É um desfasamento para o qual não há consenso na justificação: na região Norte, os cidadãos estão a desconfinar mais e a manter mais contactos sociais, mas há menos casos novos de Covid-19 do que em Lisboa e Vale do Tejo. Para explicar esta diferença, os especialistas que esta terça-feira se reuniram com a elite política e os parceiros sociais na sede do Infarmed, apenas adiantaram “hipóteses”. Certezas foram zero, o que deixou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “incomodado”, nas palavras de uma fonte partidária ouvida pelo Observador. E para o primeiro-ministro, as dúvidas pendentes sobre que políticas adotar na região que mais preocupação levanta foram tantas que António Costa saiu da reunião do Infarmed para uma outra, também ela com especialistas em saúde pública, mas à porta fechada.
Após um encontro que foi “menos técnico e mais político”, segundo uma fonte ouvida pelo Observador, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou um discurso otimista aos portugueses: não só “há uma tendência positiva nos internamentos no SNS”, como “não há sinais de que as duas primeiras fases de desconfinamento tenham provocado agravamento do surto” — aliás, o valor do R em Portugal ronda 1, à semelhança de outros países europeus (com exceção da Suécia, que está acima).
Sobre o tema que dominou o encontro — o aumento de casos em Lisboa e Vale do Tejo — o presidente recusou fazer do tema um bicho de sete cabeças. Preferiu adiantar uma das hipóteses levantadas pelos especialistas: que os novos casos se tratam apenas de um “atraso no tempo na expressão mais intensa do surto na região de Lisboa e Vale do Tejo”. “Quando temos a lista dos municípios com maior incidência de surto, nos primeiros dez não está nenhum município de Lisboa e Vale do Tejo. Já esquecemos o que houve no Norte e Centro de forma muito acentuada em fases anteriores”, tentou, assim, tranquilizar Marcelo.
Covid-19. Descida significativa no número de casos ainda pode demorar “algum tempo”
Dentro da reunião, as causas do surto de Covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo dividiram os seis especialistas clínicos reunidos, que “não conseguiram esclarecer as razões” por detrás do aumento de casos na região, aponta um parceiro social ao Observador. Até porque o desconfinamento na região Norte está a ser maior do que a Sul, mas o número de novos casos não acompanha esta tendência, de acordo com um estudo, revelado na reunião, e promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública.
Mas os casos reportados na região de Lisboa, disse ao Observador um dos parceiros que esteve na reunião, parecem incidir sobre uma população mais jovem, até e na casa dos trinta, o que tem, desde logo, várias consequências: resultam em menos doentes graves, menos mortos, menos internamentos e, em última análise, menos sobrecarga sobre o SNS.
Para os clusters de Lisboa foram apresentadas outras “hipóteses” — além do “atraso” referido por Marcelo, há que averiguar o peso de duas áreas de atividade – a construção civil o trabalho temporário (setores que nunca pararam, nem mesmo durante os vários períodos de estado de Emergência) – no grande crescimento do número de casos. “Se for isso, e se houver a preocupação das empresas de testarem o maior número de trabalhadores dessas duas áreas, então isso talvez explique – vale a pena investigar – talvez explique o que aconteceu nas últimas semanas”, disse o chefe de Estado.
Também não ficou claro que sejam, por si só, as condições de habitabilidade ou o contexto laboral a contribuírem para o aumento da infeção. Esta falta de informação e “consenso” entre os especialistas relativamente aos motivos do surto também deixaram o Presidente da República “incomodado”, tendo admitido lá dentro, onde foi um dos últimos a intervir, o que assumiu na conferência de imprensa.
Os especialistas deixaram, assim, “pistas” que serão alvo de reflexão “nos próximos dias e semanas” (a próxima reunião é a 24 de junho), mas que deixaram António Costa inquieto e com dúvidas — tantas que, após uma reunião com especialistas, seguiu para outra, à porta fechada, também ela com especialistas em saúde pública. Segundo um líder partidário ouvido pelo Observador, o primeiro-ministro foi o último a intervir na reunião e reconheceu a necessidade de ter informação “mais detalhada” para tomar as “decisões políticas relativas ao desconfinamento” da região de Lisboa e Vale do Tejo. Essas dúvidas, segundo ainda o próprio, vão ter de ser esclarecidas com mais tempo e “pormenor” na reunião, agendada para esta tarde, com os especialistas.
José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, levantou mais um pouco o véu sobre teor dessa reunião entre autoridades de saúde, António Costa e outros membros do Governo. “Há questões para esclarecer”, como o facto de se o “aumento do contágio em Lisboa e Vale do Tejo resulta exclusivamente da realização de maior número de testes ou se há outras razões”. Essas questões, assim como eventuais medidas de “segurança adicional” numa semana marcada por dois feriados nacionais, irão ser debatidas de forma a tomar decisão a nível executivo.
Dúvidas à parte, o que ficou provado, segundo fonte ouvida pelo Observador, foi que o aumento de casos em Lisboa começou antes do desconfinamento, o que levanta algumas dúvidas em relação ao efeito do confinamento na disseminação da Covid-19, mas que não foram abordadas na reunião. Ainda assim, em Lisboa, há “tendência de descida dos casos, mas é ainda é cedo para confirmar isso, os especialistas precisam de mais tempo”, adianta um parceiro social.
Segundo a interpretação de uma fonte ouvida pelo Observador, que esteve presente em todas as reuniões no Infarmed, este encontro foi “menos técnico e mais político”. E deu como exemplo o momento em que um dos especialistas, a comentar a situação epidemiológica do país, admitiu ter alguma contenção para não causar “alarmismos”. Outro especialista, que na última reunião falou sobre o excesso de trabalho dos profissionais de saúde pública, “desta vez permaneceu calado”.
O controlo de entradas nos aeroportos nacionais — e que levou os partidos a pedirem intervenções “mais céleres” — foi mencionado ao de leve e ficou apenas a “intenção” de se virem a tomar medidas.