Índice
Índice
Silicon Valley é o berço de várias tecnologias e empresas – e quando se fala em inteligência artificial (IA), principalmente na generativa, tem conseguido fazer jus à fama. Num momento em que a corrida para avançar na IA está cada vez mais acelerada, as atenções estão viradas para os EUA e para a rivalidade entre nomes como a OpenAI, a Google e, ainda que numa escala diferente, a Anthropic.
Mas isso não significa que só nos EUA é que se trabalha na IA. A Europa já desenvolveu tecnológicas de IA que ganharam escala… ficando à mercê das gigantes americanas – a DeepMind foi comprada pela Google em 2014, e a Bloomsbury AI pela Meta em 2018.
Na corrida pela IA generativa, Silicon Valley parte em vantagem, é certo, mas a Europa já criou pelo menos um unicórnio nesta área (uma empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares). Apenas com nove meses de vida, a Mistral AI, fundada por três ex-trabalhadores da Google e da DeepMind, foi avaliada em dois mil milhões de dólares. Mas há mais casos de startups europeias na IA generativa a conquistar investimentos de milhões, como a alemã Aleph Alpha ou a britânica Stability AI.
Os avanços cada vez mais rápidos no mundo da IA aceleraram o debate sobre a necessidade de desenvolver uma tecnologia que seja segura e também ética. E, tal como já tinha acontecido com a proteção de dados, a União Europeia quis ser pioneira na criação de regras. Ainda que a vontade de regular não seja um exclusivo da Europa, o bloco dos 27 fez história com a aprovação, esta semana, do texto final do Regulamento da IA, também conhecido como AI Act.
AI Act. Parlamento Europeu aprova primeiro regulamento para a inteligência artificial
Como é impossível agradar a gregos e troianos, a vontade de fazer história na regulação da IA também recebeu críticas, principalmente vindas dos EUA. O apontar do dedo aconteceu, numa outra escala, também na Europa, vindas até de startups. A Mistral AI, por exemplo, assumiu publicamente que tinha reservas em relação ao AI Act, temendo consequências para o negócio.
I welcome the @Europarl_EN vote on the AI Act.
Europe’s pioneering framework for innovative AI, with clear guardrails.
This will benefit Europe’s fantastic pool of talents.
And set a blueprint for trustworthy AI throughout the world.
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) March 13, 2024
Embora o AI Act preveja ambientes de teste e regulamentação para PME e startups, para que possam “desenvolver e treinar IA inovadora”, alguns especialistas ligados ao empreendedorismo admitem que possa gerar uma “desvantagem competitiva” para as companhias europeias.
Há dinamismo na IA europeia, mas que ainda fica longe do dos EUA
Os dados da PitchBook, que analisa o mercado de investimentos em startups, mostram algum dinamismo na Europa na área da IA – porém, longe dos níveis norte-americanos. No ano passado, foram registadas 1.573 operações de venture capital (VC) e investimentos em startups de IA e aprendizagem automática na Europa, que chegaram a 9 mil milhões de euros. Embora seja um valor considerável, só os investimentos anunciados em duas startups dos EUA, a OpenAI e a Anthropic, bateram esses valores. Em janeiro de 2023, a Microsoft anunciou um investimento na dona do ChatGPT, que embora nunca tenha sido confirmado rondará os 10 mil milhões de dólares, e a Amazon canalizou 4 mil milhões para a Anthropic.
“Conheço um bocadinho os dois mundos”, começa por explicar ao Observador Norberto Guimarães, fundador e CEO da startup de IA Talka.AI e também fundador LP da capital de risco Shilling VC. Em 2010, vendeu a Clever Sense à gigante Google. Mudou-se para a sede da tecnológica, na Califórnia, e esteve envolvido em vários projetos, incluindo na investigação de inteligência artificial. Há uns anos regressou a Portugal, mas continua focado no mercado americano, através de outra empresa que fundou, a Talka.AI. Tendo já trabalhado dos dois lados do Atlântico, diz que está “bem por dentro dos modelos de IA que são feitos na Europa e também nos EUA.”
Assim, é rápido a identificar a maior diferença entre os dois blocos no panorama tecnológico: os recursos, quer financeiros quer a nível de recursos humanos. Em 2010, quando chegou à Google após a aquisição da Clever Sense, já encontrou “grupos a trabalhar em investigação de IA”. “São grupos muito grandes, muito bem pagos – competir com isso é praticamente impossível. Não há forma de a Europa conseguir competir com esse dinamismo em termos de investimento”, assegura. “São empresas muito grandes a investir muito dinheiro, e que têm muito poder de computação. É todo um ecossistema à volta disso, que acho que vai ser muito difícil de replicar na Europa.”
Admite, ainda assim, que as empresas europeias possam “conseguir atrair pessoas”, ainda que Norberto Guimarães aponte para casos “bastante locais — vai ser uma empresa aqui, outra acolá, mas vai ser difícil competir, como um todo, com os centros de investigação de IA que existem em Silicon Valley e também na China”. “Não vai haver hipótese, são só fogachos que aparecem aqui e ali”, explica. “A Mistral, com todo o investimento que tem, é uma gota no oceano de outras empresas do género nos EUA.”
Também Marie Brayer, partner da FlyVC, uma capital de risco fundada na Alemanha que se dedica a investimentos em startups em fase inicial, menciona as dificuldades de escala para as empresas europeias de IA. “É possível começar aqui [na Europa], mas realmente é preciso ir para os Estados Unidos para o go to market [chegada ao mercado]”, assegura. “Os clientes aqui não estão suficientemente perto da maturidade”, diz a investidora, que opera a partir de Paris.
Já o norte-americano Brendan Burke, analista sénior de tecnologias emergentes da PitchBook, refere outro ponto que gera diferenças: “o acesso a talento sofisticado na área da IA”. “Os EUA têm historicamente liderado na questão de investigação académica de IA e muitos dos investigadores foram trabalhar para grandes tecnológicas antes de se juntarem a startups”, contextualiza. “A experiência coletiva permite descobertas no treino de modelos mais arriscados”, resume.
AI Act? “É como correr com um saco às costas numa maratona”
A indústria tecnológica explora há vários anos o potencial da IA, e o debate sobre os perigos desta tecnologia tem andado de mãos dadas. Na primavera de 2021, a Comissão Europeia avançou com uma proposta para o primeiro enquadramento regulatório da IA, baseado em patamares de risco. Algumas utilizações, como o recurso à IA para sistemas de categorização de pessoas ou reconhecimento de emoções no trabalho ou na escola, são expressamente proibidos.
A proposta foi avançando pelas várias instituições europeias nos últimos dois anos. A 8 de dezembro, após uma maratona de negociações de três dias na fase do triálogo, os colegisladores da UE, o Conselho e o Parlamento Europeu, chegaram a um acordo provisório sobre o texto do AI Act. Ns última semana, o texto final foi aprovado com uma esmagadora maioria, com mais de 500 votos a favor. Foi um dos últimos passos na caminhada do AI Act, que agora precisa apenas de ser formalmente ratificado pelo Conselho.
AI Act. Parlamento Europeu aprova primeiro regulamento para a inteligência artificial
Alguns responsáveis europeus, como Thierry Breton, comissário europeu para o Mercado Interno, têm destacado o AI Act — “mais do que um livro de regras — como uma rampa de lançamento para as startups e investigadores europeus liderarem na corrida global para uma IA de confiança”.
É um equilíbrio difícil de atingir, reconheceu. “Equilibrar a segurança dos utilizadores e a inovação para as startups, enquanto se respeita os direitos fundamentais e os valores europeus, não é um feito fácil. Mas conseguimos”, escreveu em dezembro.
Há exceções previstas para as startups, como ambientes de teste e regulamentação, assim como testes em condições reais. Mas só estarão disponíveis para pequenas e médias empresas e startups e deverão depender do tipo de IA em desenvolvimento e do seu nível de risco. Por exemplo, quem desenvolve modelos de IA deverá ter obrigações mais rígidas a cumprir, nomeadamente em campos como a origem dos dados de treino ou a transparência sobre como foram treinados.
Assim, Brendan Burke, da PitchBook, considera que o AI Act “poderá ter impacto nos tipos de modelos em que as empresas de IA vão trabalhar”. Nota ainda que “os modelos baseados em dados abertos têm maior probabilidade de passar pelos processos regulatórios, assim como modelos mais pequenos que consigam evitar preocupações em questões como a IA geral (AGI) ou outros casos de uso mais arriscados”.
Ainda que admita que estas questões possam “encorajar alguma inovação de produto”, também poderá “afetar as possibilidades da Europa em fazer as primeiras tentativas em AGI”, o que deixaria “alguns países numa desvantagem competitiva em relação a modelos maiores e topo de gama”.
Norberto Guimarães, da Shilling VC e da Talka.AI, é duro nas críticas à legislação. “A lei, na maior parte das cláusulas, vem antes do tempo e baseada em exemplos que são emotivos”, referindo-se a casos como a proibição do uso de sistemas de IA para criação de sistemas de classificação da população, como já acontece na China. “Compreendo que por isso haja uma reação de querer legislar logo tudo e contra imensas aplicações [da IA]. É mais uma vez a Europa a mostrar que, em vez de saber inovar, só sabe restringir e legislar. Nos EUA já se riem deste tipo de coisas.”
O empresário concorda que a “IA deve ser regulada”, mas considera que a “regulação na Europa vai muito além do que é estritamente necessário”. Por agora, antecipa que as novas regras possam gerar mais confusão às startups do que propriamente oportunidades. “Numa startup, que é uma empresa pequena, há tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo – desenvolvimento de produto, conhecer clientes ou outras questões mais básicas. Quando a empresa tem de perder algum tempo a tentar certificar-se, em comparação com empresas noutros países que não têm de fazê-lo, vai estar sempre em desvantagem.”
“É como correr com um saco às costas — mesmo que sejam só dois ou três quilos, numa maratona isso faz muita diferença.”
Quais são algumas das empresas de IA em destaque na Europa?
Mistral AI atingiu avaliação de dois mil milhões em meses
Um “conto de fadas” ou “pequeno milagre” são expressões usadas pela imprensa francesa para descrever a Mistral AI. Fundada em 2023 por um trio de engenheiros que passaram pela investigação de IA da Meta e pela DeepMind da Google, a startup francesa recebeu os primeiros 105 milhões de euros de financiamento em junho, quando tinha um mês de vida e nenhum produto para mostrar. Nunca uma startup francesa tinha recebido um montante tão elevado.
Os fundadores – Arthur Mensch, Guillaume Lample e Timothée Lacroix – têm pouco mais de 30 anos. Instalaram em Paris a empresa que desenvolve grandes modelos de linguagem (LLM), apostando em open-source (código aberto).
Não foi preciso muito tempo até os fundadores da Mistral AI conquistarem o apoio político de Emmanuel Macron, que nunca escondeu que quer ter vários unicórnios de IA no país. O esforço é tanto que, no ano passado, o Presidente francês anunciou um plano para investir 500 milhões de euros para criar “campeãs” da IA. O anúncio foi feito em junho de 2023, na VivaTech, ao lado de vários fundadores de empresas de IA, incluindo Arthur Mensch, CEO da Mistral AI.
No fim de 2023, a empresa recebeu um novo investimento, na ordem de 450 milhões de euros, liderado pelos fundos de investimento Andreessen Horowitz e LightSpeed Ventures. O investimento contribuiu para elevar a avaliação da startup até aos dois mil milhões de dólares, o dobro do que é necessário para se ser um unicórnio. Atualmente, a lista de investidores da Mistral conta com a Nvidia, a Salesforce, o banco BNP Paribas, o fundo La Famiglia, Eric Schmidt, CEO da Google entre 2001 e 2011, e Xavier Niel, empresário francês ligado às telecomunicações.
De um momento para o outro, a Mistral estava nas bocas do mundo. No início do ano, era um tema quente em Davos, na Suíça, relatou o Financial Times. Na imprensa, o CEO anunciou o plano ambicioso da companhia de “criar um campeão europeu, com uma vocação global na IA generativa, baseada numa abordagem aberta, responsável e descentralizada à tecnologia”.
A empresa apresentou recentemente um grande modelo de linguagem (LLM), chamado Mistral Large. A atenção dada à companhia não se fica pela Europa – a gigante Microsoft também reparou. No fim de fevereiro, a dona do Windows anunciou uma parceria de vários anos com a Mistral AI, descrita como uma “líder reconhecida na IA generativa”, e um investimento de 15 milhões de euros, segundo a Reuters.
A companhia de Satya Nadella tem uma parceria idêntica com a OpenAI, a dona do ChatGPT. Ainda que a ordem de valores de investimento seja substancialmente diferente – terá canalizado até agora 13 mil milhões de dólares na OpenAI –, mostrou que a Microsoft quer ter mais do que um parceiro na IA generativa. A Mistral AI salientou que a parceria representa a possibilidade de “desbloquear novas oportunidades comerciais, expandir-se para mercados globais e fomentar a colaboração em investigação”.
A ligação da Microsoft com uma startup de IA fez soar alarmes na Comissão Europeia. No dia a seguir ao anúncio, Bruxelas anunciou planos para analisar a parceria da companhia americana com a Mistral AI. “A Comissão está a olhar para os acordos que foram concluídos entre grandes empresas do mercado digital e empresas que desenvolvem e fornecem IA generativa”, revelou Lea Zuber, porta-voz da Comissão Europeia ao Politico.
No Parlamento Europeu, algumas das reações ao acordo foram expressas de outra forma: com fúria. “A um nível técnico e político, o Parlamento Europeu está extremamente furioso, porque o governo francês andou durante meses a argumentar que estas empresas deviam conseguir escalar sem a ajuda de empresas chinesas ou americanas”, disse ao EuroNews Kai Zenner, chefe de gabinete e conselheiro de política digital do eurodeputado Axel Voss. Zenner lembra que o governo francês “culpou o Parlamento de estar a tornar a possibilidade de escalar impossível, de ter campeões nacionais, unicórnios para tentar competir com rivais globais”.
A primeira parceria estratégica da Microsoft com uma empresa de IA generativa, a OpenAI, também entrou no radar da Comissão. Foi anunciado em janeiro que Bruxelas está a analisar se a parceria pode ser investigada no âmbito das regras europeias de concorrência.
Comissão Europeia está a analisar investimento da Microsoft na dona do ChatGPT
Aleph Alpha tem investimento maioritariamente alemão
Quando se fala da Aleph Alpha é habitual surgir o conceito de soberania de dados. A startup alemã, criada em 2019, faz destas palavras um ponto de ordem, assumindo que os dados que alimentam os grandes modelos de linguagem que produz têm origem na Europa e que os resultados das interações com os modelos ficam por cá.
A Aleph Alpha é vista como mais uma rival europeia da OpenAI, ainda que os públicos sejam diferentes. Ambas desenvolvem grandes modelos de linguagem, mas a companhia alemã foca-se na vertente empresarial e em serviços governamentais, enquanto a dona do ChatGPT tem uma vertente para o consumo.
Em novembro, a empresa recebeu 500 milhões de dólares de financiamento, cerca de 459 milhões de euros, numa das maiores rondas série B já vistas na Europa. O dinheiro teve origem num consórcio composto maioritariamente por companhias alemãs ou com alguma ligação à indústria. Entraram a SAP, o Schwarz Group (dono do Lidl) e o braço dedicado à inovação da Bosch. Na altura, a startup disse que o financiamento seria usado para “continuar a desenvolver as capacidades e permitir aos parceiros estar no pelotão da frente do desenvolvimento tecnológico”, disse Jonas Andrulis, o CEO e fundador.
O empresário terá tentado captar apenas financiamento vindo de empresas europeias, revelou uma fonte próxima do assunto ao site Sifted. Não terá sido assim tão fácil e, na ronda houve pelo menos uma empresa norte-americana, a HPE.
A companhia tem também evitado partilhar dados concretos sobre a avaliação após as rondas de financiamento mas, pelas contas da Crunchbase, estará avaliada em 642 milhões de dólares, o equivalente a 590 milhões de euros.
A Aleph Alpha foi fundada por Jonas Andrulis, que trabalhou na Apple como gestor sénior de engenharia de investigação e desenvolvimento de IA. Com algumas semelhanças com a Mistral AI, também a startup alemã tem algum apoio político. Robert Habeck, vice-chanceler e ministro da Economia da Alemanha, marcou presença na conferência de imprensa sobre a ronda de financiamento. O governante sublinhou que a IA é “uma prioridade estratégica nacional” e que “ter a nossa própria soberania no setor da IA é extremamente importante”.
Mas, na mesma ocasião, também foram feitos alguns avisos às consequências do AI Act. “Se a Europa tiver a melhor regulação mas não tiver empresas europeias [na área do IA], não ganhamos muito.”
Synthesia gera vídeos personalizados a partir de texto e tem apoio da Nvidia
A startup britânica Synthesia também é um exemplo de companhia a operar em IA generativa, mas focando-se exclusivamente na área de vídeo. A partir de Londres, desenvolveu software que consegue gerar vídeos a partir de texto e avatares digitais para usar no mundo corporativo.
Foi fundada em 2017, pelos investigadores Victor Riparbelli, Matthias Niessner, Steffen Tjerrild e Lourdes Agapito. A ideia da empresa é que seja possível acelerar significativamente as questões de vídeo para fins de comunicação corporativa. Em vez de precisar de câmaras, microfones, tempo de gravação e edição, a IA gera um avatar baseado na fisionomia de um ator. É possível ter um vídeo de forma mais rápida e capaz de falar vários idiomas.
Até agora recebeu 156,6 milhões de dólares em investimento, cerca de 144 milhões de euros, de acordo com dados da Crunchbase. A ronda mais recente é de junho de 2023, quando recebeu 90 milhões de dólares (83 milhões de euros), num investimento liderado pela capital de risco Accel, que investiu no Facebook e no Spotify, e apoiado pela gigante de semicondutores Nvidia.
A Synthesia conta com clientes como a loja Tiffany’s, a cadeia de hotéis IHG e a Moody’s Analytics. Embora não indique dados sobre receitas, os responsáveis revelaram à CNBC que as receitas “têm crescido de forma consistente” e que, até junho de 2023, tinham sido produzidos mais de 12 milhões de vídeos.
A tecnologia proprietária desta startup é um exemplo de IA generativa. Com o apoio da Nvidia, uma das empresas que mais tem beneficiado com o interesse na IA, a Synthesia quer agora tornar os avatares mais expressivos e capazes de fazer mais coisas, como andar ou conversar.
Stability AI, do investimento milionário a um processo em tribunal
Foi um dos primeiros nomes europeus a tornar-se viral à conta da IA generativa na imagem e vídeo. Criada em Londres, em 2020, por Emad Mostaque e Cyrus Hodes, chegou ao estatuto unicórnio em 2022, quando conseguiu arrecadar 101 milhões de dólares (cerca de 93 milhões de euros), numa ronda seed (inicial) liderada pela Coatue, Lightspeed Venture Partners e O’Shaughnessy Ventures.
No ano passado, voltou a receber mais investimento, desta vez com 50 milhões de dólares (quase 46 milhões de euros) vindos da Intel.
A Stability AI é responsável por vários modelos de IA, que podem ser usados para diferentes fins. O primeiro a ser disponibilizado de forma gratuita foi o Stable Diffusion, que é capaz de transformar texto em imagem e vídeo. Dois meses após o lançamento desta ferramenta, a empresa dizia que já tinha 10 milhões de utilizadores. Depois desse, ainda vieram mais modelos: um para áudio e criação de efeitos de som e ainda um modelo especializado na criação de objetos 3D.
Mas a startup já foi notícia por outros motivos. Primeiro, pelas dúvidas sobre a real autoria da investigação dos modelos. A tecnologia em si foi desenvolvida por um grupo de investigadores em Munique e aplicada por outra companhia, a Runway. Onde é que entra a Stability AI? Na disponibilização do exigente poder de computação necessário para estes modelos e pelos dados usados no treino durante a investigação. “A Stability, até onde sei, nem sequer conhecia isto quando o criámos”, disse à Forbes Björn Ommer, professor que liderou a investigação em Munique.
Em 2022, o CEO e co-fundador Mostaque comprou a participação de Hodes, passando a controlar a totalidade da empresa. Um ano mais tarde, chegou o processo em tribunal. De acordo com o Financial Times, a compra foi feita três meses antes da ronda milionária. Hodes alegou que vendeu os seus 15% da empresa por apenas 100 dólares, acusando o ex-sócio de o ter induzido em erro ao dizer que a “empresa que ajudou a construir essencialmente não tinha valor”.
Num processo apresentado em São Francisco, Hodes queixou-se que, se tivesse mantido a sua parte, esta poderia valer cerca de 500 milhões de dólares após a ronda. “A compra das ações do seu co-fundador e acionista minoritário por uns meros 100 dólares são a epítome da ganância corporativa no seu pior”, citava o FT, a partir de informação do processo. Através da Stability AI, Mostaque contestou o processo, dizendo que não tinha razão e que defenderiam agressivamente a posição da companhia. Ainda nessa ocasião, foram documentadas as dúvidas que o co-fundador tinha em relação à gestão de Mostaque.
Afinal, não era o único. No verão do ano passado, a Forbes falou com trabalhadores da empresa e contactos próximos do fundador Mostaque, que falaram do gestor como sendo conhecido por “exagerar” os seus feitos. Foram ainda relatados atrasos nos pagamentos de salários, de acordo com oito funcionários ouvidos pela revista.
Meses mais tarde surgiram notícias de que a empresa estaria em alvoroço depois da partida de, pelo menos, dez executivos e pressão dos investidores para afastar o CEO. A Bloomberg avançou que a empresa estaria a explorar a venda para responder à pressão de investidores como a Coatue Management. O que foi contestado: “embora várias partes já tivessem demonstrado interesse na compra da Stability AI” não havia qualquer tentativa de vender a empresa, garantindo estar “focados em lançar novos modelos”.
Esta semana, o site Sifted deu por outra mudança na startup londrina: um novo diretor tecnológico, sem direito a anúncios com pompa nem circunstância. Christian Laforte foi o escolhido, uma substituição que terá acontecido em janeiro deste ano, de acordo com informação do LinkedIn e confirmada por alguns funcionários ao site. Só que, no perfil de Tom Mason, diretor tecnológico desde julho de 2022, ainda surge a informação do cargo. A Stability AI ainda não fez comentários. Por agora, a agitação na Stability AI deixa uma grande dúvida: com tanta mudança, durante quanto tempo é que se irá manter na lista das startups europeias?