Este texto foi inicialmente publicado a 24 de abril de 2020, depois da compra da TVI por Mário Ferreira. Foi atualizado depois das buscas na Douro Azul e nas vésperas da viagem espacial a bordo da Blue Origin
Era a viagem inaugural do Invicta, um dos primeiros navios-hotel adquiridos pela Douro Azul. Estávamos quase na viragem do século, em 1999. Num golpe da lei de Murphy, um dos motores avariou logo à saída do porto. “Os barcos de grande dimensão, sem o motor, não manobram, não viram. A lógica seria parar, levar o barco para um cais e fazer a reparação. Só que isso implicaria constrangimentos para os turistas”, conta ao Observador Francisco Lopes, ex-presidente da Câmara de Lamego que, à época, trabalhava no então denominado Instituto de Navegabilidade do Douro.
A embarcação, com capacidade para 80 passageiros, estava lotada. Mas Mário Ferreira encontrou “uma solução criativa de reparar o barco em movimento, sem prejudicar os turistas”. Comprou uma espécie de semi-rígido de grandes dimensões, “com motores de centenas de cavalos, e pô-lo a rebocar o navio”, lembra o antigo autarca. Só que era preciso conhecer bem o Douro — e o Invicta — para levar a ideia adiante. E o empresário sabia com o que estava a lidar.
“Então aí veio ele, na primeira viagem, ao leme do bote, a explicar aos operadores que iam fazer as manobras como se fazia. Estava uma chuva torrencial, lembro-me muito bem dele, de impermeável.” Durante dois dias, foi Mário Ferreira quem conduziu a embarcação — “a fazer e a mostrar como se fazia”. Enquanto isso, dentro do Invicta, os motores iam sendo reparados “e o barco acabou por entrar na sua atividade normal sem ele [Mário Ferreira] ter de interromper as férias aos turistas”. Lá dentro, garante Francisco Lopes, ninguém se terá apercebido de nada.
“Acho que isso foi uma das coisas que o ajudou a singrar. Foi ter feito uma vida de ‘self-made man’, em que passou por muitas atividades e tarefas. Quando as mandava fazer, ele sabia como as fazer porque já as tinha feito”, diz ainda o ex-presidente da Câmara de Lamego, para quem o empresário nortenho “trouxe muito ao Douro”. Como aquela vez, após a tragédia de Entre-os-Rios, em que ouviu o primeiro-ministro de então, António Guterres, garantir que seria contratualizada uma linha de ferryboats enquanto a nova ponte não fosse construída.
“Ele [Mário Ferreira] comprou logo dois ferryboats sem ter ainda acordo com o Estado. Depois, nenhuma seguradora em Portugal aceitava fazer um seguro num sítio que aparecia nas televisões de todo o mundo como um local de tragédia. Mas o Mário Ferreira resolveu o problema: arranjou uma seguradora em Inglaterra, e o seguro ficou pronto entre as 22 e 23 horas da véspera do início da atividade dos ferryboats. Em pouco mais de um ano, transportou mais de um milhão de viaturas de um lado para o outro.”
Mas apesar destes elogios, Mário Ferreira, 54 anos, está longe de ser uma figura consensual na região. Se há quem lhe gabe a paixão pelo Douro, e a visibilidade que lhe trouxe, outros criticam-lhe a intervenção na paisagem ou a intransigência. Francisco Lopes, enquanto presidente da Câmara de Lamego, conheceu-lhe as duas facetas.
Apesar dos exemplos positivos já recordados, havia, entre os dois, “uma tensão permanente”. “Sempre que era necessário pedir o calendário de manutenção das eclusas [obras de engenharia hidráulica que permitem aos navios subir ou descer rios em locais de desnível], para ele nunca chegava. Se ele pudesse ter mais de 365 dias por ano para navegar, aproveitava.” Lembra-se também das discussões com Mário Ferreira quando a autarquia passou a aplicar uma taxa para a utilização da via (exigência do Governo de então) — ainda que, ressalva, o empresário sempre tenha pago apesar da resistência. Ou da “guerra” quando a Câmara quis internacionalizar a travessia do Douro e trazer um novo operador turístico, a Croisi Europe, para a região. “Ele não queria de forma nenhuma. Foi uma guerra com ele. Justificámos que a empresa não teria dimensão para lhe fazer concorrência, que trabalhavam em segmentos diferentes, e que até podia ser benéfico. E que não era uma escolha dele.”
Sem escolha, Mário Ferreira acabou por juntar-se ao movimento de internacionalização e “reagiu de forma muito inteligente”. “Em vez de esperar que outros operadores viessem para o Douro”, foi à procura de operadores turísticos internacionais e trouxe-os para a região, para que operassem no rio através de barcos alugados à Douro Azul — a empresa é simultaneamente operadora e fornecedora de navios à concorrência e hoje é até dona da Nicko Cruises, uma empresa alemã que, quando foi comprada, era duas vezes maior do que a Douro Azul e estava em falência.
Quem contacta regularmente com o empresário descreve-lhe o estilo particular. E particular é uma figura de estilo pela positiva. “Foi sempre uma pessoa inconformada que se batia pelos seus interesses“, acrescenta Francisco Lopes. Se algumas ‘disputas’ entre o empresário e autarcas ou entidades da região foram ultrapassáveis, outras nem por isso — como a que mantém com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) há quase 20 anos pela construção de um hotel com campo de golfe na margem direita do Douro, no concelho de Mesão Frio (num artigo no Público, chegou a dizer, porém, que não se trata de uma “guerra” e que “as relações são cordiais”). Ou uma outra com a Direção Regional da Cultura do Norte por outro projeto de hotel na escarpa da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.
Ou ainda os dois processos de difamação que moveu contra um ex-funcionário de turismo no Douro que o classificou, no Facebook, como o “tubarão” [alegada alusão ao programa televisivo em participou] que “não gosta de verdades” e que “tresanda a exploração e corrupção onde mete as mãos”. E um outro contra a ex-eurodeputada Ana Gomes, para quem a investigação à venda do navio Atlântida foi “um sinal de que algo está a mexer num caso de flagrante corrupção”.
O Atlântida foi construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, para ser entregue à Atlânticoline, empresa regional detida pelo Governo Regional dos Açores, que o rejeitou, em 2009, por ter sido entregue um ano fora do prazo e por não conseguir atingir a velocidade que constava no caderno de encargos. A quebra do negócio ajudou a levar ao fundo os Estaleiros de Viana, na altura uma empresa pública. O governo venezuelano, então com Hugo Chávez à frente, ofereceu-se para comprar o navio por 42,5 milhões de euros, mas o negócio não avançou.
Mais tarde, em 2014, o Atlântida – um navio avaliado em 50 milhões de euros – foi posto em leilão (sob a forma de um concurso público internacional). A empresa grega Thesarco Shipping ganhou com uma oferta de 13 milhões de euros, mas – por razões que nunca se apuraram – não chegou a cumprir as formalidades do processo e o navio foi para a segunda oferta: a da Mystic Cruises, de Mário Ferreira, por 8,7 milhões de euros. A história não ficou por aqui: poucos meses depois, Mário Ferreira vendeu o navio à empresa holandesa Hurtigruten, por uma verba estimada em 17 milhões de euros, o dobro do que tinha gastado para adquirir o “ferry”.
Os contornos da venda do navio estão a ser investigados pelo DCIAP, que em julho, em conjunto com a Autoridade Tributária, fez buscas na Douro Azul, no Porto, Funchal e Malta, por indícios de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Mário Ferreira viria a pedir para ser constituído arguido no que foi apelidado pelo DCIAP como “caso Ferry”, o que acabou por acontecer.
Foi na SIC Notícias que o empresário reagiu, dizendo-se “vítima de um ataque sem precedentes”. Garantiu que não houve nada de ilegal na venda e que quem devia ser investigado é o grupo de gestores públicos que tratou do processo de um navio “construído pelo Estado para ser comprado pelo Estado e que foi recusado pelo Estado“.
Mário Ferreira alega que ao Atlântida foram imputados custos fictícios na altura da construção a pensar na rota dos Açores. E diz que a compra aconteceu cinco anos depois de o navio ter sido recusado pelos Açores, numa altura em que o ferry estava “abandonado no Alfeite”, em mau estado de conservação — “tinha dezenas de toneladas de marisco agarrado a todo o navio, ferrugem por todo o lado, os sistemas desligados”.
A AT suspeita que Mário Ferreira vendeu o ferry a uma empresa da Noruega através de Malta para declarar menos lucros em Portugal e reduzir, assim, o pagamento de IRC devido, segundo o Público. À SIC Notícias, o empresário adiantou que apenas vendeu após um investimento de mais de dois milhões para certificar o barco e fazer alterações para que o conseguisse vender. Ou seja, sugere que a mais-valia rondou os 5 milhões. O “patinho feio português que se tornou um cisne de gelo norueguês” e que continua a dar que falar.
Um dia antes das buscas, foi tornado público que o Banco de Fomento decidiu atribuir à Pluris, que integra a Douro Azul, mais de metade dos 76,7 milhões de euros de uma das componentes do fundo de capitalização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR): 40 milhões de euros. Noutras contas, 10% dos 400 milhões disponíveis em todo o Programa de Recapitalização Estratégica do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR). Mas semanas depois, Mário Ferreira viria a abdicar do apoio “em nome da verdade dos factos e na salvaguarda do seu bom nome e do seu acionista principal”.
Com “guerras” pelo caminho, Mário Ferreira, filho de um manobrador de guindastes e de uma proprietária de um restaurante, constituiu uma holding, a Mystic Invest, que abarca a Douro Azul, avaliada em mais de 600 milhões de euros. Além da linha internacional de cruzeiros de luxo, tem investimentos em hotelaria (vendeu em 2018 o emblemático Hotel Porto Monumental, na baixa da Invicta, por 38 milhões de euros), imobiliário, fotografia, helicópteros turísticos e até tem uma participação num ATL. Desenvolveu no Porto o World of Discoveries, o primeiro museu interativo, com um parque temático dedicado aos Descobrimentos portugueses.
O mundo dos media não é novo para ele. É acionista e membro do conselho de administração no jornal digital Eco. Agora, quer “fazer coisas com piada” na TVI. Pelo menos era o que dizia quando se falava que entraria no negócio através da OPA da Cofina sobre a Media Capital. O negócio da Cofina caiu, mas Mário Ferreira chegou a acordo com os espanhóis da Prisa para comprar uma posição de 30,22% na dona da TVI, valor que mais tarde reforçou para 35,38%.
Mário Ferreira da Douro Azul chegou a acordo com a Prisa para ficar com 30% da TVI
Quando ainda se falava no negócio da TVI pela mão da Cofina – agora concretizado de outra maneira – Mário Ferreira falava de um bom negócio. “Depois da análise ao negócio, vi que a TVI distribuía 20 milhões em dividendos. A Cofina também ia ter um resultado muito bom. Por isso, é um bom negócio”. Ao Observador, numa entrevista em outubro, já tinha deixado o aviso: quando investe num negócio, é para ganhar dinheiro.
“Acho que eu para investir nesse setor dos media – e se investir nesse setor – é para poder ser um negócio e um negócio sustentável. Não acredito em estar a tirar dinheiro de outros negócios para sustentar uma coisa que não tem viabilidade“, disse na altura.
Para Mário Ferreira, que antes “via sempre a SIC Notícias, mas aqui há uns meses” mudou para a TVI24, “a TVI estava sem rei nem roque. Esta compra vai ser uma bênção. Não vai haver qualquer problema de gestão, porque o problema era não haver gestão”, frisou nessa conferência.
Entrevista. Mário Ferreira, magnata dos media? “Comigo é para ganhar dinheiro”
E questionado sobre a conciliação de duas “culturas tão diferentes”, foi perentório: “Quem compra, manda. (…) A TVI não vai ser a CMTV. Que interesse teria comprar a TVI e depois fazer uma salada, misturar tudo e ficar tudo igual? Cada uma tem o seu segmento. E a TVI24 voltará a ser um grande canal, para um segmento diferente dos outros.”
Quanto a Paulo Fernandes, o dono da Cofina, Mário Ferreira fala de um amigo, com quem quem, aliás, faz caça e férias em família.
A volta ao mundo e o casamento milionário
Mário Ferreira nasceu em Matosinhos, mas cedo navegou para outras águas. Com apenas 16 anos foi para o Reino Unido, onde trabalhou como empregado de mesa, e depois como gerente de um restaurante, com um salário de cerca de 2.500 libras por mês (cerca de 2.900 euros). Aos 20 anos conheceu o administrador da gigante de cruzeiros Cunard. “Morava mesmo atrás do restaurante que eu já geria na altura e fez-me o desafio de poder ir a uma entrevista para a Cunard e embarcar e foi o que eu fiz. E andei durante cinco anos à volta do mundo, sempre no mesmo navio“, revelou ao Observador. Chegava a ganhar até 8 mil euros por mês e a trabalhar sete dias por semana — certa vez, chegou aos 14 meses seguidos sem folgas nem férias, contou.
“Conhecemos todos o tipo de pessoas. (…) Quando você hoje fala num serviço de cinco estrelas, isso era pouco para aquele tipo de serviço. Aquilo chamava-se ‘white glove service’. Hoje as pessoas até se sentem intimidadas com esse tipo de serviço (…), o talher era em prata, os copos eram em cristal”, contou ao Observador. Familiarizou-se com termos como “high tea” ou “viennese tea” e habituou-se às orquestras “a tocar para o chá das cinco”.
Aprendeu ainda que “independentemente da força da marca da empresa, as pessoas faziam a diferença”. O ensinamento veio do “senhor Rodriguez”, um “cubano que estava exilado nos Estados Unidos, casado com uma das herdeiras da Bacardi” e que, “segundo dizia ele, foi colega de carteira de Fidel Castro”. Fazia todos os anos a circum-navegação. “E então ele estava ali mais de três meses connosco”.
Pelo “Senhor Rodriguez”, que chegou a recusar embarcar sem Mário a bordo, diz que abdicou das férias de dois meses em Portugal. “E não era por mais”, até porque “em toda a volta da circum-navegação que fazíamos, todos os dias [o senhor Rodriguez] dava-me um ‘passou-bem’ de 100 dólares. Dobrava a notinha à maneira dele e todos os dias vinha ter comigo e dizia ‘Buenos dias, Mário, Buenos dias’ e ‘tumba’ lá me dava aquela notinha.”
A vida a navegar foi-lhe proveitosa, mas Mário Ferreira, com quase 25 anos, quis regressar a Portugal. “Estava numa fase de transição, podia renovar mais um ano; pensei: ‘Vou fazer 25 anos, está na altura’. Saí, nunca mais voltei”, afirmou numa entrevista à jornalista Anabela Mota Ribeiro.
Foi na sua última viagem que conheceu a primeira mulher, norte-americana, milionária que herdou uma fortuna do pai, e de quem teve dois filhos. Na mesma entrevista, conta como ajudou a ex-mulher e a ex-sogra a gerir a herança, em que, garante, nunca tocou — e que, assegura, até ajudou a crescer. De volta a Portugal, investiu num restaurante, o ‘Avó Miquinhas’, e comprou “uma casa simpática no Cabo do Mundo [a seguir a Leça da Palmeira], que era o que podia comprar com o nosso dinheiro, do trabalho”. A ex-sogra ofereceu-lhes outra casa, na Avenida Montevideu, “em frente ao mar”. “Aos 26 ou 27 anos” deram-lhe o primeiro Ferrari. Depois, comprou ele próprio um segundo.
Por essa altura, já tinha criado, em 1993, a empresa Ferreira & Rayford Turismo, Lda., e adquirido, a um preço baixo, a primeira embarcação, o VistaDouro, para 130 passageiros. O portuense quis expandir o negócio, adquiriu a Douro Azul – Sociedade Marítimo Turística, S.A.. e comprou um novo barco: o Princesa do Douro com capacidade para 170 passageiros. O primeiro navio-hotel, o Alto Douro, chegou em 1996. Aí começou a realizar cruzeiros de uma semana. Antes dos 30 já tinha ganhado o primeiro milhão de euros. A frota foi aumentando e hoje a Mystic Invest tem mais de 40 embarcações, que circulam da Europa à Antártida.
Quando se divorciou da primeira mulher, em 2004, teve de pagar em partilhas pelo património já criado mais de 15 milhões de euros, mais 25% das ações da empresa Douro Azul, que recomprou quatro anos depois. Chegou a receber telefonemas de jornalistas a questioná-lo se a empresa estaria falida. E se com o fim do casamento não tinha terminado a “sua fonte de financiamento”? “‘Eh pá, estão todos enganados, a minha fonte de financiamento sempre foi o BES e o BCP, e continua a ser’. Divorciei-me e o BES ainda me financiou mais para pagar o meu divórcio e manter tudo aquilo que tinha“, respondeu-lhes.
Dos turistas que “só deixam o lixo”, às excursões em Favaios
Foi num passeio pelo Douro que se apercebeu das lacunas nos serviços prestados nas águas durienses. Pioneiro na navegabilidade do Douro, dele tirou rentabilidade. Primeiro em circuito fechado — os turistas subiam e desciam o rio, mas não saíam para visitar a região (só deixavam “o lixo”, disseram algumas das pessoas ouvidas pelo Observador). Num evento, um autarca chegou a expressar-lhe essa crítica. Mário Ferreira terá respondido: “Para tirar turistas do barco, tenho de ter motivos. Arranje-me razões para os tirar do barco“.
António Martinho, antigo presidente do Turismo do Douro, conta uma história semelhante. “Tive oportunidade de apelar ao empresário Mário Ferreira para que o investimento no barco-hotel tivesse mais-valias para a região e fui testemunha de alguns dos desafios que ele nos lançava — a nós, agentes de turismo, mas também a empresários da região. Um dia ele disse-me: ‘Eu sou operador do rio, é preciso que as pessoas da região se disponibilizem a fazer parcerias, que sejam operadores de terra”.
Houve, por isso, situações de choque entre o empresário e os autarcas — o primeiro pedia estruturas aos segundos para a atividade turística, os segundos pediam ao primeiro turistas em terra. “O setor da navegação pretendia todas as condições e dava pouco. Porque o cruzeiro absorve muito — a vida faz-se no cruzeiro. As pessoas saem para visitas, mas as refeições são todas feitas no barco. E depois há resíduos, que têm de ser colocados em contentores, e eu sei que houve autarcas que usaram a expressão ‘só nos deixam o lixo’. Já naquela altura não era bem assim, mas na altura houve diálogo dos autarcas com a Douro Azul para conseguir que não deixasse só lixo, mas também dinheiro. Podemos constatar aqui em Vila Real, em visitas à Casa de Mateus, que aumentaram muito com o crescimento do turismo em barco-hotel”, conta António Martinho.
Os apelos de um e de outro lado foram ouvidos, e hoje há terras em que o fluxo de turistas floresceu. Luís Barros, empresário de Favaios, proprietário da Enoteca Quinta da Avessada, concelho de Alijó, sabe o que isso é. O negócio vai de vento em poupa — muito devido aos turistas trazidos pela Douro Azul, que chegam ao Pinhão e partem de autocarro até à quinta para degustação de vinho e iguarias da região.
Foi em 2010 que Mário Ferreira lhe apareceu na Quinta com um chapéu a dizer ‘Douro Azul’, para ver as instalações. “Disse-me: ‘Ó Luís, quando tiveres capacidade para 150 pessoas, eu trago-as para aqui, começo a trabalhar contigo. E realmente apertou-me a mão e, passados quatro ou cinco meses, veio aqui e disse-me ‘tens as condições para receber a nossa equipa’”. O empresário destacou uma equipa de cozinheiros e chefes para a elaboração das ementas e planeamento das provas de vinho que seriam servidas aos visitantes da Douro Azul. A partir daí começaram a vir os autocarros dos navios-hotel. A Quinta da Avessada passou a ser local de passagem de turistas — e do próprio Mário Ferreira, que ali organizou as festas de aniversário dos filhos e dele próprio. “Devido à Douro Azul, aumentámos de cinco para 40 funcionários”.
Mário Ferreira queria mais e certo dia disse a Luís Barros: “Temos de fazer algo diferente. O que é que podes fazer na tua aldeia?’”. O sócio respondeu-lhe: “‘Ó Mário, podemos fazer a história do pão e do vinho no Museu que foi criado pela UNESCO e que está fechado porque não tem gente, não há turistas; podemos visitar a adega cooperativa de Favaios e conhecer o método industrial de produção de vinho; e tens cinco padarias tradicionais em forno de lenha que era muito interessante que os turistas conhecessem’.” Mário Ferreira ficou interessado e delinearam uma tour por Favaios para os visitantes da Douro Azul.
Oito anos depois, o museu, que estava fechado, tem sete funcionários, a padaria tem mais dois, e a adega cooperativa, que nem departamento de turismo tinha, soma agora quatro trabalhadores. “A aldeia ficou toda dinamizada, com milhares de visitantes por ano, em que cada um dos pontos há pagamento — é paga a entrada do museu, é paga a entrada na adega e da padaria.” A Douro Azul chegou a representar 90% dos clientes em Favaios. Hoje, passou para 60%, “porque outros vieram atrás”.
Luís Barros só lamenta que Mário Ferreira, que ia a Favaios duas vezes por ano, tenha deixado de aparecer e de o contactar. “No terceiro ano, o Mário aparece aqui e diz que vai construir mais uma série de barcos e que vai ser cada vez mais difícil falar com ele, porque está a ficar tudo muito grande, mas diz: ‘Luís, um abraço, o tour de Favaios é um sucesso, vamos continuar’. E deixei de ver Mário Ferreira. Desaparece do mapa, deixo de o ver e mete uma ‘catrefada’ de gente a falar por ele. (…) No Natal mandava sempre um cartãozinho a dizer ‘obrigado pela parceria’ e isso já não faz, mas acredito que o homem deve ter mil e uma coisas para tratar, não é?”.
De Mário Ferreira lembra o estilo — à americana, direto e rápido — nem sempre compreendido por todos (“não é fácil lidar com ele, é um empresário grande, quer as coisas à maneira dele” e isso “é uma forma muito diferente do que o Douro estava preparado”), bem como o compromisso. “Disse que ia trazer milhares de turistas e trouxe mesmo. Tenho-o como um homem sério. Agora, fala grosso: ‘Ó Luís, é assim, assim e assim. Se fizeres isto, a gente começa a trabalhar’”. Chegou a dizer ao parceiro de negócio: ‘Não é por ter dinheiro que to dou. É porque tu tens de o merecer. Se tu ganhares cinco eu tenho de ganhar 20’”.
Pedro Garcias, produtor de vinhos, acompanhou como jornalista as viagens inaugurais da Douro Azul, e conhece, desde o início, a carreira empresarial de Mário Ferreira. Reconhece-lhe os méritos e o espírito empreendedor, mas critica a forma como faz negócios, como se relaciona com a região do Douro e os impactos da sua atividade.
“Limita-se a explorar as riquezas da região. Deixa alguma coisa, mas é muito pouco para a pegada ecológica que deixa lá. Os barcos têm um impacto brutal para a região”, diz ao Observador. Para Garcias, Mário Ferreira tem mostrado “falta de humanidade, de compromisso social e ético que devia ter com a região e com as pessoas”. “É um bocadinho o dono disto tudo, que acha que pode fazer tudo e ninguém o pára. E quando alguém o contesta, por achar que o projeto dele não se enquadra no interesse da região ou das leis, é bruto, insulta, ameaça, e perde a razão muitas vezes por isso. Habituou-se a que ninguém o enfrentasse, por terem medo dele”.
Foram estas as críticas que apontou ao empresário num artigo de opinião no Público, publicado em junho do ano passado: “O Douro não pode ser uma coutada de Mário Ferreira”. O empresário respondeu-lhe rapidamente, num direito de resposta no mesmo jornal. “Pedro Garcias diz que o Douro não pode ser uma coutada de Mário Ferreira. Eu, que sou o visado, só posso pedir que o PÚBLICO não seja uma coutada de caça ao Mário Ferreira.”
Os sucessivos travões aos hotéis nas margens do Douro
No hotel que Mário Ferreira planeia construir na escarpa da serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, a entrada far-se-á de barco. Um estilo veneziano, à moda do empresário. O projeto, que incluía a reabilitação da Capela do Sr. do Além, ainda não avançou — mas não por vontade de Mário Ferreira ou até da Câmara Municipal de Gaia. É que as propostas têm sido repetidamente chumbadas, ora pela Direção Regional de Cultura do Norte (DRC), ora pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). Em causa está a “volumetria excessiva” da construção, nas ruínas de uma antiga fábrica de Cerâmica, e pelo facto de o projeto estar inscrito numa zona especial de proteção do Mosteiro da Serra do Pilar, junto à área designada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade.
O Wine Lodge Hotel (nome do projeto), de cinco estrelas, cuja previsão inicial de investimento rondava os 15 milhões de euros, esteve parado. Em 2017, o portuense suspendeu o projeto, por estar “desgastado” com os repetidos chumbos.
Quando foi questionado pelo Observador sobre estas recusas, em outubro, Mário Ferreira disse que o projeto “não teve pareceres finais”. E que, naquela manhã de 24 de outubro, acabara de descobrir que o arquiteto responsável pelo projeto enviou as alterações do mesmo para o e-mail errado. “Achámos estranho – até pensámos que tinha sido o próprio arquiteto que não tinha mandado as alterações pedidas – porque nunca mais vinha resposta nenhuma. E na verdade o que aconteceu foi que a técnica mudou de e-mail e diz ‘Ah, os emails que mandou em julho para esse endereço já não dá, porque agora o endereço é outro’. Isto aconteceu em outubro, por isso, veja quantos meses se perderam por uma troca de emails…”
Apesar dos pareceres não favoráveis, Mário Ferreira não desiste de implementar os projetos — um deles parado há 20 anos, precisamente, por falta de um aval positivo, no concelho de Mesão Frio, na margem direita do Douro. A obra chegou a ser classificada como Projeto de Interesse Nacional (PIN) durante o Governo de José Sócrates, mas os estudos de impacte ambiental foram recusados pela CCDR-N — mesmo apesar das revisões do projeto por Mário Ferreira — por ser uma ameaça à classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial pela UNESCO e poder até violar a Lei da Água (o espaço localiza-se em grande parte do leito de cheias do Douro), noticiou o Público.
Uma versão que Mário Ferreira contesta. “Se houvesse uma ameaça não deveria ter sido aprovado — e foi aprovado“, disse ao Observador.
O projeto inicial, conta ao Observador um ex-autarca que preferiu não ser identificado, incluía um campo de golfe “em que a bola podia passar de um lado para o outro”. “Sempre achei aquilo uma coisa megalómana, descontextualizada do Douro, que é património mundial”, conta, defendendo que, enquanto empresário, Mário Ferreira “procura ter o lucro que pode. Cabe aos poderes públicos dizer-lhe até onde pode ir. Foi isso que aconteceu”.
As críticas ao impacto ambiental fizeram também ouvir-se quando construiu um parque de estacionamento e um paredão em granito no cais da Brunheda, parte integrante do Plano de Mobilidade do Tua, subconcessionado a Mário Ferreira. A obra foi alvo de uma queixa anónima e a liga dos Amigos do Douro Património apresentou um pedido de informação à CCDR-N devido ao forte impacto visual — a altura dos muros e os materiais utilizados — que, por sua vez, instaurou um processo à empresa de Mário Ferreira.
Outro dos planos do empresário é a revitalização do comboio turístico da linha do Tua. O plano de mobilidade, que inclui a navegação turística na albufeira do Tua e a gestão da linha de caminho-de-ferro (com o regresso do comboio turístico ao Tua), foi subconcessionada a Mário Ferreira, depois de o concurso público para a sua exploração ter ficado deserto. Mas o comboio turístico tem sido repetidamente adiado: a execução das obras seria da responsabilidade de Mário Ferreira, que não lhes deu andamento, precisamente, após o processo instaurado pela CCDR-N pela construção do muro de Brunheda.
Começaram as obras necessárias para o comboio regressar ao Tua
Ao Observador, José Paredes, presidente da Câmara de Alijó, acredita que foi antes a “burocracia”, que motivou a decisão do empresário, e não o processo da CCDR-N. “As coisas ficaram demasiado morosas para que um privado que está no mundo dos negócios possa conviver pacificamente com isto.”
“Como esteve muitos anos sozinho no Douro, habitou-se a achar que era o dono do rio”
Maria Andrada é hoje concorrente de Mário Ferreira, mas foi em tempos um dos seus braços direitos — diretora comercial na Douro Azul. Deixou o cargo “depois de algumas divergências” com o empresário — e pelo salário, que “Mário Ferreira pagava, pelo menos na altura, salários relativamente baixos” (em janeiro, anunciou que nenhum trabalhador a bordo dos navios ganharia menos de 1.000 euros mensais).
Pelas citações, não é difícil de perceber que Maria Andrada não tem papas na língua. E elogia o ex-chefe por sempre lhe ter dado a liberdade de dizer o que pensava — mesmo quando não concordava. “Aí amuava, mas sempre fui de dizer o que acho”, diz ao Observador.
A também empresária reconhece ao ex-colega “muitas qualidades”, exceto uma: “Não gosta de concorrência”. “Eu até lhe chamava por brincadeira o ‘dono disto tudo’, porque, como esteve muitos anos sozinho no rio Douro, habituou-se a achar que era o dono do rio e viu, ao longo dos anos, com maus olhos a entrada de companhias independentes… e até fez o suficiente para as desmotivar a entrar”.
Maria Andrada saiu da Douro Azul, em 2015, para a concorrente, Scenic Tour, um operador australiano de cruzeiros de luxo, como diretora-geral para Portugal. “Eu pensava que tinha saído a bem, mas vim a descobrir uns tempos mais tarde que o Mário Ferreira tinha levado a mal que tivesse ido trabalhar para a Scenic. Porque ele não tinha concorrência no rio Douro e percebeu nessa altura que, entrando uma empresa, seria altamente prejudicial para os negócios da Douro Azul”. As “pazes comerciais” fizeram-nas há pouco tempo. “Estivemos zangados há alguns anos, mas acabámos por nos sentar e fazer as pazes… comerciais, pelo menos. Continuo a ter muita consideração por ele, a achar que é um grande empresário, mas não sei se já terá perdoado a ousadia. Provavelmente não.”
Além da saída para a concorrência, o que motivou a “zanga”? Maria Andrada conta a sua versão da história. E nessa versão relata que o empresário tentou várias vias para impedir a Scenic Tours de operar no Douro.
A entrada da empresa australiana no Douro não foi fácil. Primeiro, a Scenic apresentou a manifestação de interesse, em 2014, para a utilização privativa de um lugar de acostagem no Cais da Alfândega, para o exercício da sua atividade. A lei concede-lhes o direito de preferência, mas a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, SA. (APDL) dá um prazo de 30 dias para que outras empresas se manifestem. Nesse tempo, apareceram dois interessados: um, que não chegou a fazer proposta, e a Douro Azul, que já detinha parte de um cais na margem de Gaia e um outro na ribeiro do Porto. “O Mário Ferreira decidiu dar um preço exorbitante por aquele cais e acabou por ganhar o concurso público pela oferta mais alta. Mas nós, como tínhamos o direito de preferência, igualámos o valor, e assim o cais passaria a ser nosso. Com o cais de Gaia, ele nem tinha necessidade daquele…”.
A proposta inicial da Scenic era de 5.500 euros de renda mensal, mas a Douro Azul fez uma oferta de “25.000 euros, que nem ele [Mário Ferreira] poderia pagar”. “Logo aí estava mostrada a falta de vontade dele para ficarmos no cais. Queria afetar-nos financeiramente.”
Maria Andrada recorda ainda como a empresa encetou contactos com a Infra-estruturas de Portugal (IP) para desanexar ao Museu dos Transportes uma fatia de terra [em Mira Gaia, de que a IP era proprietária] “para nos deixar construir um parque de estacionamento para os nossos autocarros [turísticos]”.
As negociações, garante, “já estavam num plano muito avançado”, até que Mário Ferreira foi eleito presidente do Museu dos Transportes. “Aí, o acordo que tínhamos com a IP foi por água abaixo. Escreveram-nos um e-mail a dizer que, afinal, aquela opção já não estaria disponível”. A situação acabaria por resolver-se — com a Câmara do Porto a ceder um espaço no parque de estacionamento sujeito a uma mensalidade de quase 6 mil euros. A Scenic Tours chegou a apresentar queixa na Autoridade da Concorrência, acusando a Douro Azul de impedir a entrada da empresa no Douro, mas o regulador não lhes deu razão.
Antes dos conflitos, a relação entre Maria Andrada e Mário Ferreira foi “sempre boa”. “Na altura, era comercial, enchi-lhe os bolsos de dinheiro [risos]”. “Tive muito sucesso na minha atividade como comercial na Douro Azul. Quando entrei, em 2005, a faturação anual dos navios-hotel era de cerca de 800 mil euros, e quando saí, em 2015, a empresa faturava 30 milhões de euros. Portanto, acho que a nossa relação foi muito frutuosa”.
Maria Andrada aponta ainda a intransigência e recorda que, quando as autoridades se recusavam a abrir barragens e “fechavam o rio” — devido a cheias, por exemplo — “porque não havia condições de segurança para os navios”, Mário Ferreira se insurgia contra a decisão. “Ele ia à televisão ameaçar… que ele andava a trazer turistas e as autoridades fechavam o rio… que ia pedir indemnizações…”, diz a empresária.
“Não se vai construir imóveis, mas vamos expandir por aí fora”: a quota num ATL
André Sobral não sabe ao certo quando foi a última vez que viu Mário Ferreira. “Talvez por alturas da Páscoa”, diz o co-fundador da Kids.i, uma empresa especializada no acompanhamento pós-escolar de crianças e jovens fundada em 2004.
Em 2015, André e a irmã, Sara, concorreram ao Shark Tank Portugal, a edição portuguesa do programa televisivo no qual magnatas investem em startups. O projeto — na altura chamado República da Pequenada — conquistou a atenção de Mário Ferreira. “Gostei deles”, disse, enquanto os irmãos discutiam a contraproposta apresentada pelo empresário: 50 mil euros por 15% de participação na empresa (a proposta inicial de André e Sara era de 45 mil euros por 5%). Os irmãos aceitaram. E Mário Ferreira respondeu-lhes: “Vamos trabalhar. Não se vai construir imóveis, mas vamos expandir por aí fora”.
Hoje, quase cinco anos depois, o ‘tubarão’ já terá, nas contas destes irmãos Sobral, injetado cerca de 300 mil euros no negócio, que vai expandir com a criação de mais um pólo de acompanhamento de crianças e jovens, na Maia. “Provavelmente por ele [Mário Ferreira] já teríamos mais pólos”, afirma André. Nos três primeiros anos de parceria, o responsável pela Kids.i estima que a faturação e o número de pessoal tenham triplicado.
Além do dinheiro, Mário Ferreira deu à República da Pequenada uma estrutura de apoio, nomeadamente em gestão, com controlo de custos, e marketing. Tanto que o nome foi alterado para um outro “mais conciso e futurista” — Kids.i. “Tínhamos uma estrutura alicerçada no princípio de gestão familiar e, portanto, nas conversas que fomos tendo com a equipa que nos foi disponibilizada pelo Mário Ferreira foram-nos ajudando a transpor essa visão para uma visão mais empresarial.”
Mário Ferreira “não é daqueles que põe o dinheiro e depois desaparece”, assegura. O gestor, garante André, continua envolvido no projeto, embora não apareça muitas vezes — as reuniões, quando não são na sede da Douro Azul, são feitas por telemóvel, e-mail ou Skype. Foi ele quem sugeriu que a Kids.i passasse a oferecer acompanhamento também em infantários e que as áreas de ensino — como música –, que as crianças fossem ensinadas em grupos divididos não consoante a idade, mas os seus interesses. “Definimos em salas distintas as áreas de estudo para as quais vão os diferentes grupos. Em vez de estarmos a ensinar música aos três, aos quatro e aos cinco anos, teríamos uma sala só de música para onde iriam as crianças de todas as idades, que ficariam a partilhar a mesma área de interesse”.
A personalidade de “homem do Norte” notou-se em algumas situações — e André nem sempre concordou com Mário Ferreira. Aconteceu com a rapidez do crescimento. “É uma coisa concreta em que as perspetivas são diferentes. Apesar de estarmos a crescer a uma velocidade interessante, este tipo de atividade não se compadece com um crescimento tão rápido como outros setores de negócio. Porque o nosso negócio é lidarmos com crianças, temos de criar um vínculo afetivo que noutros negócios é diferente”. E isso leva tempo.
Mário Ferreira foi dos ‘tubarões’ que investiram em mais negócios. Mas a Kids.i é a empresa de que mais se ouve falar. O Observador contactou um outro projeto apoiado pelo empresário, mas o responsável apenas quis referir que “a nossa colaboração com o Sr. Mário Ferreira não foi de todo positiva. É, infelizmente, um capítulo que não quero recordar“.
Uma viagem ao espaço e o convite a Sharon Stone: as excentricidades de Mário Ferreira
Mário Ferreira é um homem excêntrico. Foi o primeiro português a comprar um bilhete de 200 mil dólares para uma viagem ao espaço a bordo da Spaceship One da Virgin, do magnata Richard Branson, mas desde 2004 que espera pela aventura (a nave está ainda em testes).
Já ultrapassada a fase de testes está a cápsula autónoma e reutilizável New Shepard, da Blue Origin (de Jeff Bezos). Tudo acontecerá numa viagem de pouco mais de dez minutos com cinco outros tripulantes desde o deserto no Texas (EUA) e transpondo a barreira que separa o limite da atmosfera e o espaço. Terá pago entre 200 mil e 300 mil dólares para a aventura. Consigo levará uma garrafa de vinho do Porto.
Ao Observador, o empresário chegou a dizer, antes da estreia da primeira edição do Shark Tank, que gosta de caçar, fazer mergulho, correr, tirar fotografias, ouvir Diana Krall ou Rod Stewart. “Aquela voz… Já o tentei contratar, mas o tipo é muito careiro”, disse. Convidou, ao invés, Michael Bolton para a inauguração de um dos seus barcos.
Shark Tank. Quem são e o que querem os tubarões do investimento?
Depois de conhecer a atriz Andie MacDowell no Douro Film Harvest, convidou-a para fazer o batismo de um dos navios, o Queen Isabel, em 2013, para comemorar os 20 anos da Douro Azul. Sharon Stone, a quem Mário Ferreira ofereceu um ‘coração de Viana’ em filigrana (que fez furor quando a atriz foi fotografada por paparazzis a usá-lo), também foi madrinha de um outro barco, o Amavida. Chamou ainda para madrinhas a mulher do atual primeiro-ministro, António Costa, Fernanda Tadeu, e a do ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, Laura Ferreira.
Casado atualmente com Paula Paz Dias, de quem tem dois filhos e que deixou o cargo de juíza para se tornar braço direito na Mystic Invest, mandou esculpir o rosto da mulher nas sereias da proa do barco Spirit of Chartwell.
Para as inaugurações dos navios, tem também convidado outras estrelas internacionais: como a cantora Joss Stone ou a modelo portuguesa Sara Sampaio. A cantora e antiga primeira-dama francesa (casada com Nicolàs Sarkosy), Carla Bruni, veio a Portugal no início do ano passado para o batismo do World Explorer, o primeiro navio oceânico a ser construído de raiz em Portugal, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e cujo destino final será a Antártida. A partida do navio, no dia 4 de outubro, foi adiada por algumas horas porque o Tribunal Marítimo de Lisboa decretou o arresto do barco, devido à guerra judicial entre a Mystic Cruises e a Vianadecon. Segundo o Público, o arresto acabou por ser suspenso devido à prestação de uma garantia bancária no valor da dívida que é exigida.
Também não dispensa a presença da classe política nas suas inaugurações: o primeiro-ministro, António Costa, ou do ex-autarca do Porto e presidente do PSD, Rui Rio. Mas Mário Ferreira recusa que esta ligação ao poder político possa ser vista como uma forma de influência.
“Não há qualquer tipo de interesse direto. Eu acho que é uma honra poder ter um chefe de Estado, seja o primeiro-ministro, seja o Presidente da República, numa situação destas, porque também para eles… Acho que tiveram muita honra em poder estar… Então se vão a uma inauguração de uma fábrica, ou de uma estrada qualquer, por que é que não hão-de estar num evento que foi marcante.”
Partilha o gosto pela arte com o padrinho de casamento – nada menos do que Joe Berardo. Na sede da empresa, nos antigos armazéns da Real Companhia Velha, em Miragaia, tem um quadro da autoria do artista plástico Joe Black de Mao Tsé-Tung (uma reconstituição do mítico quadro de Andy Warhol), constituído por 9.000 soldados em miniatura a formar a cara do antigo líder chinês. E um retrato “irónico” da Princesa Diana, cuja cara surge dos pequenos carros destruídos. Nos antigos armazéns, transformou ainda uma antiga rampa para o transporte de pipas num autêntico auditório. A estrutura do edifício — como as arcadas — foram mantidas.
Quando o Observador visitou as instalações da sede, em outubro do ano passado, Mário Ferreira mostrou ainda compilações de fotografias do espólio fotográfico que resgatou num histórico (mas moribundo) estúdio do Porto ou do Lisboa-Dakar de 2007, que terminou no 9.º lugar numa das classes. Numa das salas, há amostras de alcatifas e azulejos. “Uma cliente disse-nos que queria uma decoração de azulejos em algumas cabines [de um navio]. Nós não queríamos nada daquilo e eu disse-lhe – convencido que ela não aceitaria: ‘Se quer azulejos, pode pagá-los’. E não é que pagou mesmo? Nunca pensei. Ofereceu mais de um milhão de euros e eu lá tive de lhe fazer a vontade”.