Um verdadeiro balde de água fria na véspera da grande festa da Aliança Democrática. Uma “infantilidade” que teve de ser resolvida com um “flic flac à retaguarda”. A garantia de Nuno Melo de que PSD e CDS iriam permitir a Pedro Nuno Santos governar caso este ficasse em primeiro lugar nas eleições legislativas mesmo com uma maioria de direita no Parlamento criou um “enorme embaraço” a Luís Montenegro: não só porque não é essa a estratégia dos sociais-democratas — o PSD dificilmente viabilizará um governo de Pedro Nuno — mas também porque esvazia o apelo ao voto útil à direita e abre o corredor a André Ventura, que rapidamente chamou um figo às declarações do líder do CDS.

Em entrevista à CNN, conduzida pelo jornalista Anselmo Crespo e publicada a 17 de janeiro, Nuno Melo deixou claro que entende que a segunda força mais votada deve permitir a quem fica em primeiro lugar governar. “É o que eu defendo. Se o PS vencer as eleições, quem vence deve governar. É isso que é suposto. Aplico aos outros aquilo que reclamo para nós. Se a AD vencer as eleições, deve governar; o que reclamo para a coligação deve ser aplicável a todos os outros. Falo por mim enquanto presidente do CDS. Tento ler a política dentro da normalidade possível e a normalidade possível diz-me que quem vence deve governar. Outros entendem que não é assim. Logo se verá”, foi repetindo.

As declarações de Nuno Melo apanharam muita gente de surpresa no PSD e no CDS. “Terá ensandecido?“, perguntava, com espanto, um destacado um dirigente social-democrata ao Observador. A primeira reação, no entanto, foi tentar não dar muito destaque às palavras do líder democrata-cristão, na expectativa de que fosse possível fazer uma gestão de danos silenciosa — a entrevista foi publicada há três dias e não tinha tido uma grande repercussão política. Ora, a partir do momento em que André Ventura aproveitou o deslize de Melo para atacar a Aliança Democrática a ordem foi para reagir e tentar esvaziar a polémica.

Este sábado, em conferência de imprensa, André Ventura atirou-se às canelas de Montenegro. “A Aliança Democrática assume que viabilizará um governo PS, mesmo que haja uma maioria Chega, PSD e IL no parlamento. Este facto motivou nas últimas semanas um enorme sentimento de revolta em muitas hostes de PSD, IL e CDS. Ao Chega já pouco surpreendem os responsáveis da AD. Foi dito e é natural que uma grande franja dos homens e mulheres destes partidos se sintam desiludidos, incapazes de construir alternativa ao PS e frustrados com um sentimento ‘de bengala’ que a AD diz querer ser em relação ao PS”, argumentou o líder do Chega.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No Twitter, e depois através de um comunicado, Nuno Melo acusou Ventura de estar a tentar “tresler o pensamento alheio”, sugerindo que o líder do Chega está apostado em ser “a muleta útil do PS”. Ainda assim, e ao contrário do que disse na CNN, o presidente do CDS acabou por reconhecer que a “normalidade [política] desapareceu quando o PS governou perdendo eleições” e que, uma vez que Pedro Nuno Santos já disse que “não viabilizará um governo à sua direita”, a “AD não viabilizará um governo de esquerda, qualquer que seja” — uma garantia diametralmente oposta à que foi dada em entrevista à CNN.

No núcleo duro de Luís Montenegro lamenta-se o “ruído” causado por Nuno Melo na véspera da grande convenção da Aliança Democrática — que servirá como terceira fase de afirmação da coligação pré-eleitoral entre PSD, CDS e PPM. De resto, a expectativa que existe é de que o líder democrata-cristão aproveite o discurso que fará no domingo para reafirmar que não dará a mão ao PS em qualquer circunstância. “Vai ter de corrigir“, antecipa-se. Este sábado, de resto, Nuno Melo já fez um primeiro ensaio. “Fez um flic flac à retaguarda, mas tinha de ser”, nota fonte do PSD.

“Caiu na casca de banana”, comenta com o Observador um destacado dirigente social-democrata. No essencial, entende-se que Nuno Melo queira pressionar Pedro Nuno Santos a dar uma resposta taxativa sobre o que fará caso perca as eleições legislativas. O que Melo não podia fazer, acrescenta-se, era comprometer toda a Aliança Democrática com uma eventual viabilização de um governo socialista minoritário e entregar os pontos todos a Pedro Nuno Santos e a André Ventura. “Foi uma infantilidade“, lamenta a mesma fonte.

Até porque a questão levantada por Nuno Melo coloca dois desafios aos sociais-democratas: em primeiro lugar, o PSD dificilmente deixará passar um programa de governo de Pedro Nuno Santos caso exista uma maioria de direita no Parlamento — é bem mais provável que venha a apresentar uma moção de rejeição que exija depois uma clarificação nas urnas. Além disso, se se instalar a perceção de que a AD não servirá, afinal, de travão ao PS, o efeito do apelo ao voto útil à direita esvazia-se — o que reforçaria, em tese, a posição do Chega. “Foi um erro e teve de ser corrigido”, remata ao Observador fonte do PSD.

A convenção da Aliança Democrática, agendada para este domingo, no Estoril, vai arranca sob a sombra da ausência de Pedro Passos Coelho. Tal como o Observador avançou na quinta-feira, o antigo primeiro-ministro não vai, nem foi convidado para discursar no evento da coligação — ao contrário de Paulo Portas, que teve e mantém um papel ativo na construção desta solução à direita, Passos pretende manter-se afastado e a relação com Luís Montenegro está muito longe de estar normalizada.

Inicialmente, na primeira Festa do Pontal de Montenegro, o antigo primeiro-ministro apareceu em público a abençoar o seu sucessor, mas, desde aí, as coisas pioraram entre os dois — Passos não foi convidado para este evento, nem para o congresso de 25 de novembro, por exemplo. Na sexta-feira, Montenegro relativizou a ausência do antigo primeiro-ministro e tentou focar no partido nos problemas concretos do país. “Francamente, estou preocupado com a saúde dos portugueses, com aquilo que são as questões fundamentais que no dia a dia são suscitadas pela incapacidade de resposta que os poderes têm”, rematou.

Portas vai estar na convenção da Aliança Democrática. Passos Coelho ausente