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Jimmy Wales é o rosto mais conhecido da Wikipédia, a enciclopédia mais usada da internet
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Jimmy Wales é o rosto mais conhecido da Wikipédia, a enciclopédia mais usada da internet

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Jimmy Wales é o rosto mais conhecido da Wikipédia, a enciclopédia mais usada da internet

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Fundador da Wikipédia: "Comissão Europeia provavelmente vai ser bem sucedida a tornar a Europa irrelevante na tecnologia"

Jimmy Wales diz que a enciclopédia estuda o uso de IA nos seus sistemas, mas por agora não se comparam aos editores de carne e osso. Na regulação da IA tece críticas a Bruxelas.

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Quando era pequeno, a mãe comprou uma enciclopédia a um vendedor de livros porta a porta. Tornou-se um objeto de reverência mas, quando Jimmy Wales aprendeu a ler, rapidamente percebeu que o seu livro favorito tinha limitações – não podia ser atualizado. Com os anos, passaram a chegar à casa da família Wales autocolantes para atualizar partes da enciclopédia, que o então rapaz colava com cuidado. “Costumo brincar que comecei desde miúdo a rever a enciclopédia, a colar autocolantes naquela que a minha mãe comprou”, comentou em algumas entrevistas anteriores.

Wales nasceu em 1966, no Alabama, numa família em que tanto a mãe como a avó estavam ligadas à educação. Concluiu o ensino secundário prematuramente e, aos 16 anos, começou a estudar a área financeira — chegou a dar aulas a nível universitário e até trabalhou na área da negociação de ações, quando se mudou para Chicago. Mas, ainda estudante na Universidade do Alabama, cedo começou a ficar fascinado pelo mundo da internet, que no início dos anos 1990 dava os primeiros passos — Wales chegou a descrever-se como “um viciado na internet desde a fase inicial” da web.

Foi quando começou a olhar para o impacto da Netscape (um dos primeiros navegadores da web) que decidiu largar a área financeira e dedicar-se ao empreendedorismo na internet. Fundou a Bomis, que criou um “motor de pesquisa para homens”, descrito como uma tentativa de apelar a um público ao estilo da revista Maxim, com imagens de mulheres, mas não de teor pornográfico, fez questão de explicar ao longo dos anos.

A Bomis não teve o sucesso esperado, mas ajudou a financiar outro projeto de Wales, a Nupedia, que serviu de teste ao que, mais tarde, ganharia a forma da Wikipédia. Porém, o facto de ter revisão por pares (peer reviewed), para garantir qualidade comparável às enciclopédias “a sério”, limitou a expansão da Nupedia. A ideia era a de que os artigos fossem revistos por especialistas, incluindo professores universitários, mas quando o próprio Wales escreveu sobre um assunto que acreditava dominar — sobre o economista vencedor de um prémio Nobel Robert C. Merton — sentiu-se demasiado intimidado para sequer submeter o rascunho inicial aos professores que iam editar o artigo. Percebeu que o projeto não ia avançar.

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A Nupedia serviu, em parte, de teste à Wikipédia, a enciclopédia de acesso livre mais usada em todo o mundo, fundada precisamente por Jimmy Wales. Pode ser editada por qualquer pessoa, mas há uma comunidade que mantém os recém-chegados ‘na linha’, explica numa conversa por Zoom com o Observador.

O “otimista patológico”, como se descreve, admite que achava que a Wikipédia “seria uma coisa bastante grande”, mas não desconfiava que seria uma “parte tão central” da infraestrutura da internet global. Pelo seu otimismo, assegura que ainda tem esperança no futuro da internet, mesmo reconhecendo que há vários problemas, como a desinformação ou as falsas imagens geradas por IA, com as quais o mundo vai ter de aprender a conviver. Como? As pessoas têm “de se virar para fontes de informação em que possam confiar”.

Maior enciclopédia do mundo focada no crescimento em idiomas de países em desenvolvimento

A Wikipédia é a maior fonte de informação gratuita no mundo e é usada por praticamente toda a gente. Quais são os principais desafios que enfrenta?
Essa é uma questão complicada para mim. Digo sempre que sou um otimista patológico, por isso acho que está sempre tudo bem. Mas diria que aquilo em que estamos focados é no nosso crescimento em idiomas do mundo em desenvolvimento. Estamos a ver muito crescimento na África subsariana e na Índia. Isso é muito, muito importante para nós. Depois, outro ponto em que estamos sempre focados é naquilo a que chamamos saúde da comunidade, para garantir que a comunidade de pessoas que escreve a Wikipédia está satisfeita por fazer um trabalho produtivo, e sentirem que têm um ambiente seguro para trabalhar, livre de trolls, arruaceiros e coisas do género. Esses são os pontos nucleares em que nos focamos para mantermo-nos nos eixos.

Têm algum projeto especial para conseguirem mais editores desses países do mundo em desenvolvimento?
Sim, apoiamos iniciativas em diferentes lugares — na verdade, em todo o mundo. Essas iniciativas vão desde coisas mais tecnológicas, como tentar ter o site a carregar mais depressa nessas regiões ou até como lidar com a dificuldade que alguns idiomas têm na introdução de texto através de um teclado. Às vezes temos de trabalhar nisso, é algo que acontece por exemplo na Índia. Depois, fazemos encontros locais, trabalhamos em parceria com galerias, bibliotecas, arquivos, museus. Temos uma rede de organizações sem fins lucrativos e afiliados de vários tipos, grupos de utilizadores, etc, que financiamos e ajudamos para atrair mais membros para comunidade e ter mais conteúdos nos diferentes idiomas.

Há mais de 20 anos, quando estava a tentar que a Wikipédia arrancasse, alguma vez pensou que ia correr desta forma?
Bem, como digo, sou sempre um otimista, portanto achei que seria alguma coisa bastante grande, mas nem eu percebi que seria uma parte tão central da infraestrutura do mundo, com centenas de milhões de pessoas a usarem o site a toda a hora.

epaselect epa08935994 A close-up image shows the front page of the Wikipedia online encyclopedia on a mobile computer, in Cologne, Germany, 13 January 2021. The online encyclopedia Wikipedia was launched on 15 January 2001 by co-founder Jimmy Wales and is now one of the most visited website on the Internet. There are articles in around 300 languages, its service is still non-commercial, and the non-profit organization is financed solely by donations. More than three million volunteers write, edit and check the articles. Wikipedia has become a kind of basic knowledge of the world.  EPA/SASCHA STEINBACH

A Wikipédia foi lançada em 2001. Há mais de 6,7 milhões de artigos em inglês e mais de um milhão em português

SASCHA STEINBACH/EPA

Mas ainda é um otimista em relação ao futuro da internet?
Sim, sim, creio que sim. Obviamente que há alguns desafios que estão a surgir, infelizmente, a nível de legislação local, que são desafiantes para manter a internet aberta e acessível em todo o lado. Depois há sempre preocupações com países autoritários que possam bloquear o acesso a recursos quando não concordam com o alinhamento dos partidos e por aí fora. Mas, em geral, sou bastante otimista.

Como é que se equilibra a missão de ser uma fonte aberta de informação ao mesmo tempo que se tenta manter uma comunidade de editores e garantir que o conteúdo é de qualidade?
Acho que todas andam de mãos dadas. Temos esta comunidade fantástica, que não gostaria que não fosse um site de open source, com licenciamento livre. Isso dá um grande impulso só o de se saber que o trabalho dessa comunidade será sempre gratuito. A questão da qualidade vai sempre estar ligada à saúde da comunidade, garantir que temos as pessoas certas, que damos as boas-vindas aos recém-chegados de qualidade, com gentileza para dizer ‘como é que podemos tornar tudo melhor?’.

Qualquer pessoa pode ser um editor na Wikipédia. Faria sentido ter alguma espécie de teste para perceber se a pessoa tem qualidade ou com que fim quer participar no projeto?
É exatamente isso que acontece. As pessoas chegam, são novas na comunidade. E, quando são novas, obviamente, mantemo-las debaixo de olho, e olhamos para o que estão a fazer, dão-se conselhos e ajuda-se. É assim que funciona muito bem. Obviamente que, às vezes, as pessoas estão mais zangadas ou são mais difíceis de lidar e aí tentamos ajudá-las a perceber ‘isto não é o Twitter. É a Wikipédia, não fazemos as coisas dessa forma’. Aqui tentamos ser gentis uns com os outros. Mas, como se sabe, os humanos são humanos e há sempre algum ruído a acontecer em algum lado.

"Obviamente que às vezes as pessoas estão mais zangadas ou são mais difíceis de lidar e aí tentamos ajudá-las a perceber 'ok, isto não é o Twitter, é a Wikipédia, não fazemos as coisas dessa forma'. Aqui tentamos ser gentis uns com os outros."
Jimmy Wales sobre o processo de integração de editores na comunidade da Wikipédia

A “confusão completa do Twitter” e a vontade de mudar as redes sociais

Como é que vê o Twitter [agora batizado X] nesta altura?
Bem, é uma confusão completa (risos). Não tenho nenhuma visão invulgar sobre isso. Não sei o futuro lhe reserva, mas não me parece que haja muita esperança de que Elon [Musk] mude de trajetória. Por isso, prevejo que o Twitter continue a decair — não seria a primeira vez que isso aconteceria numa propriedade grande na internet — e que uma parte central da experiência das pessoas online decaísse e desaparecesse. Já vimos isso acontecer com o MySpace, que na altura parecia um porta-aviões e agora está completamente esquecido. É por isso que estou a trabalhar na Trust Café, uma abordagem diferente às redes sociais, na qual, em vez de tentar ir à caça de cliques e indignação, construímos uma comunidade de confiança, que depois pode confiar noutros utilizadores e onde existe a métrica da confiança. A ideia é promover conteúdo que tem os outros em consideração, que é gentil, de confiança, interessante, em vez de estar sempre a tentar ter um ‘concurso de gritos’ a toda a hora. Está a correr bem, é pequeno. De certa forma, quero que continue pequeno durante algum tempo, porque ainda estamos a crescer e a aprender.

Um ano depois, nem o nome sobreviveu. As 10 maiores voltas que o X (ex-Twitter) deu desde que foi comprado por Musk

Quão pequeno é?
Temos cerca de 250 mil registos, mas obviamente que as pessoas não estão a fazer publicações a toda a hora. Por isso diria que temos algumas centenas de utilizadores ativos neste momento.

Mas também tinha outro projeto de rede social, a WT Social.
Sim, a WT Social é a mesma coisa que o Trust Café, apenas mudámos de nome. WT Social nunca foi um bom nome, então mudámos e também temos novo software, que lançámos no mês passado. Estamos a atualizá-lo constantemente mas, sim, é a mesma coisa. A ideia é criar um tipo de rede social diferente, é muito entusiasmante.

Jimmy Wales esteve na Web Summit, na semana passada, a falar sobre inteligência artificial

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Recolhemos quase zero dados sobre os nossos leitores”, diz Wales. “Não temos razão para fazer isso”

A Wikipédia depende de donativos para se manter livre e aberta. Alguma vez se sentiu tentado por outro tipo de modelo de negócio, um que tivesse anúncios por exemplo?
Não, nem por isso. Quer dizer, no início não fazia ideia de como íamos financiar o projeto. Por isso foi apenas começar. Eu nunca quis ter anúncios porque, na altura, não parecia artisticamente correto. É uma enciclopédia, por isso tê-la coberta de anúncios não era algo que quisesse. Mas, em retrospetiva, é de alguma forma óbvio que quando se tem um modelo de negócio baseado em publicidade isso empurra as empresas em direções que provavelmente não são boas para uma enciclopédia. Quer dizer, a publicidade é um modelo de negócio perfeitamente aceitável para muitas coisas, mas para uma enciclopédia…

Nunca ninguém está preocupado que o conteúdo seja influenciado por anunciantes, porque não há anunciantes. E não nos focamos em mecanismos viciantes para tentar ter as pessoas a ‘clicar’ durante mais tempo. Recolhemos quase zero dados sobre os nossos leitores, porque não temos razão para fazer isso. Quando se tem anunciantes é preciso saber qual é a demografia da audiência e é preciso ser tão intrusivo quanto possível para se recolher informação. Por isso, tem sido uma escolha muito boa e sentimo-nos felizes e afortunados que o público faça donativos para apoiar a Wikipédia. É realmente uma coisa boa.

Como é que vê o futuro da Wikipédia? Quais são os seus próximos planos?
Há uma coisa que tende a ser invisível, que é o crescimento dos idiomas dos países em desenvolvimento, porque a maioria das pessoas não dá por isso ou não o vê porque não fala suaíli, por exemplo. Mas isso é uma parte muito importante. Obviamente que, com o aumento dos grandes modelos de linguagem e a inteligência artificial, estamos muito interessados em explorar até que ponto é que esses modelos vão ser úteis para a nossa comunidade em termos de verificar se o texto de um artigo reflete de forma adequada a sua fonte, que, de qualquer forma, é algo que fazemos constantemente.

Mas parece que essa tecnologia poderia digitalizar toda a Wikipédia, todas as fontes e dar sugestões aos nossos editores ativos, do género “este artigo parece ter problemas, parece não refletir a fonte”. Não há problema se às vezes errar, desde que seja bom o suficiente para se tornar uma ferramenta útil e que as pessoas gostem de usá-lo. Acho que seria muito poderoso para nos ajudar a monitorizar tudo de uma forma um pouco mais próxima. Mas ainda são só experiências que estamos a analisar agora, ainda é muito cedo para poder dizer.

Falou em grandes modelos de linguagem que obviamente usam dados disponíveis na internet, por isso também conteúdo da Wikipédia. Faria sentido que a Wikipédia pudesse ser paga por essa utilização?
Sim, potencialmente. Quer dizer, temos a Wikimedia Enterprise, que é para uma espécie de uso mais intensivo, com uma interface de programação de aplicações. Se alguém precisa de ler toda a Wikipédia, pode simplesmente navegar na web, que é algo mais lento, ou pode obter os dados de uma forma muito mais rápida. Disponibilizamos isso e cobramos dinheiro porque também, de certa forma, deixa de pesar-lhes nos servidores.

É o tipo de acordo que têm com as big tech?
Sim, sim, exatamente. É o Wikimedia Enterprise, mas é uma parte muito pequena da nossa operação total. De forma geral, tudo na Wikipédia é licenciado de forma gratuita, é o nosso presente para mundo e as pessoas estão autorizadas a usá-lo comercial ou não comercialmente. Estamos felizes por todos estes grandes projetos estarem a usar a Wikipédia. De facto, faz mesmo parte do nosso objetivo vetar e tentar verificar de forma cuidadosa a informação para ajudar o mundo a manter-se dentro dos eixos nesses termos. Não quereria uma IA que tivesse sido apenas treinada com o Twitter, isso seria bastante louco. Acho que é importante para o mundo continuarmos a tentar dar o nosso melhor para disponibilizar informação de boa qualidade.

Na semana passada, quando esteve na Web Summit, disse que os grandes modelos de linguagem que temos atualmente ainda são muito fracos e dão muitos erros quando escrevem artigos. Tem alguma perspetiva de quando é que isso poderá mudar, já que estes modelos estão a evoluir de forma tão rápida?
É uma boa questão. Claramente que as coisas estão a avançar de uma forma muito, muito rápida. Mas, no fim, o problema da alucinação [quando a IA inventa informação porque considera provável num determinado contexto] e o problema da atribuição são questões realmente muito difíceis. Para os humanos parecem ser bastante fáceis, mas isso acontece porque somos humanos com inteligência completa. Mas devido à forma como os grandes modelos de linguagem funcionam, em que estão só a prever a palavra seguinte baseada numa série passada de palavras, com base num grande modelo de probabilidades… Não quer dizer que percebam alguma coisa e também não sabem de onde vem a informação, apenas foram processados todos os dados do mundo para fazer um padrão preditivo de palavras. Até é surpreendente que funcione, mas funciona e até é bastante impressionante.

Mas para voltarem atrás e perceber como criar alicerces na realidade… Ninguém tem bem a certeza de como fazer isso e há muito trabalho a ser feito. Vai ser muito interessante se esse trabalho for bem sucedido nos próximos cinco a dez anos. Mas, não sei, é difícil prever. Não antecipo que a IA seja capaz de fazer o que a comunidade da Wikipédia faz até se chegar a um nível muito, muito mais elevado. Por exemplo, num artigo da Wikipédia é frequente vermos dez pessoas a discutirem, a pensarem e a trabalharem nas palavras exatas de um parágrafo difícil. É muito poder cerebral para se tentar perceber algo e garantir que está certo. Por isso, um modelo que só vai ‘cuspir’ um texto baseado em algumas coisas que leu e que provavelmente não vai conseguir atingir o nível de nuance e de compreensão do melhor cenário… É claro que nem todos os parágrafos da Wikipédia são gerados por dez pessoas a tentar garantir que está completamente correto. Mas vamos ver o que se passa no futuro e o que aí vem.

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Está a discutir-se muito o tema da desinformação e de como esses modelos podem ser usados para escrever algo que é completamente falso ou mesmo gerar deepfakes. O tipo de caminho que estamos a percorrer na internet, com esses fenómenos, deixa-o apreensivo?
Obviamente temos de ficar de olho nos deepfakes e nas campanhas de desinformação, mas acho que atualmente a maioria das pessoas está a começar a perceber que só porque veem uma imagem ou algo do género isso não quer dizer que seja real, porque a IA já consegue produzir imagens bastante realistas e de uma forma muito fácil. Acho que é importante que as pessoas percebam isso. Vamos ver, espero, um provável aumento do valor que as pessoas dão a marcas tradicionais de notícias. Os procedimentos mais tradicionais: um jornalista, um editor, que verificam informações, com métodos para aceitar correções. Tudo isso é muito, muito importante. Porque se o vídeo e o áudio podem ser falsificados, como é que se sabe o que é real e o que não é? Quando se tem um jornalista que diz ‘ok, falei com o Jimmy Wales, tivemos uma chamada de Zoom’, ok, tudo bem, aí existe uma prova em que se pode confiar.

Wales no palco principal da Web Summit, em meados de novembro

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Estava a falar em fontes de confiança, mas por exemplo em Portugal já tivemos casos de campanhas de desinformação que imitavam a homepage de jornais legítimos. Como fica a confiança nestes casos?
Acho que vamos continuar a ver isso. Também já nos aconteceu há uns tempos, de falsos sites de notícias e tornou-se cada vez mais fácil criá-los. Mas acho que em alguns desses casos estamos a falar de uma questão legal, quando se cria, por exemplo, uma cópia exata do New York Times mas em que se escreve Timmes, com dois ‘m’ ou algo do género, para criar um site falso. Isso já é uma violação de marca registada, é ilegal e o New York Times pode facilmente pedir para que seja encerrado. Acho que isso não vai ser a principal fonte de problemas, mas acho que vai acontecer, de certeza, até porque não há dúvidas de que se tornou cada vez mais fácil de fazer. Mas penso que isso significa que as pessoas vão precisar de se virar para fontes de informação em que possam confiar, porque só o facto de ter um aspeto de um site de notícias não prova que seja um site de notícias.

Faria sentido para a Wikipédia ter alguma espécie de curso para que as pessoas possam ser um melhor consumidor de notícias, por exemplo?
Não é uma má ideia, algo do género ‘pensar como um wikipediano‘. Acho que não temos nenhuma iniciativa nessas área, embora haja sempre alguma coisa a mexer na comunidade, mas não é uma má ideia.

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Esteve na Web Summit e a inteligência artificial foi um tema recorrente, com muitas sessões viradas especificamente para como regular a IA. Em que ponto é que está nesse tema? Acha que é possível regular algo que ainda estamos a tentar compreender como funciona?
Bem, duas coisas. A primeira é que qualquer regulação vai ser muito difícil porque, como disse, ainda é uma tecnologia emergente, estamos só no início de perceber como funciona e ainda ninguém sabe bem exatamente como poderia ser regulada. Não é assim tão simples. Mas também acho que é importante perceber que as técnicas e os modelos são públicos, andam aí. Uma boa parte do trabalho é open source, portanto já há grupos de programas, seja em startups ou apenas como um hobby, que não estão muito longe dos melhores modelos comerciais. Se se pensar que só cinco a dez grandes empresas têm a capacidade de fazer isto, é possível regular cinco a dez empresas, não é difícil de fazer, são grandes empresas e pagam impostos e sabe-se o que fazer se fizerem alguma coisa de mal.

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Mas já vimos que não é fácil regular essas grandes empresas.
Nem sempre. Mas é impossível regular 100 mil programadores que estão a trabalhar a partir de casa no seu hobby. E é isso que está a acontecer agora. Toda a gente que está na tecnologia está muito, muito entusiasmada, porque há todo o tipo de oportunidades, pode-se descarregar um modelo para um portátil quase tão bom como o ChatGPT e pode ser modificado e adaptado e o código pode ser partilhado com outros e por aí fora. Portanto há realmente um desenvolvimento rápido que está a acontecer de uma forma muito alargada. Por isso não são mesmo cinco a dez empresas [para regular], é realmente uma descoberta tecnológica que está a mudar de uma forma fundamental.

A Comissão Europeia está a tentar regular a IA, um trabalho que já tem alguns anos e querem ter as regras finalizadas ainda este ano. O que acha disso?
A Comissão Europeia provavelmente vai ser bem sucedida a tornar a Europa irrelevante na tecnologia. Tenho a certeza de que vão impedir que a IA seja desenvolvida na Europa e que os EUA e a China vão deixar a Europa economicamente para trás. É o modelo clássico, já está a acontecer há décadas. Por isso, tenho a certeza de que vão ser bem sucedidos.

"Acho que a Comissão Europeia provavelmente vai ser bem sucedida a tornar a Europa irrelevante na tecnologia. Tenho a certeza de que vão impedir que a IA seja desenvolvida na Europa e que os EUA e a China vão deixar a Europa economicamente para trás."
Jimmy Wales sobre a vontade europeia de regular a IA

“Estou ansioso pela série da Netflix” sobre a OpenAI, brinca Wales

Tem estado a acompanhar as notícias que estão a surgir sobre a OpenAI? [A entrevista foi feita no dia em que foi anunciado o regresso de Sam Altman à OpenAI, após o despedimento na semana anterior.]
Claro, estou no mundo da tecnologia, leio as notícias como toda a gente. Não tenho nenhuma informação privilegiada, vi esta manhã que agora se tornou oficial que o Sam Altman vai voltar e que estão a mudar o conselho de administração. Uau, estou ansioso pela série da Netflix sobre isto daqui a uns dez anos (risos), tenho a certeza de que vai ser muito divertido.

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Foram tempos agitados para os editores da Wikipédia, também?
Oh, tenho a certeza que sim. É um tipo de história noticiosa que tem uma forma muito confinada, mas acho que vai ser interessante olhar e perceber com que rapidez é que as coisas foram atualizadas. E também porque foi tão confuso, ouviram-se tantos rumores e informações que estavam a ser avançadas, mas quem é que sabe? Mas que episódio…

Fandom, a “Wikipédia” das séries e filmes, também estuda o uso de IA

Deixando um pouco a Wikipédia, também tem outros projetos em curso. Criou o Fandom que está a crescer e que é bastante usado quando se vê uma série. Mas tem um modelo diferente da Wikipédia, certo?
Sim, exatamente. O Fandom está a desenvolver-se muito bem, já temos 200 mil ou mais comunidades de fãs, estamos com cerca de 200 milhões de dólares em receitas, é um negócio muito bem sucedido que continua a crescer. Sim, é ótimo.

Mas esperava este tipo de reação por parte do público?
O Fandom já existe há muito tempo, acho que começou em 2006, portanto já tem algum tempo. Mas acho que realmente a parte interessante sobre o Fandom é que também estamos a olhar para a forma como os grandes modelos de linguagem podem ajudar essa comunidade. Por isso estamos a olhar para novas funcionalidades, como quizzes ou sondagens. O Fandom é mais casual que a Wikipédia, tem a ver com cultura pop, programas de televisão, enquanto a Wikipédia é mais séria.

Sim, tem de se apresentar as fontes.
Sim. No Fandom a comunidade interessa-se mais por ‘trivia’, jogos, sondagens, coisas do género. Estamos a ver até que ponto é que podemos criar novas formas de conteúdo em colaboração com as comunidades.

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