Aumentar ou eliminar o limite máximo (de 10 milhões de euros) de investimento que pode ser deduzido ao IRC. Remodelar as taxas de tributação autónoma aplicadas aos encargos com veículos da empresa. Colocar tetos nos juros de mora. Mexer no IVA das viaturas comerciais dos agricultores. As confederações patronais não lhes querem chamar “contrapartidas”, mas todas estas medidas são linhas de ação para as empresas das quais os patrões dizem não querer abdicar para darem luz verde ao chamado “acordo global de rendimentos e competitividade”.
Este acordo, que está a ser discutido na concertação social, prevê o desenho de um referencial de aumentos salariais no privado, levando em consideração a produtividade e a inflação. A próxima reunião é na segunda-feira – desta vez com o primeiro-ministro, António Costa – e a ideia é que algumas medidas possam já figurar no Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), que será apresentado no dia 16.
Governo quer salários a subir acima da inflação e da produtividade
Até agora ninguém arrisca dizer quais são as propostas das confederações patronais que serão incluídas, de certeza, na proposta de OE (e muito menos se vão resistir às negociações dos partidos na especialidade). Certo é que o ministro da Economia pediu um resumo das medidas que os patrões querem e esperava recebê-las até quarta-feira. “O Governo o que fez foi uma elencagem de áreas de intervenção, e é positivo ter aberto discussão nessas áreas. Agora, daí aí a termos conclusões específicas vai uma grande diferença“, aponta ao Observador João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Afinal, que medidas querem os patrões?
Governo disponível para alargar as deduções de IRC aos lucros reinvestidos. CIP quer eliminar limite máximo
Esta é uma medida que o Executivo já disse estar disponível para incluir, desde já, no próximo Orçamento do Estado (embora não tenha exatamente o mesmo desenho proposto pelos patrões). Aliás, é o próprio Programa do Governo a prevê-la. Refere o documento que o Governo prevê “melhorar o regime do IRC para as empresas que reinvistam os seus lucros através de um aumento em 20% do limite máximo de lucros que podem ser objeto de reinvestimento”, de 10 milhões de euros para 12 milhões, “assim aumentando a dedução à coleta de IRC para as empresas”. A medida, que abrange as pequenas e médias empresas, tem condições para avançar “desde já”, disse o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, após a reunião da concertação social.
Ainda no quadro da margem disponível, e depois de uma legislatura em que se acabou com o Pagamento Especial por Conta e se aumentou significativamente a capacidade de dedução à coleta em IRC dos lucros das empresas retidos e reinvestidos, prosseguiremos o alargamento da aplicação deste regime que privilegia fiscalmente as pequenas e médias empresas que invistam os seus lucros na criação de valor para a empresa e para a economia em geral”, lê-se no Programa do Governo.
A confederação liderada por António Saraiva, sabe o Observador, quer ir além e aumentar a possibilidade de dedução à coleta (de 10%) até 50% dos lucros reinvestidos, mas a todas as empresas e não apenas às pequenas e médias. Ao mesmo tempo, quer eliminar o limite máximo (de 10 milhões de euros) de lucros que podem ser alvo de reinvestimento.
Já João Vieira Lopes (CCP) não especifica valores ao Observador, mas pede que “o dinheiro das empresas que for investido e não distribuído em lucros tenha um tratamento fiscal mais favorável”. “Em Portugal há um problema de capitalização. Enquanto for mais benéfico para as empresas em termos fiscais recorrerem a empréstimos externos em vez de colocarem capitais próprios, não vale a pena pensar que este problema da descapitalização das empresas se resolve”, refere Vieira Lopes.
Segundo dados provisórios do estudo “Os Benefícios Fiscais em Portugal“, a dedução à coleta do IRC dos lucros retidos e reinvestidos pelas micro, pequenas e médias empresas custou ao Estado 78,84 milhões de euros em 2018, o valor mais elevado desde que a medida foi criada.
O Observador sabe que uma das prioridades do Governo nesta legislatura será estimular o investimento nas empresas com entre 250 e 500 trabalhadores. Em causa estão, segundo dados do último Balanço Social do Ministério do Trabalho, 592 empresas e 202 mil trabalhadores. Para isso, não vai limitar programas dirigidos às empresas de apoio ao financiamento, como o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial) e o RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento).
O primeiro prevê que todas as despesas de investigação com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos sejam dedutíveis à coleta, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido. Já o RFAI permite que as empresas deduzam à coleta uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis). No ano passado, o montante a cargo do Estado caiu de 175 milhões de euros para 157 milhões.
Além disso, sabe o Observador, o Governo quer responder às dificuldades das empresas entre 250 e 500 trabalhadores na obtenção de crédito junto da banca. Para isso, vai desenhar formas de essas empresas recorrerem aos bancos com uma garantia do Estado.
Redução das tributações autónomas
As tributações autónomas são tributações extraordinárias a gastos de uma empresa que não se relacionam diretamente com a produção. “O mais sensível, na nossa opinião, é o problema das viaturas da empresa. Deve ser feita uma clara distinção entre as viaturas até 25 mil euros e as mais caras“, diz João Vieira Lopes.
A tributação autónoma, no que às despesas com viaturas empresariais diz respeito, depende do custo de aquisição, mas também da energia utilizada. Atualmente, os encargos com viaturas ligeiras de passageiros, ligeiras de mercadorias, motos ou motociclos (exceto elétricos) variam entre 5% e 35%.
O desagravamento da tributação autónoma sobre os carros das empresas, propõe a confederação, pode ser feito de duas formas: aumentando o número de escalões ou estabelecendo que as viaturas com um custo de aquisição inferior a 25 mil euros “não sejam penalizadas, ou sejam menos penalizadas“. “Consideramos que as viaturas com esse perfil são instrumentos de trabalho das empresas.” Acima desse valor, nas consideradas “viaturas de luxo”, a CCP admite que possa haver um agravamento da tributação.
Já a CIP propõe uma redução para as seguintes taxas:
Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), também pede um alívio nas taxas. Ao Expresso, o responsável defendeu o fim das tributações autónomas para as viaturas de transporte de pessoas entre cinco e nove lugares, “que, por serem consideradas de passageiros [mas são usadas para o transporte dos trabalhadores para as explorações] estão abrangidas pelas tributações autónomas”. O Observador pediu mais informação à CAP sobre as propostas que quer ver inscritas no OE2020, não tendo obtido resposta.
O Governo garantiu abertura na discussão da medida, mas não se comprometeu com as confederações patronais. No documento que entregou aos parceiros sociais relativo ao acordo global de rendimentos e competitividade, o Executivo aponta como uma “área de atuação” as tributações autónomas.
Mas se esta é agora uma área em que o Governo quer intervir, não o era há um ano, quando entregou a proposta de Orçamento do Estado para 2019. Nesse documento, o Executivo propunha-se a aumentar as taxas da tributação autónoma de 10% para 15% no caso das viaturas até 25 mil euros e de 35% para 37,5% nas viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 35 mil euros. Só que a medida não passou no Parlamento.
Tetos nos juros de mora e aumento do IAS
Entre as propostas da CCP constam ainda o regresso ao limite de três anos no pagamento de juros de mora (pagos pelas empresas, por exemplo, que incorrem em multas fiscais). “Sabemos que a justiça é altamente morosa. O limite de juros de mora praticamente não existe hoje. Se um processo demorar dez anos em tribunal, pode chegar-se a valores incomportáveis para a empresa, quer perca quer ganhe”.
A confederação propõe ainda que os investimentos em ações de formação profissional certificada sejam majorados em 120%, assim como os encargos suportados com doutorados durante três anos. Já no campo dos rendimentos das famílias, “o Estado tem de dar alguma contribuição“. E por isso “há duas medidas que deviam ser tomadas”. Por um lado, a baixa do IVA da eletricidade para os consumidores — que “é como os passes sociais e os livros escolares gratuitos: são processos para aumentar indiretamente o rendimento das famílias”. Esta descida, admite a CCP, pode ser gradual: reduzir primeiro, já no próximo ano, para uma taxa intermédia de 13% e mais tarde para uma taxa reduzida de 6%.
Por outro lado, defende Vieira Lopes, o IAS (Indexante de Apoios Sociais), que serve de referência, por exemplo, às prestações sociais, deve aumentar. Se na última legislatura o salário mínimo aumentou 19%, o IAS subiu cerca de 4%. “É uma grande diferença”, aponta o responsável. Para a confederação, o IAS deveria ser atualizado num valor correspondente a 75% do valor de atualização do salário mínimo.
Ao Jornal Económico, João Vieira Lopes também já anunciou uma proposta para incentivar aumentos salariais no privado, segundo um desconto na taxa social única (TSU) para as empresas que subam salários além da inflação.
Aumento do limite da matéria coletável das PME com taxa de 17%, diz CIP. Mexidas no IVA, atira CAP
No documento “Portugal a Crescer Mais”, apresentado em setembro, a CIP pedia a redução do IRC para um máximo de 17% até ao final da próxima legislatura. Para o próximo Orçamento do Estado, a confederação de António Saraiva reivindica que a taxa de IRC de 17% seja aplicável aos primeiros 50.000 euros (e não aos atuais 15.000 euros) de matérias coletável das pequenas e médias empresas. Ou seja, que mais entidades possam usufruir da taxa reduzida.
CIP propõe “como regra” que faltas justificadas não sejam pagas. E pede IRC de 17%
A CIP quer também a eliminação gradual das derramas municipais e mexidas na derrama estadual (pagas pelas entidades que exerçam como atividade principal as atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola). Em vez de três escalões com taxas de 3%, 5% e 9%, a CIP quer três novos escalões, com novos limites, e taxas entre os 3% e os 7%.
No lado da agricultura, Eduardo Oliveira e Sousa pede ainda uma mexida no IVA das viaturas comerciais dos agricultores. “As carrinhas de caixa aberta, se tiverem quatro ou cinco lugares, que são na grande maioria das vezes usadas para transportar trabalhadores para as explorações, não têm possibilidade de deduzir o IVA nem das despesas de conservação, nem nos pneus, nem na própria aquisição”, disse ao Expresso.
A CAP vai propor ainda uma isenção de tributação em sede de IRS e de Segurança Social do trabalho extraordinário. No último Orçamento do Estado ficou definido que as horas extraordinárias seriam tributadas à parte, mas Oliveira e Sousa quer o fim de qualquer tributação. “Seria bom para ajudar os próprios trabalhadores a serem compensados pelo esforço de trabalho que lhes é solicitado.”
“Se o Governo tem uma determinada ambição e perspetiva e pede às entidades empregadores que alinhem a esse respeito… se não lhes der nada de nada, está a dizer que a única forma de esses aumentos virem a ser refletidos é esperar pelos resultados.”
Oliveira e Sousa pede ainda que “não se perca de vista” a “promessa” de baixar o IRC para os 17% (atualmente é de 21%), seguindo uma reforma do imposto que entrou em vigor em 2014, mas que foi travada pelo Governo de António Costa.
Golfe, pagamento por conta e outra vez IRC
Já Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), diz ao Observador que entre as medidas propostas ao Governo estão a “redução do IRC, superior, por exemplo, à nossa vizinha Espanha” e a possibilidade de dedução do Imposto sobre o IVA nas atividades do MICE [área dos eventos]”.
“É também urgente que o golfe deixe de ser taxado à taxa máxima [23%]“, defende o responsável. A CTP defende ainda o fim do Pagamento por Conta. Se o pagamento especial por conta deixou de ser obrigatório com o último Orçamento, manteve-se o pagamento por conta, que a CTP quer agora ver eliminado. Já a CCP defende que apenas a primeira prestação deve ser obrigatória. “As segundas e terceiras devem ter algumas condicionantes em função da evolução dos resultados da empresa”, diz João Vieira Lopes.
“De uma forma geral, o que esperamos deste orçamento são reais medidas de apoio às empresas e de estímulo ao investimento privado, condições essenciais para o crescimento económico do país”, considera Francisco Calheiros, que recusa usar a palavra contrapartidas. Em entrevista ao Expresso, disse: “Não gosto da palavra ‘contrapartidas’. Tem a ver com medidas que possam dinamizar a economia”. “A Concertação [Social] faz-se concertando. Ou seja, há medidas de um lado e medidas do outro. Do lado dos rendimentos estão todas definidas até 2022. Agora falta definir as nossas.”