE6M2QUm
— Yolanda Díaz (@Yolanda_Diaz_) March 15, 2021
Além disso, Yolanda Díaz é vista como uma figura mais moderada e com maior capacidade para fazer pontes, contrastando com o estilo mais conflituoso de Pablo Iglesias, estilo esse que levou a vários momentos de tensão com Pedro Sánchez ao longo da legislatura, com o cenário de queda do governo sempre a pairar no ar.
“A nova reconfiguração, com Yolanda Díaz na vice-presidência, pode fortalecer o Podemos em termos de moderação ideológica, pelo menos”, afirma o politólogo José Rama, não descartando a possibilidade de Iglesias “estar a preparar o terreno para forçar eleições a nível nacional, com uma ‘refundação’ do Podemos, com novas caras”.